Por Cleiton Zóia Münchow, voluntário da Biblioteca Comunitária Caio F Abreu
Categoria: Literatura
Confinada — e o sequestro da população preta, pobre e periférica durante a pandemia
Por Daniele Gross, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
3 livros para conhecer a autora Sabina Anzuategui
Por Amanda Pickler, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
TORNA-TE O QUE TU ÉS: convite à leitura de Leticia Lanz
Por Cleiton Zóia Münchow, voluntário da Biblioteca Caio Fernando Abreu
Natalia Borges Polesso: uma conversa fluida sobre sexualidade, família, acolhimento, representatividade e políticas públicas
Por Daniele Gross, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
“Mas e aí, vamos falar de você como escritora?”. Foi assim que começamos um bate-papo incrível — pouco depois daquele reconhecimento básico que fazemos, quando encontramos alguém pela primeira vez, ainda que virtualmente, em uma videochamada —, com Natalia Borges Polesso, escritora gaúcha, natural de Bento Gonçalves e que, aos 41 anos, é detentora de três prêmios Jabuti.
E como a gente, no geral o humano né?, adora saber a jornada das pessoas, como chegou até ali, já fui de cara perguntando como e/ou quando se descobriu escritora. Algo que ela lembra que sempre teve muita curiosidade no ato da escrita e que às vezes tinha mais curiosidade em escrever do que de ler. “Não que eu não gostasse de ler, mas eu gostava de brincar assim com as palavras. Então, sempre tinha alguma história escrita na parte de trás dos cadernos, ou uns poeminhas em suas margens”.
Mas, se o domínio da escrita desde a infância não é surpresa alguma — afinal, a ideia de que escritores são mágicos das palavras povoa o imaginário de todos nós —, para Natalia a possibilidade de exercer a escrita como profissão não era algo possível: “Porque escrever é uma coisa, se considerar uma escritora é outra. Então o pensamento ‘Ah! Agora eu sou uma escritora’, sempre vinha acompanhado da dúvida: ‘Será?’”.
Doutora em Teoria Literária e com apenas uma década de atuação no mercado literário, a escritora gaúcha já mostrou sua potência literária logo em sua estreia: seu primeiro livro, Recortes para álbum de fotografia sem gente, lançado em 2013, angariou um Açoriano na categoria contos — prêmio instituído em 1994 pela prefeitura de Porto Alegre/RS, com grande reconhecimento local.
Mas Natalia alçou vôos maiores, bem maiores. Em 2016, Amora recebeu dois Jabuti, ocupando o primeiro lugar, na categoria contos e crônicas, e também na categoria Escolha do Leitor. Além do grande reconhecimento que é receber um prêmio desse porte, Amora também foi eleito o livro do ano, pela Associação Gaúcha de Escritores — Prêmio AGES; e também contemplou a autora com novo Açorianos.
As premiações não param por aí. Em 2017, foi selecionada para figurar na lista Bogotá39, que reúne 39 autores, com menos de 40 anos (ou até 39!). Algo que ela considerou muito surpreendente: “Porque eu nem sabia muito bem o que que era o Bogotá39! E aí, de repente, veio esse e-mail, e só aí eu fui pesquisar o que que é, e vi os autores, né? Aí eu pensei: ‘Bah! Que legal isso!’. Eu não tinha entendido a dimensão do Bogotá39, até ir para o evento, no Hay Festival, e conhecer os escritores e escritoras ali, conhecer e participar um pouco desse ciclo da América Latina, de escritores e publicações”.
Estar na lista, permitiu que Natalia tivesse um maior conhecimento desse público consumidor de literatura da América Latina: “Em 2018, 2019, foram anos que eu fui para muitas feiras, e visitei muitos países da América Latina. Então foi muito massa, por vários motivos. De um lado, por ter um pouco mais de acesso à literatura contemporânea publicada na América Latina, hoje; mas, de outro, um pouco frustrante, por saber que a gente é muito pouco lido na América Latina. Proporcionalmente, a gente lê muito mais essas pessoas. Então, parece que o mercado brasileiro talvez tenha muito mais interesse nesses contemporâneos, do que o oposto, sabe? O brasileiro é pouco lido na América Latina”.
Em 2021, novo Jabuti, na categoria Romances de Entretenimento, com Corpos Secos, escrito a oito mãos — parceria com Luisa Geisler, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Uma experiência gratificante, não apenas pelo Jabuti: “Foi muito melhor do que eu esperava, porque eu já trabalhei em sala de roteiro, por exemplo, que eu não tive uma experiência tão legal quanto do Corpos Secos — tão boa, que agora a gente está até escrevendo o segundo!”
Natália destaca, entretanto, que a atividade da escrita não é uma atividade tão solitária,que o escritor não se isola e mergulha em um mundo isolado, como se imagina. Ao contrário: tal como em uma tese ou em um artigo, existem outras pessoas que interferem diretamente no processo, como o orientador e o editor.
E é diante dessa observação, que a gaúcha faz uma ressalva: “Eu acho que o grande trabalho do Corpos Secos foi da editora, da Luara. E no Corpos Secos, como eram quatro autores escrevendo — claro que a gente se encontrou virtualmente, para criar as diretrizes e depois escrever —, quem deu a forma final, o corpo, quem conseguiu aparar as arestas, foi a nossa editora, a Luara”.
Escritora que aborda o tema do lesbianismo abertamente e trabalhando com histórias amorosas entre mulheres, Natalia também trata da sua orientação sexual, identificando-se com o tema de forma espontânea, se assumindo no final da adolescência, entre os 17-18 anos, quando, aproveitando o fato de estar passando por decepções amorosas, conversou com ambos pais, que foram receptivos e tranquilos.
