Migração e imigração, invisibilidade, diáspora africana, territorialidade, sexualidade, gênero, memória indígena, ancestralidade, emergência climática, a exploração do ser humano pelo ser humano. Algumas das questões mais urgentes da agenda contemporânea – além de temas eternos e universais como amor, vida e morte – estarão em cena na programação do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília em 2022, em trabalhos muitas vezes carregados de poesia, empatia e bom humor. A 23ª edição deste que é um dos maiores festivais internacionais de artes cênicas do Brasil acontece de 28 de junho a 10 de julho, ocupando diversos espaços do Distrito Federal. A direção geral e curadoria são de Guilherme Reis, com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura – FAC, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal. Apoio do Instituto Camões e SESC.
O CENA CONTEMPORÂNEA 2022 marca o retorno do festival ao contato com o público, depois de duas edições virtuais – mesmo durante a pandemia, o evento foi realizado, oferecendo programação diária, inédita e gratuita. Neste reencontro, os espectadores verão trabalhos de artistas do Brasil, de Portugal e da Argentina, num total de 21 espetáculos de teatro e dança e um show, além de 12 atividades formativas e educativas, como oficinas, encontros, lançamento de filme e exposição virtual.
As apresentações serão no Teatro Galpão Hugo Rodas e na Sala Multiuso do Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul, Teatro Garagem, Teatro da ADUnB, Teatro Oficina do Perdiz, Casa dos Quatro, Teatro Paulo Autran SESC Taguatinga, Complexo Cultural de Planaltina e Galpão Instrumento de Ver (Vila Planalto), além de um percurso poético pelo quadrilátero histórico de Brasília. Encontros e oficinas gratuitos se estenderão pelo ECRR 508 Sul e Centro de Dança. Os ingressos estarão à venda através da plataforma Sympla.
Em 2022, o CENA CONTEMPORÂNEA presta homenagem aos 60 anos da Universidade de Brasília, na pessoa de duas figuras brilhantes, que fizeram parte da história da UnB: o antropólogo, sociólogo, professor, escritor, indigenista e político Darcy Ribeiro, fundador e primeiro reitor da Universidade e uma das mentes mais brilhantes do Brasil, e o diretor, ator, coreógrafo, cenógrafo, figurinista uruguaio Hugo Rodas, ex-professor do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da UnB, que formou diversas gerações em Brasília e é considerado nome emblemático do teatro da capital brasileira.
CENA CONTEMPORÂNEA
A programação do CENA abre com “Eu de Você”, solo da atriz Denise Fraga, concebido a partir da escuta do outro. O espetáculo é feito a partir de narrativas reais e entremeado de sucessos da MPB. Também na noite de estreia, “Stabat Mater”, da atriz, diretora e dramaturgista paulista Janaína Leite, que rompe as fronteiras entre arte e vida, num mergulho autobiográfico, para falar de maternidade, sexualidade, violência e pornografia.
A miséria dos muitos Severinos contemporâneos aparece em trabalhos como “Estudo nº 1 Morte e Vida”, do grupo pernambucano Magiluth – que se inspira no poema de João Cabral de Melo Neto para encontrar os explorados dos dias atuais – e no inédito “Übercapitalismo”, que marca a primeira direção teatral do ator e professor Rodolfo Godoi, de Brasília. O sertão inspira ainda “Cordel do Amor sem Fim ou A Flor do Chico”, do grupo Os Geraldos, de Campinas, com direção do grande Gabriel Vilela. E o teatro sempre provocador e inventivo do diretor Márcio Abreu chega com “Sem Palavras”, que mistura teatro, dança, performance para trazer crônicas individuais e tratar de temas como diversidade, representação, visibilidade.
