A falta de informação, despreparo médico e resistência da indústria são obstáculos para o sexo seguro entre vulvas.
Categoria: Saúde
TJ-SP determina que planos de saúde paguem mastectomias em homens transexuais
Nos últimos pedidos de mastectomia as Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo têm decidido que operadoras de planos de saúde devem custear as cirurgias em homens transexuais. O procedimento faz parte da transição de gênero e consiste na redução das mamas e em dar um contorno masculino. Desde o início do ano, foram pelo menos quatro decisões favoráveis aos pacientes.
Em um dos casos, a 6ª Câmara de Direito Privado obrigou um plano de saúde a cobrir a mastectomia masculinizadora após a cirurgia ter sido negada com o argumento de ausência de cobertura contratual. Neste caso, o desembargador Marcus Vinícius Rios Gonçalves, disse que deve prevalecer o tratamento prescrito pelo médico.
Para embasar a decisão, o magistrado também citou a Súmula 102 do TJ-SP, que tem a seguinte redação: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”
“O procedimento pleiteado integra o rol de procedimentos da ANS, com previsão expressa no Anexo I do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, regulamentado pela Resolução Normativa 465/2021, da ANS, vigente a partir de 1º/4/2021. A recusa da ré é abusiva”, afirmou Gonçalves.
A Súmula 102 do TJ-SP também foi citada em decisão da 4ª Câmara de Direito Privado que ordenou o custeio de uma mastectomia masculinizadora. Segundo o relator, desembargador Alcides Leopoldo, a transexualidade é um “fenômeno social” e as pessoas transexuais precisam ser tratadas com respeito, independentemente de como se apresentam em sociedade.
Leia mais sobre a decisão na Revista Consultor Jurídico aqui.
Acesso à saúde de pessoas LGBT+ com mais de 50 anos é o pior do Brasil
De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Hospital Albert Einstein, da Faculdade de Medicina da USP e Universidade de São Caetano do Sul, pessoas LGBT+ com mais de 50 anos têm o pior acesso ao sistema de saúde, público e privado, no Brasil.
A pesquisa “Transformando o invisível em visível: disparidades no acesso à saúde em idosos LGBTs” mostrou que a pior pontuação de acesso à saúde é da população LGBT+ e negra: 41%. Pessoas LGBTs brancas ficaram com 29%. Entre as pessoas cishéteros brancas, apenas 17% das pessoas avaliaram como ruim seu acesso à saúde contra 28% da população cishétero negra.
“Em uma sociedade capacitista que entende o envelhecimento como declínio, perda e incapacidade, pessoas LGBTQIAPN+ envelhecidas experimentam uma dupla invisibilidade: tanto pela marginalização e desvalorização das(os) idosas(os) quanto pela LGBTfobia, o que aumenta muito suas vulnerabilidades, inclusive em relação à saúde. Por muito tempo e ainda hoje pessoas LGBTQIAPN+ são expulsas de casa ou cortam vínculos com suas famílias biológicas e constroem laços até profundos com “famílias de escolha”, mas a solidão e o isolamento social ainda são frequentes nos estágios avançados das vidas dessas pessoas”, explica Adriel Santana, médico voluntário da Casa 1.
Mais de 6 mil pessoas foram entrevistadas e 1.332 se identificaram como LGBT+. A produção de dados é importante para conhecer a realidade desse público, mas não deve ser a única ferramenta no combate a desigualdade.
“Entender quais são as necessidades de saúde de pessoas LGBTQIAPN+ ao longo da vida é fundamental para a elaboração de serviços de saúde efetivos, mas estamos muito longe disso. Existem estudos que mostraram taxas maiores de depressão, obesidade, sedentarismo, suicídio e uso de álcool e substâncias psicoativas, entre outros agravos de saúde, na população LGBTQIAPN+. O acesso à saúde também precário pode contribuir para um controle pior de doenças crônicas como diabetes ou hipertensão. O rastreio de câncer de colo de útero é por vezes negligenciado em mulheres lésbicas e homens trans. Mulheres trans não são ativamente rastreadas para câncer de mama ou de próstata. No entanto, as respostas para esse cenário precisam ir além das ciências da saúde e também envolver mudanças institucionais e sociais”, continua Adriel.
No Brasil, os grupos minoritários, incluindo a comunidade LGBT+, expressam baixos índices de confiança na prestação de serviços de saúde, quadro motivado especialmente por experiências negativas no passado.
“Que vontade você teria de ir numa consulta sabendo que o nome que estará na sua ficha não é o seu e que o gênero ainda vai constar como o gênero designado no nascimento? Que sua identidade de gênero ou será tratada como irrelevante (e silenciada ou não abordada) ou como único “problema de saúde” que você tem? Por exemplo: uma senhora cis hetero procura um pronto socorro porque está com diarreia, mas o receio de ser julgada, constrangida e diminuída a leva a não contar à(ao) médica(o) plantonista que vive com HIV; a(o) plantonista não pensa em causas de diarreia que podem acometer pessoas que vivem com HIV, não cogita efeito colateral das medicações, prescreve uma medicação inapropriada e assim por diante. Toda essa LGBTfobia institucional leva a atendimentos de péssima qualidade e com efeitos desastrosos na saúde das pessoas”.