“Então, acho que, a partir disso eu consegui… sabendo que eu teria esse acolhimento, para mim ficou muito mais fácil. E como essa palavra — acolhimento — é complexa para pessoas LGBTQIA+, né? O que significa uma casa, um lar… Então a minha vida de sair do armário ficou muito mais fácil, porque eu não tinha nada a perder, sabe? Meus pais sabem, minha irmã sabe, meu irmão sabe, as pessoas próximas de mim sabem”.
Uma facilidade destacada também pela sua condição social: “Claro, eu sei que eu sou uma mulher branca, uma mulher que… eu acho que eu transito entre… às vezes eu tô mais boot, mais sapatão, às vezes menos, né? Transito queermente bem, talvez nesses âmbitos. Mas eu acho que também ser uma mulher branca, ser uma mulher que fez letras, que está mais no meio da arte, da literatura, talvez tenha facilitado esse trânsito pra mim, sabe? É um pouco mais assim, eu acho”.
Entretanto, sabemos que nem tudo são flores. Aqueles que já passaram pela angústia da descoberta da sexualidade divergente da padrão, sabem bem a que Natalia se refere, quando diz que quem atravessa momentos como esse, é como “aquela coisa da vida dupla, né?, que a gente tem que ter, coisa quase esquizofrênica que jovens, que pessoas jovens, adolescentes — lésbicas, gays, enfim — precisam organizar na cabeça”.
Além de todas essas dificuldades, há também a ausência de ouvidos para compartilhar as angústias que todo adolescente passa, mas que nem todo adolescente com questões envolvendo a sexualidade tem disponível.
“Eu quando adolescente, já sabia da minha atração por meninas, mas eu nunca conversei com ninguém sobre isso. E então, assim: dos meus oito aos meus 16, tudo aconteceu na minha cabeça, assim, de me descobrir e tal. Eu sabia disso, mas eu não tinha com quem falar. Não tinha nada que eu pudesse identificar na literatura, né? Não tinham essas personagens, não tinha série, filme era muito difícil…”.
Sobre a questão da representatividade midiática, Natália afirma a importância da existência desses assuntos em canais de fácil acesso. “E eu, assim, minha família, a gente não tinha a TV a cabo, por exemplo, então era televisão, né, TV aberta. E aí ficava difícil mesmo. Eu nasci em Bento Gonçalves, mas passei alguns anos da minha adolescência em Campo Bom, uma cidade com algo em torno de 40 mil habitantes, e depois fui para Caxias do Sul, com uma população dez vezes maior, 400 mil habitantes — e só aqui eu achei que seria possível conversar com alguém. E foi bem na época da novela Torre de Babel [Rede Globo, 1998] — que foi super traumatizante”.
Torre de Babel, entre outras narrativas, trazia a história do casal de lésbicas formado pelas atrizes Christiane Torloni e Sílvia Pfeifer. Opostas ao estereótipo da mulher lésbica, que é masculinizada — a sapatão —, elas eram a típica mulher da sociedade, da alta sociedade, mega femininas, mega dondocas. E, talvez — não há nenhuma pesquisa que tenhamos conhecimento — a sociedade se olhar, se ver no espelho, e também enxergar uma mulher lésbica, dentro dos seus próprios padrões, fosse muito difícil, para além do já tradicional preconceito aplicado na lésbica-sapatão.
“E elas não só foram assassinadas, elas foram explodidas, né? Isso foi muito marcante. E eu sempre pensava, retroativamente, eu pensava: ‘Meu Deus, mas elas eram assim, quase que lésbicas higienizadas, que poderiam ser super aceitas em qualquer lugar — e mesmo assim foram pulverizadas’. E eu ficava usando a novela de mote, pra conversar: ‘Você viu a novela? Não sei o quê…’ Daí de repente as lésbicas foram explodidas, e eu meio que um pouco me calei. Porém, eu… eu tava um pouco cansada… Assim eu lembro que foi aquelas coisas: ‘Eu preciso conhecer uma pessoa que seja que nem eu”.
E como conhecer pessoas “que nem ela”? Se o assunto da sexualidade divergente da padrão não está nas pautas da sociedade, não é debatido em nenhum lugar, não está nas novelas e, tampouco nas redes sociais que, há exatos 25 anos, mal existia, como tratar desse tema?
“Porque a gente… eu não conversava e tal. Aí eu lembro que falei pra uma amiga minha: ‘Eu acho que eu sou lésbica’. Aí ela falou: ‘Fulana também é. Quer conversar com ela?’ Eu falei: ‘Quero.’ Aí eu fui pra cidade, que era Sapiranga, e aí conheci a Fulana, e obviamente que a Fulana tinha uma turma de amigas… Então foi assim, já fui acolhida, digamos, por uma turma de amigas”.
Uma história que, certamente, se reproduz em muitas das mais de cinco mil cidades brasileiras e, do quanto, jovens — ao assistirem programas de TV, canais de streaming, as milhares de séries e seriados que são transmitidos nos mais diversos meios — podem, a partir de suas cenas, debater suas angústias e anseios com outras pessoas, direta ou indiretamente.
E nesse contexto, de acolhimento e integração, encontram-se também os movimentos sociais, como o feminista e o lésbico, que ainda que não tenham tanto espaço nas grandes mídias, meios de menor alcance, mas não por isso menos importantes, como a literatura ficcional ou teórica, são lugares de grande influência.
“Os movimentos são essenciais na minha formação, tanto como escritora, quanto como pesquisadora. Porque apesar de eu ter trabalhado no mestrado com questões de gênero e cidade; (e no doutorado eu trabalhei apenas em questões de cidade, ficando a questão de gênero um pouco de lado), no pós-doc eu voltei muito ao tema, intitulado Geografias Lésbicas, em que eu fico tentando mapear as escritoras lésbicas — ou pessoas não-binárias, que se sentiram como lésbicas, ou que em algum momento dessa escrita se identificaram como mulheres lésbicas — e suas produções ao longo do tempo e do mundo, bem como o espaço que essas obras trazem também”.
