O legado de Anyky Lima, ativista travesti: ‘eles me querem morta, mas esqueceram que eu sou uma semente’

Pioneira na luta pelos direitos de pessoas trans e travestis, Anyky morreu aos 65 anos, em Belo Horizonte (MG), tendo sobrevivido à ditadura, à epidemia do HIV e à violência transfóbica.

Por Jessica Santos

“Ei Jéssica! Tudo bem? Não sei se você viu, mas a Anyky faleceu hoje. Achei que seria bom te avisar, porque você deve ter dos últimos registros do nosso ícone”, foi a mensagem que Vanessa Sander, a pesquisadora da Unesp, me enviou no WhatsApp no começo da tarde desta quarta-feira (14/4). A mensagem me transportou para 24 de março deste ano, dia que conversei com a travesti Anyky Lima e que me marcou de forma indelével.

Se você pesquisar o termo “Anyky Lima” no Google vai perceber que ela foi uma fonte constante sobre transexualidade e velhice. Reportagens, entrevistas, série de documentários, artigos, teses, dissertação, o material é relativamente amplo. Não é nenhuma surpresa se você considerar que a idade média que uma pessoa trans alcança no Brasil é de 35 anos, segundo dados da União Nacional LGBT. Anyky partiu aos 65. “É, meu bem, ter conseguido sobreviver, eu acho que foi sorte. Medo, sorte. Eu acho que foi um pouco de tudo, né? E realmente porque eu tinha que sobreviver”, me contou durante nossa conversa.

Nascida no bairro de Padre Miguel, zona oeste do Rio de Janeiro, ainda bebê foi entregue a uma tia, pois a mãe teve que fazer uma cirurgia. A permanência com a tia durou até seus 7 anos. “Quando eu comecei com sete, oito anos com o jeitinho de menina, de viadinho, meu tio me botou pra voltar pra casa da minha mãe”. No teto materno, não havia intimidade com a família e ali ficou até que sua consciência de gênero passou a incomodar em casa. “Me mandaram embora, expulsaram de casa, minha mãe que me expulsou e eu vim pra rua”. Ela tinha 12 anos quando partiu do Rio de Janeiro para o Espírito Santo, onde trabalhou na prostituição. Depois, foi para Belo Horizonte (MG), cidade que escolheu para viver.

Foram 50 anos como profissional do sexo, ocupação que encontrou para que pudesse sobreviver, ter um teto sob sua cabeça, ainda que fosse alugado. O direito a habitação é algo longínquo para transsexuais e travestis, bem como os direitos a educação, a saúde e muitas vezes a vida. Também foi costureira, cabelereira e até teve uma pensão na qual alugava quartos para travestis mais jovens como Gisella Lima, que Anyky considerava uma filha. “Antes mesmo de conhecer pessoalmente Belo Horizonte, eu já conhecia a figura da Anyky, nem por foto, mas eu já sabia da existência dela. Anos depois, eu fui inquilina da pensão que ela tinha”, conta.

“Netos” e “sobrinhos”

“Fazíamos almoço, conversamos muito e curtíamos os cachorros”, relata pelo Facebook Henrique Bossi, amigo que passou a conviver com a travesti em 2014 quando começou a frequentar a casa da “tia”, como a chamava. “Mais que militante, Anyky dividiu o pão com muitos que pouco tinham ou nem isso. Ajudou em festas para crianças, pessoas em vulnerabilidade social, em especial a população em situação de rua, muitas travestis que foram a BH em busca de sobrevivência, entre outras”, conta Henrique em sua homenagem, uma de tantas que enchem a página de Anyky na rede.

“Vó” e “tia” são termos que se repetem nas despedidas. Anyky acolhia, criava laços, costurava famílias por laços de amor. É um caleidoscópio de saudades e lembranças. “Todas as Travestis e Transexuais tem débito com essa Travesti Babadeira Tia Nyky como os mais próximos a chamavam”, diz uma postagem.

“Conviver com a Anyky foi uma experiência mágica”, Gisella me conta por áudio no WhatsApp. Na mesma fala, ela descreve todas as faces de Anyky: “tem a Anyky de luta, a Anyky resistência, mas também a Anyky carismática, a Anyky sensata, a Anyky crítica”.

Militância

Uma das muitas faces de Anyky foi a de militante. Representante mineira da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), presidente do CELLOS/MG (Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais), ela defendia que as pessoas trans e travestis tivessem acesso a saúde, moradia, educação, aos mesmos direitos que qualquer outro cidadão. “A saúde, a educação, é um direito de todo cidadão e as pessoas não veem a pessoa T, travesti, transexual, homem trans, se como ser humano. Então, como não vê como humano, não dá esse privilégio que o ser humano tem”.

Para Keila Simpson, presidente da Antra, Anyky foi “uma figura a frente do seu tempo […] uma pessoa muito preocupada com o ser humano. Ela estava doente e mesmo assim estava preocupada em fazer o bem”. Keila ainda completa: “ela fazia com que a vida parecesse fácil mais do que a vida é”.

A Keila se unem outras vozes e instituições que reconhecem o legado de Anyky para o movimento trans. Em nota, o CRP-MG (Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais) destacou que Anyky “sobreviveu à transfobia, à ditadura militar e à epidemia de HIV. Sobreviveu também às estatísticas das mulheres trans e travestis, tornando-se um exemplo para o Movimento Trans Nacional.”