Para o médico, grupos e profissionais voltados para a saúde de pessoas não-cis e não-héteros se constroem a partir de esforços individuais. “A medicina, como aparato de biopoder, é cis-heteronormativa. A gerontologia, que é o estudo do envelhecimento em aspectos biológicos, psicológicos, sociais e outros, persiste há tempos na superação do mito da velhice assexual, mas profissionais médicos ao atenderem uma pessoa idosa ainda pressupõem que ela(e)(u) é hetero, que não transa mais, que não tem risco de pegar IST, que não tem mais desejos e nem demandas de saúde sexual. Acredito que as presunções de assexualidade, de cisgeneridade e de heterossexualidade são as principais fontes de estigma no atendimento de saúde de pessoas LGBTQIAPN+ envelhecidas”.
“A formação de profissionais de saúde precisa urgentemente abranger especificidades da saúde de pessoas LGBTQIAPN+. Os gestores dos serviços de saúde precisam entender que a LGBTfobia institucional (desde as aparentemente inofensivas às mais violentas) adoece e mata pessoas. Por fim, é preciso superar a ideia de que pessoas idosas não tem (ou não podem ou não devem ter) vida sexual, para além de visões capacitistas e cis-heteronormativas”, completa Adriel.
Foto de capa: reprodução
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Céu Cavalcanti é primeira travesti eleita presidente do Conselho Regional de Psicologia do RJ
A pernambucana Céu Cavalcanti, 32, teve um agosto agitado. No início do último mês, realizou o sonho de se tornar professora após ser contratada para dar aulas em uma universidade particular carioca.
Já no último dia 27, participou de um momento histórico. Travesti, ela se tornou a primeira pessoa não cisgênero -ou seja, que não se identifica com o gênero designado ao nascer- eleita para comandar um conselho profissional no país, o Conselho Regional de Psicologia do Estado do Rio de Janeiro. A informação é da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
“Eu sei o quanto isso significa para todas as pessoas trans e travestis desse país. Gradualmente, estou dando conta da dimensão histórica disso. Mas tenho que dizer que o mais importante é a dimensão coletiva que toma forma nesse lugar. Acabo desde esse lugar emprestando rosto a sonhos, desejos e construções absolutamente coletivas”, disse ela, eleita em chapa única.
Até maio de 2019, disforias de gênero –termo dado ao sentimento de que o sexo anatômico da pessoa não corresponde a sua identidade– eram consideradas transtornos mentais pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Naquele ano, ao revogar oficialmente a classificação, a OMS afirmou que era hora de reconhecer e diversidade humana e determinou que todos os seus países membros deveriam seguir a recomendação até janeiro deste ano.
O Brasil não esperou. Ainda em 2018, o Conselho Federal de Psicologia já havia publicado uma resolução na qual recomendava aos psicólogos que não tratassem travestilidades e transexualidades como patologias. O texto apontava ainda a importância do combate à transfobia e afirmava que as identidades de gênero devem ser autodeclaratórias.
Nascida no interior de Pernambuco, Cavalcanti fez psicologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e se mudou para o Rio em 2018 para estudar –ela é atualmente doutoranda em psicologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). No ano seguinte, ela foi eleita para o conselho regional.
“As eleições para o conselho do Rio sempre foram muito concorridas. Em 2019, tínhamos o acréscimo da situação política do país. Mas um grande movimento de articulação entre diferentes grupos da psicologia conseguiu assegurar o espaço democrático e alinhado às perspectivas de direitos humanos”, diz ela.
À época, Pedro Paulo Bicalho, professor da UFRJ e orientador de Cavalcanit, foi eleito presidente do conselho fluminense. Ela agora vai substitui-lo no cargo, enquanto ele irá assumir o comando do Conselho Federal de Psicologia.
Além do conselho regional, a psicóloga também é integrante da diretoria nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos da Trans-homocultura e da Articulação Nacional de Psicólogues Trans.
Muito animada, a presidente eleita diz estar, aos poucos, entendendo a importância do feito.
Cavalcanti também destaca os seus predecessores, como o psicólogo João Nery, primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, em 1977. Ele foi impedido de atuar na psicologia por ser um homem trans.
“É imenso me pensar presidindo o local onde décadas atrás João Nery precisou optar por ser quem ele era ou sua vida profissional”, diz Cavalcanti.
Ela diz pretender fazer um mandato humanizado, pois considera a psicologia uma profissão de bem-estar. “É importante pensar na saúde como elemento intersetorial que se fortalece com a defesa e ampliação das diferentes políticas públicas. E a psicologia tem contribuído muito nesse campo”, afirma.
Durante os três anos de mandato, pretende continuar lecionando, o que sempre fora seu maior desejo e agora grande orgulho.
“É um desejo antigo poder estar nesse lugar de docente e, sem dúvidas, o fato de poder me saber professora fala também de um conjunto de alianças e mudanças culturais que passam a entender que alguém como eu pode ser par e professora em uma universidade. Essa é uma mudança significativa que a nossa geração de pessoas trans começa a viver”, diz.
BRUNO LUCCA
SÃO PAULO, SP
Foto de capa: Folha Press