Natalia ressalta a influência que tanto os movimentos, quanto as produções intelectuais têm: “Eu procuro citar sempre de modo interseccional: produções decoloniais, produções do feminismo decolonial, do feminismo indígena, do feminismo LGBTQueiro, transfeminismo… todas essas vertentes — pois eu acho que elas nos ajudam a construir uma ideia mais plural: do que que é ser uma mulher, do que que é ser uma pessoa lésbica, do que é estar no mundo de hoje. E, pra mim isso é essencial, tanto na minha construção de pesquisadora, quanto no meu crescimento como escritora, e na minha vida pessoal, obviamente, né?”
Inspirações que contam tanto com escritores clássicos, como Caio Fernando de Abreu, Lygia Fagundes Telles e Virgínia Woolf, como também autoras contemporâneas: Verônica Stigger, Cidinha da Silva, a Luciane Aparecida, Leo Tavares.
“São autoras que eu acompanho com muito interesse, porque tem algo ali de conceitual talvez, no trabalho delas, que me faça explorar, que me coloque um pouco a pensar, sabe? Ali eu aprendo a escrever. Acho que tem isso, sabe? Eu leio essas pessoas com esse olhar. Mas, claro, tem esses encontros literários. E aí tu vai ler uma coisa e fica assombrada. Por exemplo, o livro novo da Jarid Arrais, O Corpo Desfeito — eu li e achei muito maravilhoso: ‘Putz! Olha: queria ter tido uma ideia assim para escrever!’. O Escute as Feras, da Nastassja Martin, que eu li ano passado (ou foi esse ano?), e que foi superbom.”
Além disso, Natalia observa que é muito mais fácil ser um escritor do que ser uma escritora, principalmente um escritor branco. “Se for uma escritora, uma mulher negra ainda, é mais difícil”.
A autora exemplifica com um levantamento de uma professora e pesquisadora de literatura da Universidade de Brasília (UnB), Regina Dalcastagné, em que ela fazia um mapeamento de quem era o autor brasileiro. “Ela mapeou quatro editoras grandes e pesquisou, durante dez anos, os autores que saíam por essas editoras grandes. E, não surpreendentemente, mais de 70% dos autores — em um país como o Brasil, que é super diverso — eram homens brancos heteros, cis, e do eixo Rio-São Paulo, mais de 70%. E as personagens também meio que refletiam essa identidade, né? — porque a gente acha que o homem-branco-hetero-cis não é uma identidade, mas é. E é louco isso, né? Então com certeza, ser uma escritora é mais difícil”.
E, ainda que se perceba como uma escritora com textos de qualidade quando em uma prosa poética, na poesia em si, não considera sua produção como algo de destaque: “Eu costumo dizer que eu cometo poemas”. E, na esteira de suas produções literárias, lançou recentemente (2022), seu primeiro livro infantil Formiguinhas, categorizado pela autora como tendo uma pegada clariceana. Um ano que também a consagrou mais uma vez como finalista do Jabuti, com A Extinção das Abelhas, na categoria romance — publicação premiada com o Minuano de Literatura, pelo Instituto Estadual do Livro (IEL), do Rio Grande do Sul, além de também constar como finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, no ano anterior. Além desses, já está para ser enviado para a editora, seu novo livro de contos, gênero que desejava retomar, e que fala sobre navegar a vida nesses tempos difíceis: Condições Ideais de Navegação para Iniciantes.
Natalia também aborda a importância de políticas públicas voltadas à produção cultural, e o quanto sem a existência de concursos literários, muito provavelmente não teria conseguido publicar um título individual — já que sua produção literária começou a alçar voos a partir de sua participação nesses concursos, quando conseguiu inserções em coletâneas. Sua primeira premiação deu-se em 2008, quando teve seu conto premiado na categoria estreante, pelo 42º Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, realizado pela prefeitura.
“Eu publiquei meu primeiro livro em 2013. Então, este ano, estou completando dez anos de carreira, digamos assim, de escritora. Mas eu já tinha publicado em algumas coletâneas antes. E eu acho que essa coisa das coletâneas é o que possibilitou eu ter um livro publicado. E isso vem de uma espécie de saúde cultural da cidade onde eu morava, porque tinha políticas públicas de livro, de leitura. E essas primeiras coletâneas que eu publiquei, foram de um concurso literário que a cidade tem desde 1965. E junto disso, na cidade, tinha também um edital chamado Financiarte, que foi um edital pelo qual eu publiquei tanto Recortes, que é o meu primeiro livro, quanto o Amora. E eu acho que se não fossem esses editais, eu jamais teria um livro só meu, pra chegar a conseguir um prêmio, por exemplo.”
E destaca o quanto a existência de mais editoras, bem como a facilidade em se publicar atualmente, em função da expansão e do maior acesso às tecnologias, ajuda. Mas a distribuição ainda é muito difícil. “Por exemplo, o Recortes que eu publiquei nessa primeira editora, que foi viabilizado por esse fundo de cultura, a distribuição era regional. Então, eu só fui distribuída nas livrarias de Porto Alegre porque eu ganhei o Açorianos e porque o meu editor era amigo de alguns livreiros”.
Natália se Natalia reconhece que escrever bem também é fator para estar na posição em que hoje se encontra, também afirma o quanto tudo está muito amarrado e, muitas vezes, preso a uma certa sorte.
