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Tudo que rolou na mesa de abertura da 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+

Por Brida Pinheiro, assistente social da Casa 1 e representante do projeto na Conferência Nacional

Na noite da mesa de abertura da 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, que aconteceu no dia 21 de outubro de 2025,  com o auditório do Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB) cheio em Brasília, colocou-se sob a mesa o tema “Construindo a Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+”, convocado oficialmente pelo governo federal representado por Symmy Larrat, Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos.

Havia uma grande expectativa na sala: representantes da sociedade civil, ativistas, delegados, delegadas e delegades de todo o país, além de algumas autoridades, ansiosas pelo que se desenharia dali como agenda de direitos para a comunidade LGBTQIAPN+ nos próximos anos.

Entre as  pessoas convidadas, as deputadas federais Erika Hilton e Duda Salabert, a co-deputada estadual Carolina Iara, o deputado estadual Guilherme Cortez, a Ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, a Ministra da Secretaria de Relações Institucionais Gleisi Hoffmann, entre outras.

Chamada para fala,  Jovanna Cardoso, ativista negra, travesti, que atua na linha de frente de movimentos de travestis e transexuais negras e negros, se posicionou com firmeza e sua mensagem foi clara: a conferência só seria legítima se assegurasse protagonismo real a quem está historicamente marginalizado. “Não basta participar, é preciso decidir”, afirmou .

Jovanna lembrou que muitos processos participativos se resumem à consulta, sem que as propostas nascidas nos movimentos encontrasse caminho para virar políticas concretas e argumentou que a mesa de abertura precisava ser simbólica e prática: “Hoje estamos aqui para dar partida a um processo que não apenas ouça, mas que transforme”, além de chamar atenção à interseccionalidade: “Quando falamos de travestis e transexuais negras, estamos falando de raça, de classe, de gênero, de renda, de violências múltiplas. Se a política nacional não traduz isso, estamos fadados a repetir o invisível”.

Por fim, pediu que o documento orientador da conferência já divulgado para consulta fosse mais do que papel: “Queremos que cada palavra seja rastreável em orçamento, em monitoramento, em responsabilização. Queremos que seja um
compromisso visível”, e terminou levantando um tema muito presente na atual conferência: união, e reforçou que a exclusão de identidades trans da comunidade LGBTQIAPN+  é um projeto político que tenta exterminar a população trans há anos e que já sabemos que a luta se faz de forma coletiva e unida.

Outra fala potente foi de Érika Hilton que já estava no palco junto às demais convidadas. Como parlamentar e mulher trans, negra, ela trouxe a voz do legislativo e da representatividade institucional. Abriu sua fala lembrando que “estar aqui” no
centro de poder já é revolução: “Nós ocupamos o lugar que nos foi negado”, apontou.

A deputada  reforçou que as pessoas LGBTQIA+ não precisam de “caridade”; e sim reivindicam cidadania: “Nós somos cidadãos e cidadãs, temos direitos garantidos e vamos exigi-los”. Nesse sentido, enfatizou que a conferência não pode ser um gesto simbólico ou ritual: “Não queremos mais sair daqui só com discursos bonitos, queremos políticas que nos digam respeito, que atuem em nossas vidas” e também fez menção direta ao recuo ou à resistência política que a comunidade enfrenta no parlamento brasileiro: “O cenário aqui é duro, difícil e de extrema resistência à agenda LGBTQIA+. Mas foi essa resistência que nos colocou aqui: agora é seguir no contra-ataque.”

Erika ainda convocou as pessoas participantes a transformarem este encontro em mobilização: “Vai da gente, vai da nossa articulação, vai da nossa união transformá-lo em fiscalizador, em puxador de tração para que as propostas saiam do papel e entrem no orçamento, na implementação, na fiscalização” e finalizou seu discurso em um tom de esperança combativa: “Convidem seus representantes, façam valer seu voto porque as ruas, as assembleias, o parlamento e as conferências são todos um mesmo palco: o palco da nossa cidadania”.

A mesa de abertura, assim, funcionou como ato fundacional: não apenas de estabelecer diretrizes, mas de afirmar que a conferência será feita com e por a comunidade, não apenas sobre ela e há três sentidos que emergem desse momento:

● Protagonismo e interseccionalidade: Jovanna insistiu que a política nacional não poderá tratar a comunidade LGBTQIA+ como homogênea, tampouco invisibilizar raça, classe, gênero e território.

● Representatividade institucional e transnacional da demanda: Érika mostrou que ocupar o lugar de decisão é tão simbólico quanto prático —mas que não basta ocupar, é preciso decidir e transformar.

● Transição da fala à ação: Ambas sinalizaram que o fim da conferência — ou melhor, o pós conferência — será tão importante quanto o evento em si. O desafio será garantir que essa construção coletiva resulte em implementação, orçamento, execução e monitoramento.

Desafios que se colocam alguns dos obstáculos que ficaram evidentes na fala das duas líderes:

● A escassez de dados confiáveis sobre violência, discriminação, emprego e renda para pessoas trans, travestis, intersexuais e outras identidades.

● O risco de as deliberações se tornarem “gavetas de boas intenções” se não forem acompanhadas por mecanismos claros de acompanhamento.

● A necessidade de articulação (sociedade civil + poder público + parlamento) para que as diretrizes saiam do papel.

● A urgência de orçamento e não apenas de declaração política.

Conclusão
A mesa de abertura da 4a Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ em Brasília no dia 21 de outubro de 2025 após um hiato de nove anos, com Jovanna Cardoso e Érika Hilton e demais convidados, constituiu mais do que
o protocolo de início: tornou-se um rito de passagem para uma nova etapa da luta pelo reconhecimento e pela efetivação dos direitos LGBTQIA+ no Brasil. A conferência caminha para ser um ponto de inflexão, um momento de construção coletiva em que a voz e a presença de pessoas historicamente silenciadas não apenas participem mas decidem, Que este evento seja não fim, mas estímulo para uma trajetória longa de conquista.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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