“Vó Anyky constituiu uma longa trajetória, incidiu em políticas públicas, contribuiu com pesquisas acadêmicas e para o processo de humanização da população trans brasileira.”, diz a nota da Antra, organização da qual ela fazia parte.

Anyky foi presidente do Cellos/MG e representante da Antra em Minas. Reprodução / Arquivo pessoal

Já para a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Anyky “foi uma grande referência de luta para todes nós por sua contribuição e história”.

Em vida Anyky foi homenageada pela rede Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais) ao batizar o Ambulatório Trans do Hospital Eduardo de Menezes com seu nome. “O Ambulatório Anyky Lima é a comprovação do reconhecimento ao seu atuante papel frente ao acolhimento, à conscientização e à busca contínua pela humanização da assistência”

Últimas palavras

Volto àquele dia 24 de março. Anyky já estava há quase quatro anos enfrentando um câncer e seu único pedido foi que a entrevista não fosse gravada em vídeo, pois não queria aparecer debilitada pela doença que tanto odiava. “Eu nasci com ele, não é aqui que ele tem que morar. Eu quero que ele vá pra profundeza do mar, aonde ele não chegue perto de ninguém”.  

Conversamos por áudio e por vezes sua voz, tão gostosa de ouvir, enrolava as palavras, ia fenecendo aos poucos até que ela acabasse o áudio e me mandasse outro, mais animada. Ela ia me contou sobre sua vida e os caminhos que traçou para si. E, em nenhum momento, perdeu o olhar para os outros.

“Hoje, não é mais nem trinta e cinco anos. Hoje, elas estão morrendo aí com quinze, com treze, meninas sendo assassinadas com bem menos idade. E isso é muito triste porque a violência, cada dia que passa, está mais constante na vida da pessoa trans, né?”, lamentou após pensar na própria longevidade.

Pensava, inclusive, nas trans que chegavam a sua idade. “É realmente muito triste uma pessoa trans idosa sobreviver. Se ela precisar ser internada e ela não tiver um conhecimento, ela vai pro meio dos homens. Vai ter que ocupar o banheiro masculino”.

De todas as coisas que me disse, foi já no final da conversa, quando conversamos sobre a sua doença, a que mais me marcou quando fez brilhar, uma vez mais, que sua sede de luta era constante. “Eles me querem morta, mas eles esqueceram que eu sou uma semente e uma semente renasce. Eu já renasci várias vezes. Eu sou igual aquele pássaro que renasce das cinzas. E vou renascer dessa vez das cinzas. Pra lutar, pra brigar pela minha comunidade. Enquanto existir força, existir um suspiro de vida, eu estarei lutando não só pela comunidade trans, mas qualquer ser humano”.

Foto de Capa: Reprodução/Arquivo Pessoal

ALESP tenta aprovar Projeto de Lei que proíbe a alusão de LGBT+ na publicidade

Nesta quarta-feira (14), o Projeto de Lei nº 504/2020 da deputada estadual Marta Costa (PSD) foi aprovado pelo Congresso de Comissões da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que “proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado”. O PL associa LGBT+ a “influências inadequadas” e práticas danosas”.

A deputada Erica Malunguinho (PSOL) apresentou durante a votação um voto em separado com uma emenda ao artigo para dissociar a população LGBT+ dessa ação discriminatória. Contudo, a maioria dos deputados votou a favor do Projeto de Lei, que deve ser debatido em plenário novamente na próxima terça-feira (20).

Leia abaixo um trecho da publicação da deputada estadual nas redes sociais.

“É indiscutível a necessidade de proteção das infâncias e das adolescências, incluindo aquelas que sofrem de discriminação, quer por razões de gênero e raça, quer por outros marcadores. Contudo, associar a violação dos direitos das crianças e adolescentes às diversidades sexuais e de gênero é desumanizador e cruel.

A luta pela cidadania das pessoas LGBTI+ perpassa pelo reconhecimento de suas humanidades e cidadanias. É tempo de avançar! Precisamos de projetos sérios, e não projetos sem fundamento, cujo único objetivo é retroceder na luta pela humanização e por direitos das pessoas LGBTI+ causando tumulto na sociedade.”

Foto de Capa: Reprodução/Comunicação ALESP

Tyaro convida Hiran, Agytoê e o Duo T.A.Z., numa celebração de amor e vida

A música “Louca pra beijar” é um grito de liberdade e afirmação. O Rio de Janeiro sarrando a Bahia num balaio com múltiplas sonoridades. Beat e instrumentos orgânicos se misturam, claves de Funk dialogam com o Rap e o Trap, e claves de samba com o Pagode Baiano.

O clipe foi gravado nas cidades de São Paulo e Salvador. Nascido da parceria com a produtora Gato Selvagem e dirigido por PENNO.

O roteiro apresenta o elenco de artistas presentes na faixa, e conta também com a participação de três atrizes exuberante, Ona Silva, Gabs Ambròzia e Verônica Valentino, formando um time irreverente, colorido e muito swingado que dá vida ao clipe oficial de “Louca Pra Beijar”

Quem faz parte desse som? 

Tyaro é artivista não-binárie e produtore cultural, atua na cena de LGBTQ+ e no Carnaval de rua do Rio de Janeiro. Assina a direção artística e composição do projeto. 

Rapper Hiran diretamente de Alagoinhas, artista promissor que expressa nas suas rimas a força do rap nacional LGBTQ+.

Bloco Agytoê traz na instrumentação a transancia e alegria que atrai milhares de foliões há 7 anos no Carnaval carioca.