“Mas não importa. Tem um monte de gente que escreve bem e que não consegue publicar, que não consegue ter o seu golpe de sorte, sabe? E eu acho que eu tive num momento legal, assim, e que se não fossem essas políticas, talvez eu não tivesse conseguido ter um livro para publicar ou ter um material meu na mão. Então, eu reconheço muito isso, eu sou muito grata por essa saúde cultural.”
Mas, se Natalia teve sorte por estar em uma cidade com um programa de incentivo à cultura, ao mesmo tempo ela lamenta o fato desses programas também estarem cada vez piores. Pensamento que, para a autora, se complementa com o fato de “nos últimos anos, enfim, depois do golpe, depois que a Dilma saiu e, enfim, tudo o que aconteceu com o Ministério da Cultura, com o Ministério da Educação, todas essas políticas foram meio que destruídas. E, antes disso, ainda, nas prefeituras, ali na Serra, ganhou um pessoal, assim, que também cortou todos os projetos, que acha que não precisa disso e tal”.
E, para aqueles que desejam se arriscar na escrita, a recomendação da premiada autora é ir atrás de editais, de concursos, pesquisar sobre as políticas públicas locais, buscar inicialmente publicações coletivas. Porque ainda que no mundo de hoje seja tecnicamente mais fácil publicar — bastando subir o livro em uma plataforma como a Amazon, por exemplo — isso, por si só, na maioria das vezes, não basta para tornar-se conhecido, para receber premiações, ou ainda tornar-se uma referência literária, a ponto de ser tema central de uma tese de doutorado, como aconteceu com Natalia, a partir de sua premiada obra, Amora — e ainda assim, não conseguir viver apenas de sua arte.
“E também mostrar o texto para as outras pessoas, sabe? Eu sempre digo: mostra pro amigo. Pede para ler, já vai com os teus problemas. ‘O que que tem de problema nesse texto? O que tu acha?’ Sempre aconselho. Eu sempre tento dizer que escrever não é uma coisa que se faz sozinho. A gente escreve com muitas coisas que acontecem com a gente durante o dia, durante o momento que a gente tá escrevendo, durante a nossa vida. E isso vai afetar outras pessoas, e isso vai afetar nós mesmos. E essa escrita, esse livro, seja lá o que for, ele vai acontecer pela mão de diversas pessoas. Então não dá para ignorar isso. Eu sempre falo que a gente precisa compartilhar e, às vezes, se colocar numa situação, num lugar de vulnerabilidade também.”Além do quê, complementa, “prêmio é uma ótima vitrine. Não dá para dizer que não. Aí a gente sabe que listas, prêmios, eles são também um pouco arbitrários, né? Porque sei lá, pode ter lá alguém de um lugar remoto, com um livro brilhante que a gente nunca vai saber. Então, tem isso, tem o zeitgeist [espírito da época, espírito do tempo, sinal dos tempos], tem que estar no tempo certo, publicando a coisa certa, né? o que os jurados gostarem — tem uma série de fatores. Mas, com certeza, ganhar um prêmio, ou ser finalista de um prêmio, já é algo muito, muito, muito importante, porque te dá uma visibilidade imensa, imensa”.
‘Controle’: uma reflexão sobre o medo de se encontrar e o amor entre duas mulheres
Por Amanda Pickler, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
Nanda perdeu o controle da bice, perdeu o controle da vida. Esta é a palavra-chave do
romance de estreia de Natalia Borges Polesso: controle. E não é à toa que seja também
seu título. Em “Controle” (2019), Polesso narra a história de Maria Fernanda, uma jovem
que tenta entender seu lugar no mundo, impedida por suas inseguranças de fugir de sua
solidão.
Antes, Nanda tocava violão mesmo não tendo o menor talento, brincava de lutinha com
a melhor amiga, fazia estripulias na rua com aquela coragem desenfreada de criança que
ainda não conhece os baques da vida. E é nesse destemor que sua vida muda. Após um
acidente de bicicleta, sofre uma contusão e desenvolve epilepsia. Torna-se então a “mina
do tremelico”, a menina medrosa, que vive a pedir desculpas quando sua língua pesa e
perde o controle dos membros, que prefere se esconder dentro de si mesma, dentro da
solidão de seu rancor, que se isola porque não suporta ser estorvo. Há um trecho do livro
que traduz com precisão o sentimento de Nanda: “Fiquei de fora olhando os eventos pela
janela, num aquário impossível ao lado do mar. Marcando presença e não aparecendo.
Marcando presença e desaparecendo.”
Incapaz de se encontrar na imprevisibilidade do mundo ao seu redor, Nanda refugia-se na
música de seus fones de ouvido, em especial da banda inglesa New Order. Aliás, as letras
musicais são presença constante na construção da narrativa. Polesso faz uso desse recurso
para descrever o que Maria Fernanda não coloca em palavras, é para isto que a música
serve na vida da personagem, exprimir tudo o que é reprimido por seu medo. Natalia
também não escolheu esta banda em específico ao acaso. Existe um paralelo sagazmente
aproveitado pela autora.
Como dito pela personagem, “New Order é uma banda que conseguiu se desenterrar do
peso de uma morte”. Foi formada pelos três integrantes restantes da banda Joy Division
depois da morte de seu vocalista, Ian Curtis. Joy Division acabou com uma morte, New
Order nasceu a partir da perda. O grupo de amigos de Nanda também era formado por
quatro: Nanda, Joana, Davi e Alexandre. Com a nova condição de Nanda e a forma em
que passa a encarar a vida, Alexandre pula fora. Não consegue lidar bem com a morte da
amiga que conhecia; Nanda agora é outra pessoa, alguém regida por suas inseguranças,
sem traquejo social.
