Casa de Dona Yayá apresenta “Conversa com pesquisadores. Bexiga: patrimônio e cidade”

A região da cidade conhecida como Bexiga — ou Bixiga, a depender do interlocutor — é caracterizada pelo acúmulo simultâneo de muitas realidades: são vários os grupos sociais que ocupam o bairro, bem como são múltiplas as identidades e as manifestações culturais. Território associado à presença e à memória negra, italiana e nordestina na cidade (entre muitos outros grupos que habitam o lugar), o dia-a-dia do Bexiga é marcado por uma rica interação entre muitas práticas culturais e por um uso intenso das ruas. São também muitas as disputas em torno dos significados, narrativas e representações do bairro.

Reunindo uma parcela significativa dos bens culturais oficialmente reconhecidos na cidade de São Paulo — cerca de um terço dos imóveis tombados pelo município encontram-se no Bexiga —, celebramos em dezembro os vinte anos do tombamento do bairro pela resolução 22 de 2002 do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Município de São Paulo.

Nesta Conversa com pesquisadores trataremos de pesquisas recentemente realizadas na Universidade de São Paulo que tratam do Bexiga e de suas relações com o campo do patrimônio cultural. Adriana Terra apresentará sua pesquisa em torno das relações de pertencimento e construção de identidades no Bexiga atual. Entre processos de construção, negociação e disputa de afetos, representações e apropriações do bairro pelos moradores, revela-se um Bexiga que mobiliza imaginários e onde a rua tem papel fundamental. Diego Vargas, por sua vez, apresentará a trajetória e as disputas em torno da memória e do esquecimento dos Arcos do Bexiga. O trabalho apresenta memórias ligadas ao processo de expulsão dos moradores que ocupavam a área sobre a qual atualmente encontram-se os arcos, bem como conflitos recentes a respeito de sua patrimonialização.

Participantes

Adriana Terra é jornalista formada pela Cásper Líbero, com mestrado em Estudos Culturais pela USP. Há quinze anos trabalha como repórter e editora, tendo escrito para UOL — onde assinou o blog SP a Pé de 2018 a 2020 —, Revista Brasileiros, CNN, Revista da Cultura, Elástica, Quatro Cinco Um. Co-realizou os curtas 13 na 13 (2017) e Eu sou Bixiga (2015). É autora do podcast Andança e, desde 2022, professora na Faculdade Santa Marcelina.

Diego Vasconcellos Vargas é mestre em Gestão de Políticas Públicas e Doutorando em Mudança Social e Participação Política na EACH–USP, com experiência na área de políticas de memória, memória coletiva, memória das cidades com ênfase no território paulistano.

Sobre as conversas com pesquisadores

Tratam-se de rodas de conversa com especialistas e pesquisadores do campo do patrimônio cultural, com o objetivo de promover a divulgação da produção acadêmica e a aproximação entre o universo acadêmico e a sociedade em geral. As conversas são uma oportunidade para conhecer os pesquisadores e seus objetos de investigação, além de proporcionar um espaço para debate e troca de conhecimento.

Serviço

Data
14 de dezembro de 2022

Horário
19h às 21h

Local
Centro de Preservação Cultural — Casa de Dona Yayá
Rua Major Diogo, 353, Bela Vista, São Paulo, SP

Atividade gratuita
Não há necessidade de inscrição prévia. Pedimos aos interessados que compareçam portando máscaras.

Mais informações pelo Instagram

Museu da Diversidade Sexual inaugura espaço de capacitação profissional para LGBTQIA+

No dia 22/10, sábado, o Museu da Diversidade Sexual inaugura o Centro de Empreendedorismo e Formações. A iniciativa é uma frente da atuação do Núcleo de Ação Educativa do MDS, voltada para a capacitação profissional da comunidade LGBTQIA+ nas áreas relacionadas ao campo cultural e economia criativa.

A data será marcada com uma formação para professores e professoras com o tema “Como acolher estudantes LGBTQIA+?”, onde educadores serão convidados a pensar sobre a importância de integrar estes jovens nos espaços educacionais. As inscrições para o encontro podem ser feitas no site da instituição, vagas limitadas.