Duo T.A.Z. da cidade de Simões Filho/SSA, responsáveis pela produção do beat estigado e cremoso. 

Colmeia22 selo de distribuição. coroando esse estouro do norte. 

A música estará disponível em todas as plataformas a partir do dia 08/04. 

VITTU estreia na música com a libertadora “Alô Alô São Paulo”, que chega acompanhada de videoclipe

Cantor e compositor surge após três anos de enfrentamentos como gordoativista e LGBT; influenciador digital aposta em primeiro single para expressar sua sua liberdade

O paulista VITTU lançou, dia 1 de abril, o primeiro single de sua carreira, intitulado “Alô Alô São Paulo”. Em um momento de descobertas e uma história de vida com a música em diferentes cenários, o artista decidiu dar o primeiro passo rumo a uma carreira autoral, com um lançamento que chega acompanhado de obra audiovisual.

Engajado nas redes sociais, o cantor, compositor e influenciador digital expressa sua liberdade por meio de fotos em seu perfil e um discurso que pode incomodar preconceituosos e conservadores, mas que mostra sua real essência sem ter medo de ser quem realmente é. “A vontade de me tornar artista surgiu do desejo de deixar minha marca, abrir caminhos, expressar minhas sonoridades, me expor e criar movimentos”, conta VITTU.

Além disso, nos últimos três anos, o artista vive diariamente enfrentamentos e lutas por ser gordoativista e LGBT, como conta: “Acredito que esse lançamento vai abranger meu público porque, apesar de não ser uma música de militância, é impossível desvencilhar de tudo que fiz até aqui. Aliás, o público que virá soma-se ao público que já existe! É essa união de forças que acredito que deva me levar aos lugares que sonho ir!”

Apesar de ter nascido em Assis, interior de SP, o artista escolheu São Paulo para celebrar este lançamento. “Me sinto livre em SP e a composição surgiu daí. Assisti um filme biográfico do Tim Maia e, naquele momento, fui para a minha janela ver a vista e comecei a pensar que não tinha nenhuma música que falasse da cidade com um swing próprio. As composições são sempre para baixo, sabe? E, para mim, São Paulo é movimento, soul,
alegria”, completa.

Com referências importantes como Tim Maia, Ed Motta E Jorge Ben, o artista une três grandes ídolos para compor seu primeiro som. Em uma mistura de Soul com MPB, VITTU imagina as pessoas ouvindo sua música a caminho do trabalho, no transporte público, em um churrasco, pegando a estrada. É uma música para momentos simples, mas únicos.
Segundo ele, “é uma música de celebração”.

Este é o primeiro single de um projeto ambicioso, que o artista quer colocar em prática após entender a recepção de seu público – e dos que ele está prestes a conquistar. O videoclipe, assinado pela Meraki Produções, com direção de Danilo Rowlin, reafirma a importância em contratar profissionais que possam contribuir com as suas narrativas, e com isso não fazem distinção de etnias, nacionalidade, orientação e gênero, com uma equipe 100% diversa e inclusiva, as cenas foram gravadas em pontos importantes da capital, como Minhocão, Consolação, bairro da República e Luz. O stylist Made In Brazil assina, além dos looks, a produção de imagem do videoclipe.

“Alô Alô São Paulo” está disponível em todas as plataformas digitais via selo Cada Instante.

Conheça e acompanhe mais sobre o artista Vittu.

Sobre a Cada Instante:
A Cada Instante é um selo e editora musical que busca oferecer conforto e segurança para artistas e compositores por meio de soluções práticas e efetivas que visam o melhor posicionamento de suas obras no mercado da música brasileira. De maneira personalizada, a empresa busca oferecer uma visão estratégica de negócio, respeitando o conceito artístico de cada produto e projeto com serviços como planejamento estratégico para lançamentos digitais e consultoria para carreiras. Desde 2018,
ano de sua fundação, a Cada Instante coleciona mais de 38MM de plays, +160 lançamentos e +50 artistas, com foco no mercado MPB e Indie de todo o país.

10 cantores e cantoras trans para conhecer

Ontem, dia 31 de março, foi o Dia Internacional da Visibilidade Trans e para memorar essa data, selecionamos 10 cantoras e cantores trans que mostram a pluralidade artística brasileira.

ISIS BROKEN

Isis Broken, alter ego da sergipana Isis Fontes, possui muitas influências musicais que vão desde Caetano Veloso, a Johnny Hooker e Racionais MCs.

IRMÃS DE PAU

A dupla de cantoras travestis, Isma e Vita, ou Irmãs de Pau, está se planejando para lançar o EP “Dotadas” ainda esse ano. A música das duasA transita pelo funk, trap, vogue, dancehall e afrobeat e conta com a produção de MU540.

Confira a entrevista que elas deram para a Casa 1 antes da performance no Festival BixaNagô aqui.

RENNA

A transartivista catarinense Renna radicada em Pernambuco fez uma denúncia sobre transfobia no clipe “Lamento de Força Travesti” , gravado no Sertão de Pernambuco e com a participação de Gabi Benedita.

Leia mais sobre a produção nessa matéria da Casa 1.

MONNA BRUTAL

Rapper conhecida por suas rimas ácidas e seu flow, fala sobre machismo, transfobia e resistência. Da periferia de Guarulhos, Monna organizou por dois anos a “Batalha de Jaçanã” experiência que a ajudou no desenvolvimento do seu trabalho artístico.

Ela também participou da música “Magenta Ca$h” de Gloria Groove.