Outra similaridade está no fato de que Ian Curtis também sofria de epilepsia, Maria
Fernanda nasceu no dia seguinte à sua morte. Aquele morre enforcado por uma corda,
esta nasce sufocada por um cordão umbilical. Curtis suicidou-se, não suportou viver com
a espera constante de seu próximo ataque epiléptico. Já Nanda quer, sim, viver. Quer, mas
não consegue. “Quem quer morrer não se apaixona, Maria Fernanda, são vontades
opostas.”
Este é outro ponto importante do romance de Polesso: a sexualidade de Nanda. A
personagem é apaixonada por Joana, sua melhor amiga de infância. A relação entre as
duas não monopoliza a história, contudo é intrínseca na construção da persona da
protagonista e a evolução de sua trajetória, é a linha condutora por trás de tudo o que a
autora tem a dizer. As duas amigas pendulam em aproximação e afastamento, afastamento
e aproximação, ao longo dos anos. O amor é recíproco, ele nunca deixa de existir, porém,
o problema nessa narrativa sempre foi a coragem. A falta de. O excesso de. Nanda chega
ao ponto de entrar em um relacionamento de quase dois anos com um homem que nunca
chegou a ver fora da tela de um computador. Faz de tudo para se esconder das exigências
dos outros e de si própria.
Ao ler “Controle”, o leitor precisa saber que se sentirá frustrado. Frustrado não pela falta
de talento de Polesso, isso ela tem de sobra, essa é a questão. A descrição da estagnação
de Maria Fernanda, escrita em primeira pessoa, é feita de forma tão imersiva que a
vontade que se cria é de dar um chacoalhão na personagem para ver se ela acorda e se
livra de seus temores, para que vomite suas palavras há anos entaladas e saia do casulo
construído por seus pais superprotetores. A autora tampouco poupa esforços para brincar
com os sentimentos de seus leitores. São muitos os momentos nos quais parece que Maria
Fernanda irá enfim sair do lugar, lutar contra seus demônios, e então volta à estaca zero.
E é nessa inércia eterna que Nanda chega aos 34 anos sem se sentir adulta, sem nunca
sequer ter dado um beijo de língua. Decide que não aguenta mais, e nós leitores finalmente
soltamos junto a ela o ar preso decorrente de uma vida inteira de resignação. É hora da
tão esperada libertação. É no descontrole que ganha o controle de sua vida. Precisa viver
a inconsequência juvenil para aprender a ser adulta. Mente para seus pais e foge para São
Paulo. Foge em direção à Joana, ao Davi, à sua banda favorita. Usa drogas, bebe cerveja,
fuma cigarros, beija mulheres que mal conhece e volta a subir em uma bicicleta. O medo
ainda existe, mas o que Polesso nos mostra é que a coragem não é a ausência do medo.
Coragem é o embate ao medo. O romance termina com um novo acidente, porém,
diferente do primeiro, este serve para recuperar aquilo que foi perdido. “Eu quero viver”,
Nanda chega à conclusão. É no medo da morte, no descontrole, que sua vontade de viver
— de amar, de voar — torna-se clara.
A escrita de Natalia é direta, não faz pompa, não tem medo de trabalhar com a
informalidade. Faz poesia, mas não de modo pretensioso; às vezes é preciso brincar com
as palavras, com o abstrato, para exprimir a complexidade do sentimento humano, a
autora deixa isso claro. E a música, é preciso se jogar na música também. “And life has a
funny way of helping you out when you think everything’s gone wrong and everything
blows up in your face.”
Natalia Borges Polesso, conhecida por retratar em suas obras relações homoafetivas entre
mulheres, é respiro em um contexto no qual ainda se clama por maior representatividade
LGBTQIAPN+ na literatura brasileira. É doutora em teoria da literatura e vencedora do
prêmio Jabuti pelo livro de contos Amora (2016) e o romance Corpos Secos (2021), este
escrito em parceria com Luisa Geisler, Marcelo Rocha Ferroni e Samir Machado de
Machado.
Esse e muitos outros títulos fazem parte do acervo da Biblioteca da Casa 1. Venha
conhecer nosso espaço, localizado na Rua Condessa de São Joaquim, 277, Bela Vista –
SP. Nosso horário de funcionamento é de segunda a sábado, das 10h às 19h.
“Cantigas para Ninar Insones” leva poesias de Caio Fernando Abreu para o teatro
Cantigas para Ninar Insones é um recital de poesia, a partir dos poemas de Caio Fernando Abreu (1948-1996), publicadas no livro lançado em 2012, pela Editora Record que entra em cartaz dia 04/03 às 19h. Lima, trabalha com os textos do autor há 20 anos e esse trabalho é uma versão apresentada dentro de outro trabalho com textos do Caio, encabeçado pelo ator, e que foi apresentado em 2019, com o nome de “caio em três atos”. A temporada seguirá até 02/04. Em sua escrita, Caio, aborda temas contundentes ao homem contemporâneo e embora os textos tenham sido escrito no século passado, sua atualidade permanece intacta. Solidão, busca de afeto, vazio e a rotatividade das relações, além da morte, saudade e o sexo, fazem parte do universo do autor e consequentemente do ator.
