Por Lucas Veloso para Agência Mural
Aprovado em curso de cinema em Cuba, ele relata episódios traumáticos vividos na escola e diz que Estado não têm interesse de educar sobre diversidade.
“Quantas pessoas trans tem no seu trabalho? No seu bairro? No seu ciclo de amizades? Por que, às vezes, é tão difícil sermos aceitos como somos no lugar de onde viemos?”, questiona o cineasta e homem trans Rosa Caldeira, 24, morador da Vila Remo, distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.
Segundo ele, ser uma pessoa trans em quase todos os espaços da sociedade é desafiador e, em muitos lugares, uma vivência ‘solitária’.
Para driblar essa realidade, Rosa diz que as pessoas transexuais criam guetos e atuam como autônomas, na prostituição ou na beleza. “A gente cria espaços de resistência e se une. Ser trans na periferia é difícil da mesma forma”, afirma.
Rosa participa da Maloka Filmes, um coletivo de audiovisual periférico com outras pessoas LGBTs. No grupo, dirigiu o filme ‘Perifericu’, eleito melhor curta-metragem no Festival de Tiradentes de 2020 e no Mix Brasil de 2019. A obra fala sobre experiências LGBTs no extremo sul de São Paulo.
“Costumo dizer que se nem o transporte chega na quebrada, pensa o tanto que a informação demora para encontrar com a favela”, observa. “Só a partir do cotidiano em cada beco e viela que a consciência dos moradores se abre para esse debate: a cabeça pensa onde os pés podem pisar”.
Para contextualizar o assunto, Rosa cita uma fala de Gilmara Cunha, mulher transexual, ativista dos direitos civis e moradora da Favela da Maré, no Rio de Janeiro.
“Quem é gay, lésbica ou transexual de território de favela não usufrui dos avanços que os LGBTs do país vêm experimentando. Não lutamos para adotar um filho. Ainda estamos lutando para sobreviver”, disse Gilmara em 2015.
Parte dessas dificuldades começam desde a escola, que serve como mecanismo de opressão para LGBTs, segundo o cineasta.
Rosa relata agressões físicas e verbais que sofreu durante a adolescência. “Já apanhei por ‘ser diferente’, ‘esquisito’, ‘querer chamar atenção’. Também tem coisas menos explícitas, tipo você ser o zoado do rolê pela forma como você se veste, pela aparência, pessoas sentirem nojo de você, enfim, isso acaba gerando muita solidão”.
Para o cineasta, o Estado e as escolas não têm interesse de educar sobre respeito e diversidade. “Quando você sofre um preconceito e vai tentar o apoio da coordenação, a primeira coisa que eles dizem é que você tem que mudar, que você é o problema. Você entende que aquele corpo estudantil não está preparado para receber o corpo trans”, pontua.
Com isso, a população trans fica esquecida, ao invés de ser valorizada nas comunidades. Na educação formal, 82% da população trans sofre com a evasão escolar segundo estudo da Ordem dos Advogados do Brasil em 2016.
“A escola é um dos espaços onde as pessoas trans mais sofrem preconceito”, cita. “O mínimo que a gente espera da escola é que ela seja um lugar acolhedor, não produtor de violências como ela é hoje”.
Há preconceito dentro da própria classe social e bairro onde vive. “Precisamos trabalhar e mostrar que ser LGBT e ser de quebrada não são coisas contraditórias. A gente, trans de periferia, existe, cria e pensa”, pontua.
“Não quero mais ter que sair da periferia para poder ser quem eu sou. É muita resistência se assumir e se declarar onde ainda é tabu. Eu não era aceito nem dentro de casa, com a minha família. Eu nem imaginava que a escola poderia me dar suporte” – Rosa Caldeira, cineasta.
A dificuldade de aceitação também tem sido evidenciada em mortes todos os anos. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo.
O Dossiê Trans, pesquisa organizada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e pelo IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação) em 2019, mostrou que foram 124 casos de assassinatos de pessoas trans no ano passado.
O Brasil ocupa essa posição há 11 anos, de acordo com o projeto Trans Murder Monitoring, que analisa dados em todo o mundo. Entre as vítimas, 82% se identificavam como pretas e pardas.