Foto de capa: Divulgação

Professoras trans inspiram alunos da rede pública de educação

  • Vinicius Andrade. Publicado em 3 de agosto de 2022

Às 9h25 do dia 8 de junho de 2022, mais de 200 alunos da Escola de Ensino Médio Padre Coriolano, em Pacajus, Região Metropolitana de Fortaleza, receberam a professora Jhosy Gadêlha, de 34 anos, aos aplausos e gritos pelos corredores estreitos da instituição. A homenagem foi uma resposta ao ataque transfóbico sofrido por ela. 

Dois dias antes de ser homenageada, Gadêlha havia ido a uma loja de roupas para comprar uma saia. No local, foi xingada e ofendida pela dona do estabelecimento, com frase como “sua voz é de homem”, “você fez a cirurgia de mudança de sexo?” e “meu filho, porque você fez isso?”. “Nesse momento foi a gota d’água, eu ser questionada pela minha voz, pela minha existência, pela minha luta e a pessoa entrar na minha intimidade”, relata a professora. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança do local e publicada nas redes sociais. 

A recepção carinhosa dos alunos “foi uma injeção de muita força, de muita empatia e de muito amor”, segundo Gadêlha. Ela ainda recebeu um abraço coletivo de todos eles no pátio do colégio. “Eu precisava demais desse acolhimento e isso me fortaleceu muito para continuar essa luta”, relembra a professora, um mês depois, em entrevista à Diadorim

Segundo ela, apesar da emoção, aquela atitude dos jovens e crianças não foi uma surpresa. Há sete anos, Jhosy Gadêlha ensina espanhol na instituição, mesmo período em que começou sua transição de gênero. Os estudantes acompanharam de perto o início dessa jornada e foram importantes para o processo. Diariamente, afirma, eles lhe dirigem palavras de carinho e respeito. “Eu não me surpreendi com a iniciativa, porque é o que eu planto todos os dias.”

Para a professora, além de lecionar, a presença de seu corpo naquele espaço é fundamental para criar uma geração sem preconceitos. “Eu não entro apenas para dar a minha disciplina, eu entro para formar os meus alunos em cidadãos, para formar pessoas melhores. E eu consigo, esse gesto foi a prova disso”, afirma.

De acordo com os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Ceará está entre os quatro estados mais violentos para pessoas trans e travestis. Segundo o dossiê 2021, 22 pessoas transexuais foram assassinadas no estado devido à identidade de gênero só em 2020, o recorde cearense da série histórica até o momento. 

‘Conquistei meu espaço’

A quase 1000 km de Jhosy Gadêlha, a professora de língua portuguesa Marcely Dias, 43 anos, também ajuda a mudar a estrutura de ensino local. Primeira mulher transexual de Aquidabã, no interior de Sergipe, a presença dela pelas ruas e em colégios da região, que tem apenas 21 mil habitantes, encoraja a nova geração e subverte o preconceito. 

O caminho foi longo para Marcely e ainda é desafiador. Assim que pisou pela primeira vez na instituição, ela teve seu conhecimento questionado e seu corpo julgado — seja pelos próprios colegas de trabalho ou pelos pais dos alunos. “Já passei muitos momentos ruins aqui [na escola] de transfobia, de rejeição e de negação. Não existia leis naquela época, para mim foi extremamente difícil, mas eu conquistei meu espaço aqui na cidade”, avalia a professora. 

Há 23 anos no trabalho, ela tenta ressignificar o ambiente escolar e, consequentemente, uma cadeia social. “Ela tem um papel muito importante nessa desconstrução e conscientização da sociedade no geral. Ela ocupar esse espaço dentro da escola é uma representatividade”, comenta Letícia Guimarães, 17 anos, aluna de Marcely no Colégio Estadual Francisco Figueiredo. “É uma forma de os alunos que também são LGBTI+ se sentirem representados.”

Além do símbolo de mudança, Dias se coloca como suporte para alunos que estão conhecendo e amadurecendo sua sexualidade e identidade de gênero. “Ajudar esses estudantes nesse ambiente é uma das minhas principais funções”, ressalta a professora. Infelizmente, o bullying com docentes transgêneros é uma realidade ainda presente dentro das salas de aulas do país. Segundo um estudo realizado em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids), 77,5% de crianças e adolescentes transgêneros, entre 5 e 17 anos, foram vítimas de preconceito nas escolas. 