Serviço
Cantigas para Ninar Insones
Quando: 04/03 a 02/04- Sábados e Domingos, 19h
Quanto: Contribuição Voluntária (Formas de pagamento: dinheiro ou PIX 11974974207)
Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet
Rua Teodoro Baima, 94 – Vila Buarque/Centro – (11) 3256-9463
99 lugares – 60 minutos – Livre
Sobre Rodolfo Lima
Ator, Diretor, Produtor Cultural, graduado em Jornalismo, Mestrado no LABJOR/UNICAMP, Pós Graduação CELACC/USP e Doutorando da ECA/USP, tem
20 anos de carreira e com seu Núcleo Teatro do Indivíduo, desenvolveu diversos trabalhos e atividades que se debruçaram sobre as questões de gênero, identidade e sexualidade. Entre eles: “Réquiem para um Rapaz Triste”, “Bicha Oca” e “Em busca de um teatro gay”. “Bendita Sois…” é o terceiro trabalho em que dirige mulheres transexuais/travestis. O primeiro foi “Entrega para Jezebel” (2019) e “Les Girls – uma diva perto de você” (2022), ambos contemplado pelo PROAC Cidadania/Cultura LGBTQIA+
Foto de capa: Divulgação/Ciro Cavalcante
Alok Vaid-Menon: Lições de Gramática
Por Valentina Salvestrini, voluntária de Comunicação da Casa 1
A Existência Trans, a Produção Literária e Audiovisual e sua Excelência Cultural
Por Daniele Gross, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
13 livros brasileiros LGBTQIAP+ de 2022 para ler em 2023
Se você faz parte do grupo de pessoas que coloca como resolução de Ano Novo “ler mais livros” e fica perdido com o grande volume de exemplares nas prateleiras, vai adorar essa lista que fizemos para pessoas que querem ler mais, mas não sabem por onde começar.
Este conteúdo não tem intenção de rankear os livros, é apenas uma lista em ordem aleatória de livros com temáticas ou com autores LGBTQIAP+.
Corpo Desfeito – Jarid Arraes
Em uma cidade do interior do Ceará, uma família vive uma sequência de abusos: avó, mãe e neta estão presas em uma teia complexa e violenta de abuso e negligência. A dureza das expectativas criadas e não cumpridas, do ciúme doentio e do desejo de absoluto controle estão presentes neste primeiro romance de Jarid Arraes. Ao retratar o cotidiano de Amanda, jovem de doze anos que mora sozinha com a avó desde a morte da mãe e do avô, Arraes cria uma narrativa envolvente e brutal sobre os traumas vivenciados e passados adiante. Amanda vai enfrentar desafios cruéis e dolorosos pelas mãos daquela que devia ser seu porto seguro, mas é também lá que a menina descobrirá o poder do primeiro amor e a força necessária para superar qualquer obstáculo.
Nos Olhos de Quem Vê – Helô D’ Angelo
Quem nunca teve problemas com autoimagem, ou com autoaceitação, ou com autoestima? Quem nunca se comparou a padrões irreais (para não dizer malucos) de beleza e de comportamento e sofreu tentando se adequar a eles, apelando para métodos no mínimo duvidosos? E a troco de quê?
Foi com isso em mente que a quadrinista e finalista do CCXP Awards Helô D’Angelo escreveu este livro, compartilhando experiências pessoais com as quais é impossível não se identificar.
Com um sagaz toque de humor, muita ironia e ilustrações que são um espetáculo à parte, Helô nos leva do riso às lágrimas, convidando-nos a enfim olharmos para dentro e nos amarmos sem o peso do olhar do outro.
Viralizou – Juan Juliann e Igor Verde
O apocalipse chegou! O bondinho caiu, o Pão de Açúcar está em chamas e o Rio de Janeiro está vindo abaixo. Cabe a uma funkeira e a um jornalista de fofocas juntarem forças para conseguir salvar a humanidade. Viralizou é o divertidíssimo e imperdível épico de zumbis de Juan Jullian e Igor Verde.
Péu Madruga, conhecido jornalista de fofocas, acabou de conseguir o furo que pode salvar sua carreira. Só que a notícia é justamente sobre Talitta Bumbum, a funkeira do momento e ex-amiga de infância de Péu. Mas… amigos, amigos, negócios a parte, né? Revoltada com a traição, Talitta resolve confrontar Péu e tirar as muito devidas satisfações.
No meio da briga chega a notícia bombástica: aquele estouro lá fora não era bala perdida. Eram ZUMBIS. É isso mesmo! O apocalipse zumbi chegou com tudo na cidade do Rio de Janeiro — segurem os seus biscoitos Globo. Sem mais alternativas, Péu e Talitta vão precisar se unir se quiserem ter qualquer chance de se manter vivos.
Em meio a uma cidade tomada (ainda mais do que o normal) pelo caos, com um presidente que jura que a situação não passa de um viruzinho, e com seus corpos a um triz de virarem fast-food de zumbi, será que os ex-amigos irão provar que o brasileiro consegue, sim, sobreviver a tudo?
Viralizou, de Juan Jullian e Igor Verde, é uma genial aventura de terror cômico em que antigas amizades precisarão se provar mais fortes do que tudo para salvar o mundo. E, claro, com uma boa dose de funk.
Transresistência: Pessoas trans no mercado de trabalho – Caê Vasconcelos
Quantas pessoas trans fazem parte da sua vida? Quantas trabalham ao seu lado? Se você, assim como a maioria, respondeu “nenhuma”, talvez não saiba que o Brasil é o país que mais mata essa população no mundo. Um extermínio que, como sociedade, não podemos continuar a ignorar. Pessoas trans e travestis muitas vezes enfrentam dificuldades dentro do espaço familiar. Do lado de fora, sua exclusão persiste na ausência de direitos básicos como saúde, educação, moradia e trabalho. Este último, claro sintoma de nossa transfobia estrutural, é o tema que costura os perfis aqui reunidos. Não há dúvidas que ser uma pessoa trans no Brasil é resistir. Daí o título Transresistência. Escrito pelo jornalista Caê Vasconcelos, este livro pretende contribuir para a visibilidade de pessoas trans e travestis, indo contra a corrente conservadora – incluindo uma vertente do feminismo – que insiste em invalidar sua existência e humanidade.
O Beijo do Rio – Stefano Volp
Mergulhar nos pecados do passado pode ser uma viagem só de ida.
