Por Tamara Cleveland, voluntária da Biblioteca Caio Fernando Abreu
Em 2024, Luar, une des voluntáries da Biblioteca Comunitária, teve uma ideia inspiradora: criar indicações mensais de leitura feitas peles voluntáries para o público que frequenta a biblioteca. Assim como acontecia nas locadoras de vídeo, onde era comum clientes pedirem sugestões de filmes aos funcionários, muitas pessoas em bibliotecas procuram dicas sobre o que ler. Dessa inspiração surgiu o Projeto Mural, que agora em maio celebra seu primeiro aniversário.
O projeto funciona assim: voluntáries escolhem um livro que já leram, que esteja disponível no acervo da biblioteca, e que desejem recomendar. Quem quiser participar escreve um parágrafo breve, suficiente para caber em uma folha A4, compartilhando um pouco de sua experiência com a obra e explicando por que acreditam que outras pessoas gostariam de lê-la. O enfoque está na percepção pessoal de cada ume, valorizando a linguagem particular e a autenticidade de quem escreve.
A proposta do Projeto Mural é aproximar ainda mais es voluntáries da comunidade frequentadora da biblioteca, além de destacar obras representativas – algo extremamente relevante nos dias de hoje.
Todo mês, uma ou duas dessas sugestões são selecionadas como as Dicas do Mês e ficam expostas no mural da biblioteca para que os frequentadores possam apreciar e se inspirar.
Conheça três indicações que fizeram parte do Projeto em 2024.
A PALAVRA QUE RESTA – Stênio Gardel
Sinopse: Aos 71 anos, Raimundo decide aprender a ler e a escrever. Nascido e criado na roça, não foi à escola, pois cedo precisou ajudar o pai na lida diária. Mas há muito deixou a família e a vida no sertão para trás. Desse tempo, Raimundo guarda apenas a carta que recebeu de Cícero, há mais de cinquenta anos, quando o amor escondido entre os dois foi descoberto. Cícero partiu sem deixar pistas, a não ser aquela carta que Raimundo não sabe ler ― ao menos até agora.
Recomenda por Deco: “A palavra que resta”, de Stênio Gardel, é um romance que tem como pontapé inicial o absurdo de Raimundo, um homem analfabeto, receber uma carta de seu amado chamado Cícero. O absurdo se potencializa quando descobrimos que os amantes perderam contato e mesmo passados cinquenta anos, o protagonista ainda não fora alfabetizado – ou como bem saberemos, só aprenderá a ler e escrever aos idos setenta anos de idade. Resumindo assim, o livro de Stênio Gardel pode até dar a entender que há um quê de risível nessa história.
Acho que se Gardel tivesse escolhido construir uma narrativa que convidasse les leitores a rir deste absurdo, o romance teria se desenvolvido, superficialmente, no esquema romanesco “começo-meio-fim”. O clímax teria sido então guardado para quando finalmente Raimundo leria a carta de Cícero e os desdobramentos deste grand finale.
No entanto – e felizmente para nós, leitores – a história que lemos é recheada por camadas que revezam e entrelaçam a questão social com profunda integridade de um homem gay residente num ambiente rural. Ao longo da narrativa, Raimundo é paciente e agente de diversas contradições que são próprias à sua identidade e vivência, elementos que conferem humanidade, honestidade e verossimilhança ao livro.
Quantas e tantas narrativas já não colocaram o homem comum como bruto de corpo e alma? Gardel nos chama a ajustar nosso olhar para reconhecer a sensibilidade em suas personagens.
“Feto idoso, rebento tardio. A carta guardava uma vida inteira”. Trecho de “A palavra que resta”, de Stênio Gardel.
AS VANTAGENS DE SER VOCÊ – Ray Tavares
Sinopse: Ana está à beira de um ataque de nervos. Sem rumo profissional e em plena crise profissional, a jovem enxerga o sonho de escritora ir pelo ralo mais rápido do que suas chances de encontrar o amor. E como se a sua vida profissional e afetiva estivesse competindo para ver qual vai dar errado mais rápido. Afinal, stalkear Bárbara, a crush dos tempos de colégio, nas redes sociais não conta como um vida amorosa.
Recomenda por Louise: Às vezes tudo que a gente precisa é ler um livro com uma premissa bobinha e vários acontecimentos mirabolantes. E tem enredo mais bobo do que ir num retiro espiritual de um coach da internet? “As vantagens de ser você” é tão engraçado e surreal que eu não conseguia parar de ler. A protagonista, Ana, tá numa fase super desesperançada profissionalmente. Um dia ela decide comprar um livro de autoajuda com esses títulos que usam termos tipo “seja foda” e acaba entrando numa viagem para um retiro espiritual com o autor do livro. Tudo isso porque ela descobriu que a maior crush da vida dela é parte da organização desse evento. Não tem livro melhor pra pegar gosto pela leitura. Além disso, eu acho muito gostoso ler livros nacionais porque a gente cria uma intimidade mais fácil com a história. É legal ver uma personagem sofrendo andando de ônibus que nem a gente, com um cachorrinho caramelo esperando ela em casa e pais que sonham com concurso público. O único ponto negativo do livro é que você vai ficar com muita vontade de fazer uma viagem pro Tocantins. O livro tá disponível aqui na Caio na seção “Juvenil” e eu sou fã de explorar todos os títulos dela, principalmente os quadrinhos! <3
ESCRITAS FEMININAS EM PRIMEIRA PESSOA – Organização Maitê Freitas
Sinopse: O livro reúne os 44 contos de mulheres negras e indígenas (cis e trans) selecionados durante o I Chamamento Oralituras.
Recomenda por Luar: Tem alguns livros que você encontra por acaso no mundo e que você descobre, perguntando por aí, que ninguém que você conhece já ouviu falar dele. “Escritas femininas em primeira pessoa” foi um desses livros para mim. Se trata de uma coletânea de contos, organizada por Maitê Freitas, cujo critério de seleção era trazer contos escritos por mulheres (cis e trans) negras ou indígenas e facilitar o acesso delas à publicação. Penso que, no caso desse livro, o quão desconhecido ele é se dá justamente pelo esforço genuíno em trazer uma literatura representativa de verdade, que tem pouco espaço na mídia e poucos recursos para uma grande divulgação. Depois de o ler passei a querer recomendá-lo pra todo mundo que conheço, porque ele traz histórias que preenchem lugares dentro da gente esvaziados pela falta de representatividade na cultura popular das novelas da globo e das séries da netflix. São contos que você não vai encontrar em mais nenhum lugar, dou destaque especial ao meu conto favorito do livro, “Tran’Solidão”, de Thiffany Odara. Se você tem paixão por narrativas únicas e histórias repletas de vida, esse é um livro que vai te conquistar.
Esses e outros títulos representativos LGBTQIAPN+ fazem parte do acervo da Biblioteca Caio Fernando Abreu. Conheça o espaço e faça a sua carteirinha de segunda a sábado, das 10h às 19h, na Rua Condessa de São Joaquim, 277, no bairro Bela Vista.
Boa leitura!