Mas para a Letícia Guimarães, a presença de professoras e professores LGTBI+ no ambiente de aprendizado é um instrumento de mudança e conscientização social. “A gente ter uma professora transexual que é a autoridade dentro da sala de aula, acaba inspirando outras pessoas e despertando a vontade de buscar conhecimento e se entender quem você realmente é”, afirma a adolescente.

Para Dias, que é mestre em Educação, isso é uma via de mão dupla, já que por meio da reciprocidade e da empatia ela acaba vivendo momentos especiais com seus alunos. Um deles foi em 2011, e a professora considera uma das situações mais marcantes do seu currículo profissional. 

Quando era criança, ela tinha o sonho de ter a boneca Emília, personagem do Sítio do Picapau Amarelo, mas nunca ganhou de presente da mãe pelo fato de ser considerada “menino”. A professora contou isso aos seus estudantes e, após o relato, eles se juntaram e a presentearam com o objeto. 

“Me tocou muito, porque são coisas pequenas que mexem com nosso psicológico e emocional e a gente percebe o quanto somos amados nas pequenas situações. Uma história simples do meu passado, e quem realizou esse sonho foram meus alunos”, conta Dias, com a voz embargada. 

Currículo escolar

Embora a presença dessas professoras trans em sala de aula signifique um avanço importante de ensino inclusivo, é necessário também que se construam outras ferramentas para reduzir as desigualdades no ambiente escolar. É o que defende a pesquisadora Dayanna Louise, doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e ex-chefe da unidade de educação para as relações de gênero e sexualidades da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco. 

Segundo ela, a escola ainda privilegia a perspectiva de grupos majoritários e reproduz práticas preconceituosas, racistas e classistas. 

“A questão é quando a escola transforma essa diferença em desigualdade. É quando o que foge à norma é visto como diferente”, pondera Louise. É essa exclusão, por exemplo, um dos motivos para a evasão escolar de estudantes transexuais e travestis. De acordo com levantamento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil em 2017, 82% das pessoas trans deixam o ensino médio entre 14 e 18 anos.

Entidades e grupos ligados ao movimento LGBTI+ avaliam ainda que houve retrocesso, em 2017, quando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi revisada e suprimiu os termos “gênero” e “orientação sexual” do texto que tem como objetivo nortear os objetivos de aprendizagem para estudantes da Educação Básica no Brasil.

Nos últimos anos, no entanto, políticas afirmativas têm pressionado a mudança nos espaços escolares e possibilitado acessos a pessoas historicamente excluídas do convívio social — seja como professoras ou como estudantes. Em 2018, o Ministério da Educação (MEC) permitiu o uso de nome social nos registros escolares de educação básica — medida que já atendeu mais de 15 mil pessoas na rede pública de ensino. 

Para Dayana Louise, a transformação na rede de ensino vai acontecer, de fato, quando o gênero for uma temática “presente em todas as disciplinas que compõem o currículo escolar”. Em Pernambuco, exemplifica a pesquisadora, professores da rede pública são estimulados a revisar na disciplina de Biologia os conceitos em torno dos corpos e reprodução sexual, de maneira a evitar estigmas. 

É justamente pelos avanços da luta de pessoas trans e travestis que essas pautas conservadoras ganham força no Brasil, avalia Louise. Mas de acordo com ela, a “revolução” feita por esses corpos avança mais ainda. “A duras custas estamos conseguindo reconstruir esse país que ainda está devastado pelo ódio”, enfatiza. 

MEC nega Bolsa Permanência a 6 em cada 10 alunos indígenas e quilombolas

Auxílio de R$ 900 por mês permite que essas populações se mantenham longe dos seus territórios. Falta de bolsas obriga universidades a criar outros critérios de seleção

Alunos com autismo cobram cotas em universidades estaduais de SP

Estudantes autistas das três universidades estaduais paulistas estão mobilizados para cobrar que as instituições passem a ter cotas para pessoas com deficiência. Eles também reivindicam que sejam adotadas medidas para garantir de fato a inclusão de quem ingressa nos cursos.