O solitário Daniel é um jornalista negro que escreve para a seção investigativa de uma revista independente. Ao saber da trágica morte de Romeu, seu melhor amigo de infância, ele decide voltar à sua cidade natal, Ubiratã, para investigar o caso, o qual a polícia prontamente concluiu ter sido suicídio.
Após dez anos longe, Daniel se vê de volta à pequena cidade onde cresceu. Seu regresso à casa é problemático. Bissexual, ele sempre se sentiu deslocado naquele bairro separado do resto da cidade por um rio. A nova companhia de teatro, figuras políticas da cidade, os membros de uma seita religiosa e famílias que não querem ser incomodadas são viradas de cabeça para baixo com a presença do jornalista e sua investigação criminal.
Há, também, algo do passado de Daniel de que ele não consegue – ou não quer – lembrar. Em vez de memórias, tem visões de um menino, que aparece para ele com mensagens indecifráveis. Agora, quanto mais se aproxima da verdade, mais visões tem e mais ele deve descobrir sobre si mesmo.
Vou sumir quando a vela se apagar – Diogo Bercito
Em seu romance de estreia, Diogo Bercito narra uma emocionante história de amor e autodescoberta ambientada no início dos anos 1930.
Yacub passa os dias na companhia de Butrus no vilarejo da Síria onde vivem. Os dois são inseparáveis e se deixam encostar casualmente enquanto colhem folhas de uva ou fumam no gramado, mas uma agonia crescente toma conta de Yacub quando essa proximidade é ameaçada. Butrus recebera um convite do tio para emigrar para o Brasil e aproveitar as muitas oportunidades de um futuro próspero no país. A perspectiva do distanciamento não é forte o suficiente para que os dois verbalizem seus sentimentos, mas permite que finalmente se toquem. O ato consumado, no entanto, é seguido de uma tragédia. O que para os médicos é cólera, para Yacub é a ação do lendário que habita o poço de uma casa abandonada, que estava aberto quando os jovens cederam aos seus desejos.
Esse é o ponto de virada da narrativa, que passa então a ter como cenário a vibrante São Paulo do início da década de 1930, uma cidade em transformação, ponto de atração de pessoas de diferentes partes do mundo. Em um ambiente marcado pela vontade de se estabelecer e pela infinidade de possíveis futuros, o passado cisma em se fazer presente para o imigrante, que começa a ter sonhos cada vez mais vívidos tendo o como figura persecutória.
Em seu romance de estreia, Diogo Bercito narra com delicadeza e admirável domínio da escrita uma história na qual o que não está dito salta aos olhos a cada página. Vou sumir quando a vela se apagar trata de afetos, com um protagonista que tem no diálogo constante com o a expressão de seus medos e o impulso da fuga de si. Uma trama atemporal, sobre as dificuldades de lidar com os desejos e a capacidade de tomar para si o próprio destino.
Rainhas da Noite – Chico Felitti
Andrea de Mayo era a rainha-empresária. Proprietária de pelo menos doze imóveis na cidade de São Paulo, ela investia no aluguel para garotas trans de programa. Teve três boates, entre elas a lendária Prohibidu’s, uma casa de travestis para travestis, além de ser agiota e “bombadeira”, como chamavam as pessoas que injetavam silicone em mulheres trans.
Jacqueline Welch, ou Jacqueline “Blábláblá”, era a abelha-rainha. Construiu seu próprio “castelo”, um bordel de luxo escondido atrás de um salão de beleza. Era violenta, mas glamurosa, com clientes importantes, entre políticos e artistas paulistanos. Seu castelo foi um dos primeiros pontos fixos de prostituição trans do centro de São Paulo, e do alto de sua “torre” Jacqueline comandava um mundo particular.
Cris Negão era a rainha das ruas. Do alto dos seus dois metros, garantia às travestis a proteção que o Estado não dava. Mas para isso, cobrava um preço. Dizia ser imortal, e provava isso com as cicatrizes de seis balas que usava como joias no peito. Era a mais violenta das monarcas.
A partir da década de 1970, uma cidade sóbria e conservadora começa a criar outros caminhos, cores e desejos. São Paulo se torna uma cidade de rainhas, dispostas a sair do anonimato e a lutar pela própria existência.
Rainhas da noite é uma série inédita, escrita pelo autor de Mulher Maravilha e Ricardo & Vânia, Chico Felitti, e narrada pela atriz e diretora Renata Carvalho, que celebra a vida destas mulheres que criaram uma sociedade só delas e para elas, e reinaram durante trinta anos no centro da maior cidade do país.
Rumores da Cidade – Lucas Rocha
Aos dezessete anos, André, morador da pequena e religiosa cidade de Lima Reis, sabe que não pode se assumir gay a menos que queira comprometer a reeleição do pai à prefeitura. Porém, uma questão familiar faz com que tio Eduardo, que o garoto nunca conheceu, volte à cidade. Logo fica claro que: a) o tio é cem por cento gay; e b) ele sobreviveu àquela cidade.
Munido de uma nova perspectiva, André percebe que não é provável que ele seja o único gay de Lima Reis. Além disso, o garoto acaba encontrando diversos indícios de que seu pai possa estar envolvido em casos de corrupção. Entre manter as aparências e fazer o que é certo, André não terá como fugir de algumas escolhas e precisará enfrentar todos os rumores da cidade para seguir o caminho que acredita.