DANNY BOND

A cantora de Alagoas com quase 5 milhões de visualizações nos seus vídeos no Youtube e mais de 2 milhões de plays no Spotify vem crescendo e conquistando cada vez mais fãs. Danny Bond viralizou recentemente com a música “Tcheca” um mashup da música “Say So” de Doja Cat.

BIXARTE

A rapper, atriz, cantora e poetisa paraibana Bixarte fala sobre ancestralidade e visibilidade trans em suas produções.

BOOMBEAT

Já conhecida como uma das integrantes do grupo de rap Quebrada Queer, Boombeat, com boas rimas e melodias dançantes, vem se destacando cada vez mais no cenário musical LGBT+.

NICK CRUZ

Capixaba, Nick Cruz começou a cantar em bares de Vitória, ES com 17 anos. Em 2019 o jovem cantor lançou sua primeira música autoral “Me Sinto Bem” e atualmente é um dos contratados da gravadora Warner Music.

BENJAMÍN

Benjamín Damini tem se dedicado à carreira de cantor e com seu primeiro single lançado, ele tem outros planos para a carreira musical, sem deixar a atuação de lado.

JULIAN SANTOS

O artivista paraibano Julian Santos encontrou refúgio na arte e com a música busca atingir mais pessoas.

Se você gostou dessa lista, veja também a nossa indicação de 15 séries com atores e atrizes trans.

25 materiais para entender como foi a Ditadura para LGBTs

No dia 31 de março de 1964 aconteceu o golpe militar no Brasil, fazendo com que o país mergulhasse em 21 anos de censura e violentas repressões.

O golpe de 64 foi o mais longo período de interrupção democrática no país. Os “anos de chumbo” foram marcados pela cassação de direitos civis, repressão violenta a qualquer tipo de manifestação popular contrária ao regime, censura à imprensa e assassinatos e torturas de militantes e civis.

Além de aparatos de repressão contra “comunistas”, os aparelhos da ditadura também exerceram controle moral sobre os corpos subversivos. Prostitutas, homossexuais e travestis foram perseguidos pelo regime e alvos de detenções arbitrárias, censura, demissão de cargos públicos e outras formas de violência.

Contudo, a comunidade LGBT respondeu a essa forte repressão com o fortalecimento de movimentos de resistência e, ao fim dos anos 1970, muitos desses grupos se mobilizaram para enfrentar a violência do Estado, em defesa dos seus direitos.

Nessa lista separamos entrevistas, perfis e materiais que eram usados por movimentos na reivindicação dos seus direitos.

Filme “Temporada de Caça” (1988), de Rita Moreira que trata da onda de assassinatos de homossexuais que assolava São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 80

Catálogo da exposição “Orgulho e Resistências: LGBT na Ditadura” do Memorial da Resistência.

A mostra realizada em parceria com o Museu da Diversidade Sexual e com curadoria de Renan Quinalha, faz um recorte histórico sobre as relações entre autoritarismo, diversidade sexual e gênero durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O catálogo está disponível gratuitamente para download e apresenta conteúdos exibidos na mostra, como cartazes de teatro, documentos e fotografias da época. Uma série de textos aprofunda assuntos como as resistências do período, a perseguição e as detenções em massa da polícia e as reivindicações políticas do movimento homossexual na ditadura. Há também materiais que compõem o Acervo Bajubá.

A Casa 1 colaborou como mediadora através do nosso grupo Instituto Temporário de Pesquisa Sobre Censura.

Acesse o catálogo aqui.

Seminário “O que Resta da Ditadura”, com participação de Maria Rita Kehl, Renan Quinalha e Janaína Teles.

O debate, organizado pela “TV Boi Tempo”, propõe uma reflexão sobre a relação mal resolvida do Brasil com a ditadura militar, o papel das Comissões da Verdade e o esquecimento como produtor de sintomas sociais na atualidade. A partir dos resquícios do período de exceção na organização social do país, a pergunta que dá nome ao encontro norteia a reflexão sobre resistência e o progressivo alcance de discursos de ódio, intolerância e exaltação de um dos piores momentos de nossa história.

Participação do João Silvério Trevisan ao programa “Estação Plural”

João Silvério Trevisan está na luta pelos direitos LGBTs desde os anos 70, quando participou da criação do grupo Somos, de defesa dos homossexuais, e criou o jornal Lampião da Esquina, uma referência ainda hoje. É também autor do livro Devassos no Paraíso, o maior tratado sobre a história da homossexualidade no Brasil.

Podcast com as aulas do Instituto Temporário de Pesquisa sobre Censura (com Rita von Hunty, Renan Quinalha, Thiago Amparo, Renata Carvalho e muito mais!)

As aulas abertas fizeram parte do “Dossiê Censura”, que ocupou diversos espaços do Centro Cultural São Paulo – CCSP, tendo como base a Sala de Vidro – Ação Educativa, em janeiro de 2020. Durante o período de trabalho, o Instituto realizou um amplo atendimento ao público através de um ateliê gráfico aberto e diversas aulas abertas sobre a trajetória da censura no país. A ideia do projeto é abordar a amplitude da censura que nos acompanha desde o processo de colonização e passa por práticas políticas, sociais, econômicas, raciais e de gênero, entre outros tantos recortes e processos, traçados em cartografias coletivas.

As aulas podem ser acessadas aqui.