No último ano, alunos autistas da USP, Unesp e Unicamp se organizaram em coletivos para cobrar as instituições – juntos, os grupos já reúnem quase 200 estudantes com autismo.

As três universidades, que estão entre as mais prestigiadas do país, seguem na contramão das instituições de ensino federal, que possuem reserva de vagas para pessoas com deficiência.

“É lamentável que as universidades mais importantes do país não tenham essa preocupação. Não fazem nenhum esforço para garantir o acesso desse grupo aos cursos de graduação e o pior é que não dão condições para que quem entrou consiga estudar com qualidade”, diz Guilherme de Almeida, 39, aluno da pós-graduação da Unicamp.

Em 2016, o país aprovou lei determinando que as universidades e institutos federais reservassem vagas para pessoas com deficiência. A regra alterou a Lei de Cotas, que já contemplava a reserva para alunos de escola pública, pretos, pardos e indígenas.

Pela lei, a cota deve ser definida de acordo com a proporcionalidade de pessoas com deficiência do estado em que está a instituição.

As universidades estaduais não são obrigadas a seguir a regra nacional. No entanto, a não adesão é criticada por especialistas da área, que veem falta de preocupação com a inclusão desse grupo no ensino superior. USP, Unicamp e Unesp têm histórico de serem mais resistentes a aderir a políticas de inclusão. Elas foram uma das últimas do país a adotar cotas sociais e raciais.

“É triste, mas elas têm uma tradição de não acompanhar essas políticas reparatórias a segmentos da sociedade já tão excluídos. Ser uma universidade também passa por ter um compromisso social”, diz Luiz Conceição, coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes.

O acesso de pessoas com deficiência ao ensino superior é muito baixo no Brasil. Segundo o IBGE, o país tem cerca de 17 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 8,4% da população com mais de 2 anos. Dados do Censo do Ensino Superior de 2019 mostram que esse grupo representa apenas 0,6% dos matriculados em cursos de graduação.

A pouca presença de alunos com deficiência nas universidades e a falta de políticas de inclusão fazem com que sejam comuns as situações de discriminação dentro das instituições.

Filha de pais surdos, Andressa da Silva, 24, só foi diagnosticada com autismo aos 22 anos, quando já cursava licenciatura em música na Unesp. “Passei a vida toda com diagnósticos errados, achavam que eu tinha dificuldades por ter crescido com pais surdos”, conta.

“Quando recebi o diagnóstico de autismo fiquei aliviada porque achei que agora as pessoas saberiam como me auxiliar. Infelizmente, são poucos os que estão dispostos a isso na universidade.”

Ela diz que já solicitou a professores que dessem mais tempo para que fizesse uma prova ou pudesse fazer o teste em um ambiente mais silencioso, mas teve o pedido negado. “Alguns professores parecem ver essas adaptações como privilégios, não um direito.”

Pela Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, todas as instituições de ensino públicas ou privadas são obrigadas a garantir adaptações necessárias, sejam físicas ou pedagógicas, para que alunos com deficiência possam aprender.

Giulia Martinovic, aluna de direito da USP, também já sofreu preconceito de professores ao pedir adaptações para ter mais qualidade no aprendizado. Um docente já negou o pedido para que ela apresentasse um trabalho escrito ao invés de apresentar um seminário para toda a sala.

“Ele deu a entender que não mudaria a tarefa porque eu precisava me esforçar para conseguir falar em público. Ele não entende o nível de esforço que um autista precisa fazer para socializar e como isso é dolorido e estressante para nós”, conta.

Por ter tido que conversar com cada um dos professores e explicar o porquê das adaptações necessárias, Martinovic decidiu criar o coletivo autista para exigir que a universidade estabeleça uma política de permanência e apoio para todos os estudantes.

“Essa discussão não deve acontecer de forma individual, só quando o aluno procura o professor. Precisamos de uma solução para todos, a universidade precisa pensar em nós.”

