Em nome da “segurança jurídica”, políticos e empresários defendem o projeto que viola direito garantido na Constituição
Por Jamille Anahata
Atual pauta mais urgente para as sociedades indígenas, o antigo projeto de lei (PL) 490 foi renomeado como PL 2903 ao chegar ao Senado, após ser aprovado na Câmara dos Deputados em maio. Além de ferir o direito originário à terra, hoje garantido pela Constituição, a proposta fragiliza os povos indígenas em terras demarcadas de diversas maneiras.
O PL é apenas um dos dispositivos atuais de neocolonização das Terras Indígenas, e toda a sociedade não-indígena também precisa pressionar para impedir esse retrocesso. Defender o direito à terra, e não tratá-la apenas como moeda, é cuidar do futuro da humanidade, reduzindo os danos da crise climática.
Mas por que esse Projeto de Lei é tão perigoso ?
O PL quer recompensar invasores de terras e escancarar a porta para o desmatamento
Apoiada pela tese do Marco Temporal (veja mais detalhes no item 3), a lei pretende indenizar não-indígenas que precisarem desocupar Terras Indígenas (TIs). Invasores vão receber indenização para sair de um local que pode ter sido tomado a partir de conflitos e mortes de indígenas.
Tais invasões acontecem mesmo quando um território é demarcado ou está nesse processo, através da sobreposição de propriedades. De acordo com o recente dossiê do observatório De Olho nos Ruralistas, setores bancários, fundos de investimento, ramos de armas e agronegócio participam diretamente desse tipo de apropriação, que ocorre em todo o Brasil.
Empresas do agronegócio desmatam para abrir pastos e aumentar fazendas de grãos para exportação, e extraem madeira ilegalmente mesmo em TIs já regularizadas, o que é crime federal. Mesmo diante de tudo isso, há parlamentares que, ao defenderem o projeto, advogam a partir de seus interesses e endossam uma solução que mais parece prêmio para criminosos.
O PL permite intervenções em Terras Indígenas sem consulta prévia
Os direitos aos povos indígenas não começaram e não se limitam à Constituição Federal de 1988. Um dos dispositivos mais importantes é a Convenção n. 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratado do qual o Brasil é signatário.
O texto da Convenção diz que os povos indígenas devem ser consultados em iniciativas e projetos que dizem respeito às suas terras. O PL 2903 quer retirar esse direito, prevendo a possibilidade das seguintes construções sem ouvir comunidades envolvidas ou órgãos competentes:
instalação de bases, unidades e postos militares;
expansão da malha viária;
exploração energética de cunho estratégico.
É ou não um absurdo?
O texto do projeto tenta acelerar a aprovação do Marco Temporal
A discussão do Marco Temporal é um dos maiores pontos de alerta da proposição. Em resumo, a tese define que só indígenas que estavam nas terras na data da publicação da Constituição (5 de outubro de 1988) têm direito à demarcação.
Essa teoria ignora os povos originários expulsos durante a ditadura, que não estavam em suas terras nesta data específica. Sem considerar também os posseiros, grileiros e outros invasores que estavam em terras indígenas naquele momento.
A hipótese do Marco Temporal ameaça os povos indígenas desde a homologação da demarcação para os povos Yanomami na TI Raposo Serra do Sol, em 2009. A tese tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2016, mas o PL 2903 quer aprová-la antes. O ritmo de decisão no Supremo é mais lento, uma vez que o processo está sujeito ao calendário de sessões, além de sustentações de todas as partes envolvidas e de pedido de vistas dos ministros (quando podem analisar os materiais por até 90 dias), antes de proferirem seus votos. O PL 2903 quer legalizar a tese antes da decisão dos ministros, contando com um congresso majoritariamente antiindígena.
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