Portal Memórias da Ditadura do Instituto Vladmir Herzog

O Instituto Vladimir Herzog luta pelos valores democráticos: essa missão requer o resgate da nossa História – especialmente da mais recente, ocultada pela ditadura sob sistemática censura – e a sua exposição às novas e às próximas gerações. Acesse o portal.

Acervo Bajubá

O Acervo Bajubá é uma projeto de preservação, salvaguarda e instigação historiográfica da arte, memória e cultura LGBT brasileiras.

Todas as edições do Lampião da Esquina, publicação de imprensa alternativa e que discutia homossexualidade, que circulou de 1978-1981

Acesse o acervo de edições digitalizadas.

Depoimento de Neon Cunha para o podcast “Pessoas: Vidas Negras” do Museu da Pessoa

Descrição do episódio: “Neon dos Afonso Cunha nasceu em 24 de janeiro de 1970, em Belo Horizonte. Sua família mudou-se para São Bernardo do Campo, ABC de São Paulo, quando tinha cerca de 2 anos. Terceira de dez filhos, desde cedo foi vítima de surras do pai, metalúrgico, e dos irmãos por parecer afeminada. Começou a trabalhar aos 11 anos, para ajudar na renda familiar, como mensageira na prefeitura de São Bernardo. Na mesma época conheceu a realidade das travestis no centro de São Paulo. Após anos sofrendo ameaças, espancamentos e estupros, Neon decidiu que precisava resolver duas coisas: o ‘direito à morte digna e o direito a ter nome e gênero’. Hoje é ativista, questionadora da branquitude e cisgeneridade tóxicas.”

Comissão Nacional da Verdade – Ditadura e Homossexualidade: resistência do movimento LGBT

A Comissão Nacional da Verdade decidiu  incluir, em seu relatório final, um capítulo específico sobre as violações de direitos humanos das pessoas LGBTs, apesar da resistência de alguns de seus componentes. Leia mais.

Depoimento de Martinha, para o projeto #Colabora

Autoritarismo e diversidades | Entrevista com João Silvério Trevisan

Autoritarismo e diversidades | Entrevista com Jane Di Castro

Autoritarismo e diversidades | Entrevista com João W. Nery

Websérie Memórias da Diversidade Sexual – Museu da Diversidade Sexual

A websérie tem como objetivo apresentar os depoimentos de pessoas LGBTI acima dos 65 anos, residentes na cidade de São Paulo que contam suas experiências de infância, adolescência e velhice na cidade, como repressão, relação com a família, com a noite e militância.

Entrevista do Leo Moreira Sá para o podcast “Passagem só de Ida“, da Casa 1

“Quantas vidas cabem na vida de Leo Moreira Sá? Nascido em São Simão, a cidade do meteoro, no interior de São Paulo, em uma família de nove irmãos, a vida de Léo foi marcada por uma busca incessante por sua identidade. Desde que se mudou para a Grande São Paulo, vivendo primeiro em São Bernardo do Campo, ABC Paulista, e depois na Capital, Léo já foi estudante universitário na USP, participou de grupos de militância nos últimos anos da ditadura militar, entrou para a banda de rock Mercenárias como seu baterista e circulou por espaços diferentes da noite paulista entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 2000. Como ele mesmo conta, ele teve a sorte de conhecer pessoas maravilhosas e estar em lugares maravilhosos, o que lhe permitiu sobreviver à falta de liberdade dos anos da ditadura e construir o seu próprio entendimento de quem ele era e de qual era o seu universo. Hoje, Léo se identifica como um homem transexual e artivista, que coloca a sua arte a favor da verdade da comunidade transexual e pela conquista de seus direitos.”

Escute o episódio aqui.

Cassandra Rios, a escritora lésbica mais censurada durante a Ditadura

“Ela estava longe de ser comunista e seus livros mal falavam sobre política. Mesmo assim, Cassandra Rios foi a escritora mais censurada pela ditadura militar. Até 1985, 37 dos seus livros haviam sido, em algum momento, retirados do mercado. A editora CBS, que editava suas publicações, chegou a ser fechada pelos militares. A censura não era algo novo para Cassandra. Ela, que estreou na literatura em 1948, já havia sido processada pelo Estado em 1952, durante o governo eleito de Getúlio Vargas. Na democracia ou na ditadura, o crime foi o mesmo: expor em livros o prazer feminino.”

Leia mais sobre a escritora nessa reportagem do jornal Marco Zero.

LGBTs no Regime Militar – As Lésbicas Feministas

Rosely Roth no programa da Hebe Camargo em maio de 1985

Rosely Roth fez parte do levante no Ferro’s Bar, um ato de resistência lésbica durante a Ditadura Militar.

Do footing aos afters: vem com a gente fazer uma viagem pela cena noturna LGBT de São Paulo nos últimos 100 anos

“Balada gay, festa queer, bafo LGBT, fervo das empoderadas… Hoje em dia, é comum vivenciar esses eventos, principalmente na cidade de São Paulo, conhecida por sua vida noturna fervilhante. Afinal, a cultural da noite gay é uma realidade indiscutível. Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que o que se ouvia sussurrar, à boca pequena, era algo tipo “boate para entendidos”, “festa alternativa”, e por aí afora. Para chegarmos até o momento em que a São Paulo tem uma das maiores Paradas Gays do mundo e um festival inteiro pra chamar de seu, o Milkshake, que rola dia 16/6, na Barra Funda, foi um longo caminho. Então prepare-se para (re) conhecer essa trajetória. Vamos embarcar no… túnel do tempo da noite LGBT paulistana.” Leia o texto completo aqui.