Em nota, a USP disse que a lei federal de cotas não se aplica a ela e não respondeu se estuda aderir à reserva de vagas para pessoas com deficiência. A universidade disse ter um programa para atender às demandas desse grupo e que deve ser votado pelo Conselho Universitário a criação da pró-reitoria de inclusão e pertencimento, que terá como missão fazer um diagnóstico das necessidades existentes.

Atualmente, a USP sequer sabe quantos alunos com deficiência estudam em seus cursos de graduação e pós-graduação.

A Unicamp também disse que não precisa seguir a lei federal e que não existe nenhuma regra estadual sobre o tema. Em nota, a instituição listou uma série de iniciativas e serviços criadas para dar apoio aos alunos com deficiência, mas não respondeu quantos deles estão matriculados em seus cursos.

“Desde sua criação, a Unicamp tem mantido um claro compromisso com a permanência estudantil, por ela promovida de forma abrangente e humanizada”, afirmou o texto.

Já a Unesp diz ter 488 alunos de graduação com algum tipo de deficiência ou diversidade funcional, o que representa 1,2% do total. Vera Lúcia Capellini, presidente da Comissão Permanente de Inclusão e Acessibilidade, diz que a universidade estuda a possibilidade de aderir às cotas e está em permanente discussão para melhorar as condições necessárias para um ensino de qualidade a esse grupo de estudantes.

Neste ano, a Unesp destinou R$ 4 milhões para ações de acessibilidade na universidade, que vão desde mudanças físicas até cursos de formação para professores, funcionários e alunos.

“Sabemos da nossa responsabilidade com esses estudantes e estamos nos esforçando. Sei que eles gostariam e merecem que as respostas e mudanças ocorressem mais rápido, mas estamos fazendo”, diz Capellini.

SÃO PAULO, SP

Foto de capa: Divulgação/ Todo Dia

Na Amazônia, mulheres são mais escolarizadas que homens, mas sofrem com desemprego

Quando o assunto é mercado de trabalho, a desigualdade entre homens e mulheres está presente em todo o território brasileiro. Porém, as mulheres na Amazônia Legal enfrentam cenários ainda mais desfavoráveis do que no resto do país, segundo estudo concluído no fim de março.

A região analisada corresponde a 58,9% do território brasileiro e é composta de 772 municípios distribuídos em Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. A pesquisa foi realizada pelo instituto Amazônia 2030, iniciativa conduzida por pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de ações na Amazônia.

Em relação à escolaridade, elas estão na frente. Na Amazônia Legal, cerca de 60% das mulheres que compõem a força de trabalho têm o ensino médio completo ou mais. Entre os homens, a parcela é de 40% dos homens. Quando considerado todo o país, as porcentagens são de 64,2% no caso de mulheres e de 50,8% no de homens.

Ainda segundo o levantamento, em 2019, 56,8% das mulheres entre 25 e 54 anos da região tinham pelo menos o ensino médio completo, quase doze pontos percentuais a mais do que os homens da região (44,9%).

A diferença é ainda maior entre as pessoas com ensino médio completo que estavam ocupadas: 67,3% das mulheres e 47,5% dos homens. Além disso, 26,1% das mulheres ocupadas tinham ensino superior completo, comparado com apenas 12,8% dos homens ocupados.

Mesmo que mais escolarizadas, a desigualdade por gênero aparece, principalmente, na dificuldade de inserção no mercado de trabalho, com uma menor oportunidade de qualidade para as mulheres em relação aos homens, quando comparado com o resto do país.

Os números mostram que, em 2019, mulheres com mais de 15 anos tinham apenas 42,4% de taxas de ocupação –já os homens tinham 65,4%.

O levantamento foi realizado com base em dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE de 2012 e 2021 e contou com entrevistas de cerca de 211 mil domicílios em cada trimestre, sendo 36 mil na Amazônia Legal.

A pesquisa aponta ainda que quase metade das mulheres sem ensino fundamental completo trabalha sem carteira assinada –o número é quase o dobro do observado entre os homens que têm a mesma escolaridade (27,4%).

Gustavo Gonzaga, economista e responsável pela pesquisa do Amazônia 2030, analisa que a evasão escolar dos homens pode ser explicada pelo fato de que há uma parcela significativa que abandona os estudos para trabalhar na agropecuária e na construção civil.