Pedagogia das Travestilidades – Maria Clara Araújo dos Passos
Em Pedagogias das Travestilidades, a educadora e ativista Maria Clara Araújo dos Passos registra a luta do Movimento de Travestis e Mulheres Transexuais no Brasil, para assegurar que o Estado perceba essa comunidade como digna e lhe garanta os direitos sociais e políticos. Para isso, a autora documenta o saber que vem sendo produzido, desde 1979 até a atualidade, por esse coletivo, desde seu início, nas ruas, até sua chegada ao espaço privilegiado da academia. A publicação deste livro no Brasil – que desde 2008 lidera o terrificante ranking de assassinato de travestis e pessoas transexuais – é importante para afirmar que a existência dessas pessoas não apenas é possível, mas essencial para que a cidadania seja exercida de forma plena. Esta edição reúne apresentação da multiartista Linn da Quebrada e prefácio da professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carla Cristina Garcia.
Movimento LGBTI+: Uma breve história do século XIX aos nossos dias – Renan Quinalha
“Sem a pretensão de escrever um manual exaustivo, o autor nos oferece um panorama da constituição moderna do movimento LGBTI+ como movimento político que reivindica direitos, equidade e respeito, a partir de um recorte geográfico ocidental.” Erika Hilton “Cada uma das partes que compõem este livro faz com que avancemos numa compreensão de que nossa existência é um ato político e o que fazemos a partir dessa conscientização pode, literalmente, ser a medida de nosso sucesso em um projeto de emancipação, horizontalidade e democracia.” Rita von Hunty Em tempos de autoritarismos e conservadorismos morais, nada como a história para nos ensinar e inspirar nas resistências do presente. Sistematizando anos de estudos e elaborações em torno da temática da diversidade sexual e de gênero, Renan Quinalha compartilha neste livro reflexões teóricas e historiográficas em linguagem acessível, sem renunciar à profundidade das discussões, com o objetivo de atingir um público mais amplo interessado no universo LGBTI+. Esta obra destina-se tanto a pessoas que desejam investigar a fundo essa temática como àquelas que estão dando seus primeiros passos nos estudos de gênero e sexualidade. Ela é, sobretudo, um convite à ação política e à luta por igualdade, diversidade e democracia.
Desmama: Memórias de uma mãe com outra mãe – Marcela Tiboni
Paixão, namoro, casamento, fertilização in vitro, gravidez de gêmeos, parto. Se você leu Mama (2019), livro de estreia de Marcela Tiboni, já conhece a história de amor vivida por Mel e Marcela. Mas o que acontece depois que as duas mães chegam da maternidade com os bebês recém-nascidos? Este livro parte do nascimento de Bernardo e Iolanda para narrar o cotidiano da família, desde os primeiros dias dos bebês até o desmame – tudo isso vivido em meio a uma pandemia. E mais: divididas em décadas, narrativas paralelas resgatam memórias da infância, juventude e vida adulta da autora. Em Desmama, Marcela Tiboni reafirma sua escolha de viver a maternidade de forma aberta e inclusiva, quebrando mais uma vez o tabu da maternidade homoafetiva para contar a história de seu maternar ao lado de outra mulher.
Fabulosas: Histórias de um Brasil LGBTQIAP+ – Patrick Cassimiro
Fabulosas conta as histórias de mais de trinta pessoas LGBTQIAP+ que deixaram e deixam uma marca no Brasil, por meio de sua arte, sua vida e sua luta. Os leitores vão conhecer personagens fascinantes e descobrir peculiaridades como o percurso enfrentado até o primeiro beijo gay na TV brasileira e o significado dos principais termos do pajubá.
Você certamente já ouviu falar de Laerte. E de Caio Fernando Abreu, de Marielle Franco, de Linn da Quebrada. Mas e Felipa de Souza? E Luiz Delgado? Muito antes de os movimentos LGBTQIAP+ se articularem e conseguirem suas primeiras vitórias, já havia brasileires lutando pelo direito de viver sua sexualidade e seu gênero de maneira livre. Desde então, esses personagens só aumentam — e suas conquistas também.
Fabulosas é uma homenagem à comunidade LGBTQIAP+ brasileira e uma celebração da vida de todes que ajudam a construir essa história — e não nos deixam esquecer toda a luta que enfrentaram para chegar e permanecer aqui.
A Menina Linda e outras Crônicas – Cidinha da Silva
O livro traz questões importantes para a crônica contemporânea: é o século XXI, com todos os temas debatidos na sociedade, transportado artisticamente para a Literatura em textos curtos, acessíveis e, sobretudo, atraentes. A Menina Linda tem textos construídos a partir de uma tessitura ao mesmo tempo delicada e contundente. Numa dicção original e surpreendentemente bela, Cidinha da Silva toca em temas sociais candentes, como racismo, periferia, relações trabalhistas, africanidade, sem nunca descuidar dos aspectos estéticos. No texto A menina linda, que abre o livro e lhe dá título, vemos uma professora que precisa se educar diante das surpresas indigestas que o racismo pode trazer. E fica a pergunta: “Por que a felicidade da mulher negra precisa ser guerreira, sempre?”. Já em A coleção de dicionários de capa dura na estante, o narrador aborda a importância da leitura em um ambiente familiar pouco afeito às manifestações da cultura letrada, visto que monopolizado pela sobrevivência cotidiano. É ainda este tema que vai ressoar na belíssima crônica Cenas da colônia africana em Porto Alegre – as lavadeiras, na qual a singularidade da voz narradora frente à labuta da vida cotidiana permite um olhar de esguelha às condições de vida das classes populares. Além do papel do livro e da leitura, a cultura do rap, o Carnaval e o samba também estão nas crônicas de Cidinha. Sendo assim, passeia pelos cabelos dos meninos negros e pela beleza negra em todos os seus possíveis níveis, desde o estético até o filosófico.
Se você leu algo que gostou muito e não encontrou aqui comenta pra gente incluir nas próximas!
Boa leitura!
Foto de capa: Ricardo Matsukawa/ Banco de Imagens TEM QUE TER