Entrevista com Bayard Tonelli (Dzi Croquettes)

Entrevista com Ciro Barcelos (Dzi Croquettes)

Encenação de 1982 da peça “O Rei da Vela”, pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona

Documentário Meu amigo Claudia, de Dácio Pinheiro, sobre Claudia Wonder

Atriz e escritora, Claudia Wonder atuou em peças do Teatro Oficina, fez performances em boates como Madame Satã e militou pelos direitos LGBT. Deu palestras sobre preconceito e organizou campanhas a fim de arrecadar dinheiro para travestis em situação de rua. Morreu aos 55 anos, em novembro de 2010. Assista o documentário.

Aula “Para Derrotar o Fascismo: Organizar e Lutar por Direitos LGBTQ+” com Symmy Larrat

Precisamos falar de Elliot Page na capa da Revista TIMES

Por Cyro Morais, produtor de conteúdo freelancer da Casa 1 

Quantos homens trans ou trans masculinos você conhece? Muitos? Quantos deles são famosos? Quantos tem fama internacional? Quantos foram capa de algum periódico de grande visibilidade no mundo? Pois é, é por isso que precisamos falar do ator Elliot Page na capa de uma das edições da revista TIME deste mês. 

Uma das mais conhecidas revistas semanais de notícia do mundo, a revista TIME surgiu em março de 1923, nos Estados Unidos. Em seus 98 anos de existência, a revista ganhou o mundo. Criou uma edição europeia, que é publicada em Londres e cobre Oriente Médio, África e América Latina. Outra versão editada em Hong Kong cuja cobertura engloba os países da Ásia, e outra, canadense, editada em Toronto. 

As capas da Time já estamparam diversas personalidades. De Michael Jackson a Mahatma Gandhi. De Hitler a Martin Luther King. Angela Merkel, Obama e até Trump, que foi capa da revista com o título “Presidente de uma América Dividida”. Mesmo com toda essa pluralidade, as pessoas que estampam a frente do periódico tem sempre algo em comum: visibilidade no que fazem.  

Com Elliot Page não é diferente. Aos 34 anos, seu talento é inquestionável. Ele já esteve no elenco de filmes de sucesso, como Inception, X-men e Juno. Mais recentemente, ele participou da série crônicas de São Francisco, que contava no enredo com vários personagens transgêneros. As gravações, no entanto, aconteceram antes do anúncio que fez em dezembro no seu perfil do instagram, dos pronomes ele e dele, pelos quais gostaria de ser tratado. 

À revista, Page disse que as reações ao seu comunicado foram dentro das expectativas.“O que eu esperava era muito apoio e amor e uma enorme quantidade de ódio e transfobia”, diz ele. “Isso é essencialmente o que aconteceu.” 

O que ele, talvez, não esperasse era a proporção que a história tomaria: ficou no topo dos trending topics do twitter em 20 países. Na entrevista, Elliot falou sobre carreira, fama e sua luta pelos direitos das pessoas trans. 

“Estou muito animado para atuar, agora que estou nesse corpo”, disse ele, que também relatou para a repórter Katy Steinmetz da lembrança de ‘um sentimento de vitória’, que teve ao cortar o cabelo curto, aos nove anos, e, pela primeira vez, ser percebido por estranhos como um garoto. “Eu queria ser um menino. Eu perguntava a minha mãe se um dia eu poderia ser”, disse ele durante a entrevista. 

Elliot Page não é a primeira pessoa trans a estampar a capa da Time. Em 2014, a atriz negra Laverne Cox foi a primeira mulher trans a sair na capa da revista. De lá pra cá muito se avançou no reconhecimento e na visibilidade das pessoas trans. O sucesso de séries com Pose e Veneno são prova disso. Ao mesmo tempo, muitas coisas ainda tem o que avançar. A triste marca de país que mais mata pessoas trans no mundo não deixa, nós brasileiros, sonharmos muito alto. 

O título que acompanha a foto de Elliot na capa dessa edição histórica traz uma frase do próprio ator “I am fully who I am”, ou em tradução livre “Eu sou completamente quem eu sou”. Mais do que uma frase de efeito, essa fala diz muito. Em um mundo dominado por padrões que matam pessoas como ele, a revista traz um Page, que mesmo tendo as benesses de ser um ator mundialmente famoso, está ali, humano, contando sua história sem fetichizações diante de todos. Criando imaginários possíveis. 

A matéria sobre Elliot Page na Times é histórica e super importante. Mas sua importância não reside apenas na sua realização e, muito mais em para onde ela aponta, para que horizonte nos faz olhar. Que outros homens trans e trans masculinos deveriam estar nas capas do mundo inteiro? Quantos outros tão talentosos quanto ele ainda estão incógnitos? Se ainda não sabe, procure saber. É aí que reside a mudança. 

Foto de Capa: Reprodução

Irmãs de Pau: “Nós não somos irmãs de paz”

Com o financiamento coletivo para o primeiro EP “Dotadas” chegando ao fim esse final de semana, Isma e Vita começarão a divulgação com uma grande oportunidade: hoje, elas serão uma das apresentações do Festival Bixanagô, com o pocket show “Atravecamentos”, que acontece às 20h, no canal do festival no Youtube.