De Portugal chegam os trabalhos “A Caminhada dos Elefantes”, do grupo Formiga Atómica, sobre a finitude da vida tratada de forma poética, e “A Última Estação”, de Elmano Sancho, com a biografia de um conhecido serial killer da década de 1970. Já a comédia dramática argentina “Experiência 2: Encuentros breves con hombres repulsivos” leva para a cena uma adaptação do reconhecido Daniel Veronese para texto de David Foster Wallace sobre a condição masculina contemporânea numa mirada ácida, sem floreios, e com dois conhecidos atores do teatro e do cinema argentinos.
A memória e a afirmação indígenas caracterizam as encenações “Solilóquio”, protagonizada pelo argentino Tiziano Cruz sobre a exclusão indígena e as políticas de branqueamento, e o brasileiro “Antes do tempo existir”, de Andreia Duarte, que destaca a relação de respeito e reconhecimento dos indígenas brasileiros com o planeta Terra, sob inspiração das palavras de Ailton Krenak: “Nós somos espelhos da criação”. O confronto entre diferentes culturas também está em cena com “2 Mundos”, teatro de sombras da Cia Lumiato, de Brasília, sobre a colonização da América.
Ancestralidade, diáspora africana, reconhecimento, opressão dão o tom a trabalhos como “Afeto”, do Grupo Embaraça, “Pedra (p)Arida”, de Camila Guerra, e “Semutsoc”, da Companhia de Dança Corpos Entre Mundos, todos de Brasília.
A programação ainda reserva o novo trabalho do notável Teatro do Concreto, “Se eu falo é porque você está aí”, que recupera a memória recente do Brasil e de Brasília, promovendo um passeio pela cidade; “Supersó & outros videoclipes”, musical protagonizado por Miriam Virna, que fala de solidão, sonhos e medo com muito bom humor; “Entre Quartos”, encenação que celebra os 10 anos do Grupo Tripé, do DF, falando sobre as relações amorosas das novas gerações; “Pão e Circo”, festa performática do grupo Instrumento de Ver; e “Cimento Fresco”, trabalho de Patrícia Del Rey que mistura arte urbana, arte cênica e poesia.
Homenagem
O Cena promoverá apresentação única do espetáculo “O Rinoceronte”, último trabalho dirigido pelo grande Hugo Rodas (recentemente falecido), à frente de seu grupo, a Agrupação Teatral Amacaca – ATA. A obra-prima de Eugene Ionesco, que trata da metáfora do efeito manada sobre a sociedade, ganhou encenação despojada, com a marca da genialidade do diretor uruguaio-brasiliense.
SHOW MUSICAL – “Lágrimas no Mar” dá título ao novo álbum do cantor, compositor, poeta Arnaldo Antunes, criado em parceria com o pianista pernambucano Vitor Araújo. Os dois trazem o show a Brasília, dentro da programação do CENA CONTEMPORÂNEA. Em formato voz e piano, Arnaldo e Vitor executam um setlist que parte da introspecção, mas que, em contato com o público, ganha dimensões de sentimento compartilhado. Além das canções do novo disco, o repertório inclui músicas do CD “O Real Resiste”, lançado pelo cantor e compositor paulistano em 2020.
Lançamento
Exibido em primeira mão no festival É Tudo Verdade deste ano, o documentário de longa-metragem “Quem tem medo?”, de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr, será lançado durante o festival, contando com debate reunindo os diretores e convidados. O filme narra a ascensão da extrema direita no Brasil a partir da perspectiva de artistas que tiveram obras censuradas. Com suas vozes, a obra compõe um mosaico das consequências nefastas da presente escalada do fascismo no país.
Exposição Virtual
Lançamento em live com a presença do fotógrafo da exposição virtual “Festival do Nada”, de Humberto Araujo. Há oito anos fazendo a cobertura de festivais e mostras de teatro, dança, cinema e música, o fotógrafo se interessou em registrar os espaços/tempos que não são acessíveis ao público, o entreato, o vazio sempre cheio de vida. Na exposição, estão imagens que dão a dimensão da poética do silêncio dos palcos.
MAIS INFORMAÇÕES: www.cenacontemporanea.com.br
Foto de capa: Divulgação