Isma e Vita, as Irmãs de Pau, se conheceram dentro de uma ocupação secundarista em uma escola de Barueri: ” A gente fazia parte de um coletivo, de pessoas trans e periféricas sobretudo, e tinha contato com várias manas de outras escolas. Quando chegou esse projeto de reorganização escolar proposto pelo Alckmin, a gente se organizou para ocupar as escolas de Barueri e passamos dois meses em ocupação” conta Vita. Além de ataques policiais, a ocupação também recebeu ataques da comunidade por ser majoritariamente LGBT+, com maioria trans.

Apesar dos empecilhos, conseguiram realizar muitos debates sobre educação e reflexão sobre seus corpos.

“A gente conseguiu ser quem a gente era dentro da ocupação 24 horas por dia. Viemos de um contexto de igreja católica e evangélica e, às vezes, a gente só conseguia ser Isma e Vita nos rolês. Quando voltava [para casa] já tinha que performar o que os nossos pais esperavam de nós. Eu já era Vita, mas tava em um processo muito recente”.

Isma complementa a importância dessa convivência na ocupação: “Eu nunca tive um tempo tão grande usando roupas que eu queria e gesticulando da forma que eu queria […] Não era travesti ainda, mas já conhecia a Vita pelo coletivo, na ocupação ficamos muito juntas e viramos irmãs”. Isma achou “incrível” que os pais de Vita não sabiam que ela era travesti, e foi nesse momento que ela entendeu que para ser travesti, não precisava de autorização.

Isma Almeida é multiartista, trabalha com dança, música, DJ, produção cultural entre outras linguagens e está se formando em Pedagogia. É a idealizadora do Baile da Cuceta e artista das faixas “Travesti Maconheira” e “Vem Fud*”, que conta com mais de 7 mil visualizações no YouTube.

Vita Pereira coleciona mais de 25 prêmios no cinema e participou mais de 70 festivais internacionais e nacionais com obras celebradas como “Perifericu” (2020) e “Picumã”(2019). A artista também é formada em Pedagogia.

Apesar delas estarem se apresentando agora pela primeira vez como dupla, ambas já trabalhavam solo em outros projetos e essa não é a primeira vez delas no palco.

Acostumadas com a troca com o público, gravar o show em um contexto pandêmico, foi um processo muito diferente: ” Estamos fora dos palcos há um ano e meio. […] A gente sempre foi desse calor, dessa troca com as pessoas. Eu tenho muito saudade do palco. Saudade de ver gente sem máscara. Ver bocas. Eu nunca pensei que ver boca e nariz me faria falta. Uma coisa nada a ver, sabe?”, ri Vita.

O pocket show “Atravecamentos” traz “Travequeiro” primeiro single da dupla e outros trabalhos individuais. A oportunidade caiu perfeitamente no momento e as duas foram selecionadas pela curadora do evento Jup do Bairro, que não precisa de apresentações.

A edição de 2021 do BixaNagô – Empoderamento e Estética Negra, será a primeira apresentação da dupla, um grande marco carreira ainda iniciante: “A gente vê que artistas independentes começam com shows pequenos, em festas pequenas e a gente já começou com um show foda, agarramos com todas as forças essa oportunidade e ‘vamo que vamo'”, diz Vita.

“A gente tava sem expectativa de fazer isso tão cedo e estar do lado de artistas que admiramos há muito tempo. Vimos o edital e olhamos o critério e pensamos ‘não conseguimos fazer esse bafo’ e acabou que eles procuraram a gente”, relata Isma. Esse conteúdo vai ser essencial para a divulgação da dupla nas redes sociais até a chegada do EP.

O material audiovisual feito no show é essencial para elas, já que não conseguiram editais e não contam com grandes patrocínios: “A gente tem várias criminalizações. A primeira é o funk. Hoje em dia tem mega operação pela prisão de MCs, alegam que eles recebem dinheiro do tráfico, mas a gente sabe que essa perseguição é histórica com a produção de pessoas negras. Teve a capoeira, o samba e agora com o funk. Nós somos travestis negras e isso piora o quadro. Nós não somos travestis dispostas a falar de coisas que vão deixar os ouvidos confortáveis. Nós somos irmãs de pau, não irmãs de paz”, brinca Vita.

Ela também questiona a questão da visibilidade e diz que busca “vivibilidade”.

“Estar viva, ter condições estruturais, materiais, financeiras, psicológicas para manter nosso trabalho que também é falar sobre Brasil, sobre memória e sobre as possibilidades de ser travesti. A gente veio da academia, tem muito essa questão da gente [travestis] ser objeto de pesquisa sobre teses e nesse processo, nós somos sujeitas. Queremos falar sem papas na língua. […] A gente não tá disposta a negociar a nossa vida para entrar em alguns espaços”, pontua.

Isma diz que já sabia que não seria fácil chegar no valor total da Vakinha, mas que isso não vai fazer com que elas desistam: “A gente não vai desistir, não vamos abrir mão da gente. A gente sabe que vai acontecer de alguma forma. Tem uma galera que tá apoiando e tá fechando com a gente e se agarra nisso […] Eu estou muito cansada, queria ver meu Instagram limpo porque é um pouco humilhante também você estar na internet pedindo dinheiro”.

Vita concorda e complementa o pensamento da amiga: “É [importante] entender a precarização [causada por] esse governo que a gente vive hoje, é um reflexo disso. Se a gente tivesse editais, apoio estrutural de políticas públicas para financiar, sobretudo essa galera do funk da periferia. Tem editais, mas não chegam nessas pessoas por elas não terem CNPJ e outras diversas burocracias”.

As referências para o EP vêm da própria história delas, como o single “Travequeiro“, que segundo Vita, sempre aparece na vida delas: “Às vezes caímos na cilada do travequeiro. A novela é a mesma, só o muda o corpo da travesti e o lugar que ela tá. […] Quando falamos que estamos falando de afeto nessa música algumas pessoas dão risada. São afetos e desafetos porque a gente vem de um lugar muito carente. Precisamos construir nossa própria afetividade. […] Os travequeiros são os famosos curiosos que zoam as travestis com os amigos mas, sozinho, vai no aplicativo procurar a gente. O Brasil é o país que mais mata travestis e também é o país que mais pesquisa pornografia trans no mundo. É um desejo muito forte mas permanece nas esquinas, na noite, no quarto. Não é um desejo que eles têm vontade de tornar público. Quando a gente joga com isso é jogar esse desejo pro público e falar sobre essa construção do desejo no imaginário social de como travestis devem ser amadas e receber migalhas. Eu quero sentar na mesa e comer a entrada, prato principal e a sobremesa. Eu não quero as migalhas”.

Isma continua: “Eu acho que a gente pode transformar isso, pode existir um travequeiro que tenha orgulho de ser travequeiro mesmo. […] Gostaria que eles se orgulhassem e fossem aquele que levam pra um restaurante, pra família e põe uma aliança no dedo. Que enxergue possibilidades além de só uma transa”.

A dupla também enfrentou resistência entre mulheres trans: “A Linn Da Quebrada tem uma música que fala isso e na época ela foi muito atacada por LGBTs no geral, então a gente já sabia que também seria. Algumas pessoas falaram que era nada a ver chamar mulher de pau porque existem pessoas trans com disforia. Nós somos travestis e não temos problemas com a nossa genitália. As pessoas estão acostumadas com uma única representação e esperam que essa pessoa fale por todas. Nossas histórias também precisam ser valorizadas e contadas e vai ser por nós mesmas. Nesse EP falamos sobre a realidade de Vita e Isma. A gente não tá disposta a falar sobre todas porque a gente não vive todas as realidades. […] Tem outras funkeiras travestis que não falam sobre se dar bem com a própria genitália e aí nos enquadraram como falocêntricas. É errado falar isso. A gente está em um processo de auto amor e auto cuidado. As pessoas olham para a gente na rua e vão primeiro na barba e na genitália. Temos marcadores sociais, olhares de auto ódio que fazem com que a gente se sinta mal. Estamos falando sobre aceitar e amar o corpo que a gente tem”, pontua Vita.

Isma se incomoda muito com questionamentos sobre sua genitália e sobre tentativas de tentarem negar sua existência enquanto mulher trans: “Eu acho riquíssimo falar sobre travestis que não tem problema com o pau e que são felizes. As pessoas se perdem muito nessa coisa de representatividade e acreditam que uma pessoa vai representar todas as travestis e isso é um problema enorme. Só mantém estereótipos. A ideia é mostrar que somos plurais”.

Vita traz um outro questionamento para o debate.

“As pessoas têm um vício de dicionário, sabe? Travesti tem que ter um significado e se você não está nesse conceito, você não é travesti Muitas pessoas acham que mulher trans é aquela que quer a redesignação sexual e travesti é aquela que não quer. A quem interessa essas distinções? Quando a gente recebe críticas, principalmente vindo de pessoas trans sobre o nosso trabalho, é para provocar esse debate. Não somos iguais”.

Agora com o fim da divulgação da Vakinha, a dupla se prepara para gravar as músicas que faltam e produzir um novo clipe e Vita espera contruir em coletividade um novo cenário: “O EP ‘Dotadas’ não é no sentido de genitália, mas de grandeza e possibilidades. E impossibilidades também como o pouco dinheiro.” Mesmo com metade do valor arrecadado até o momento (é possível doar até domingo por esse link ou diretamente pelo PIX da Isma: 460.980.358-57), agora elas estão muito ansiosas para a produção do EP e já planejam o possível lançamento de um álbum: “Eu percebo que as pessoas criaram um afeto pela gente e, como diz a Jup, precisamos transformar em uma coisa efetiva. Não basta amar e achar tudo maravilhoso, é ajudar acontecer de forma real”, finaliza isma.

ANTRA divulga cartilha para retificação do registro civil de pessoas não cis gêneras em parceria com a Casa 1

O objetivo do guia, feito em parceria com a Casa 1 e o escritório Baptista Luz Advogados, é auxiliar pessoas que queiram realizar o procedimento de retificação de pronome e marcador de gênero em seus registros civis no Brasil, também trazendo informações claras sobre este tema para aqueles que tenham interesse em compreender melhor o assunto e sua importância. Além do passo a passo e lista de documentos necessários para o processo, o guia também apresenta perguntas e respostas para auxiliar em eventuais desafios práticos.

O procedimento de retificação foi criado há pouco tempo, o que significa que ainda existe muito desconhecimento sobre como ele deve ocorrer. Por essa razão, a pessoa interessada na retificação deve estar especialmente informada de seus direitos, entendendo o que de fato as normas exigem para a sua realização.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), é uma rede nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para a promoção da cidadania da população de travestis e transexuais e foi fundada no ano 2000 em Porto Alegre. A cartilha pode ser acessada através desse link.

O Coletivo PoupaTrans também possui uma cartilha e passo-a-passo para facilitar e auxiliar no processo de retificação de nome e/ou gênero de pessoas trans e não-binárias nos cartórios do Estado de São Paulo através do projeto “Simplifica Trans”.