A maioria das mulheres trabalha no setor de serviços (61,7%), que é ocupado por 32,7% dos homens. Eles se dividem na agropecuária (13%) e nos trabalhos de construção (13%) –apenas 7% e 0,2% das mulheres exercem funções nestes setores, respectivamente.

Na região amazônica, a diferença por gênero de vagas ocupadas no setor público representa mais do que o dobro do restante do país. A taxa de mulheres trabalhando no setor público corresponde a 14,4%, enquanto a de homens representa apenas 3,8%. No Brasil, o setor público é ocupado por 10,7% das mulheres e 6,2% dos homens.

Os resultados do estudo refletem a realidade em que a professora e líder comunitária Izolena Garrido vive. Ela, que mora na comunidade ribeirinha do Tumbira (AM), afirma que as pessoas mais escolarizadas são as mulheres, que levam os estudos mais adiante.

“Os trabalhos nas comunidades são mais pesados. Existe uma cultura dos homens que impede o rapaz de prosseguir nos estudos”, analisa ela, que também afirma que a maioria das mulheres ainda esbarra com o machismo das comunidades e que ainda é comum que isso as impeça de concluir estudos e encontrar vagas no mercado de trabalho.

“O espaço da mulher ainda precisa ser conquistado com mais firmeza porque é notório a discriminação que elas sofrem”, diz Garrido. “Hoje, existe uma gama maior de oportunidades de trabalho, porém a qualificação que a pessoa tem que ter é o que impede. Não é raro que a mulher não tenha a formação e nem experiência para preenchê-la.”

A professora afirma que outra situação comum é a de parceiros que impedem as mulheres de trabalhar. Garrido analisa que uma maneira de inserir as mulheres no mercado de trabalho é por meio do artesanato, já que elas não precisam sair de casa para isso e conseguem gerar uma renda.

“É uma realidade triste a mulher não conseguir comprar absorvente e depender do marido para isso e ainda ter que devolver o troco para eles. Isso ainda acontece muito nas comunidades ribeirinhas e, por isso, é importante que a igualdade de gênero seja trabalhada entre elas”, diz.

Os homens, em sua maioria, foram criados para fazer extração de madeira, trabalhar com agricultura ou pesca. “A perspectiva de se formar para ser um agrônomo ou técnico pesqueiro é uma realidade dos jovens de hoje. De 2020 para trás, não era assim. Agora é que começarão a vir as mudanças”, diz.

Apesar de viver em um cenário diferente de Garrido, a arquiteta Mariana Carvalho, 26, que vive em Belém (PA), concorda com a dificuldade de mulheres se inserirem no mercado de trabalho na Amazônia Legal.

“Quando fui procurar estágio em escritórios de arquitetura, muitos não aceitavam mulheres e soube que isso acontecia porque mulheres menstruam”, lembra ela. “A maioria dos escritórios é comandada por homens. Sempre sinto que o engenheiro, mestre de obras ou pedreiro sabe mais que eu. Sempre temos que provar que a gente também sabe.”

Foto: Bruno Santos/Folhapress

Lei da Flórida que proíbe ‘ideologia de gênero’ coloca pressão em professores do ensino infantil

Pedir aos alunos que falem sobre suas famílias é algo comum na pré-escola. Na Flórida, a atividade poderá se tornar um problema para os professores.

Uma nova regra, chamada Lei de Direitos dos Pais na Educação e apelidada pelos críticos de “Don’t Say Gay” (não diga gay), foi aprovada pelo Senado estadual em 8 de março e sancionada pelo governador, o republicano Ron De Santis, nesta segunda-feira (28).

Santis assinou a nova lei cercado de crianças, atrás de cartazes com as frases “proteja as crianças” e “apoie os pais”. “A lei que assinei protege pais e mães da Flórida como January Littlejohn. Funcionários da escola manipularam sua filha a uma “transição”, chamando ela por nome masculino sem o conhecimento de January. Isso é errado e a lei de hoje garantirá que não aconteça de novo”, disse o governador.

O texto diz que “instruções sobre orientação sexual ou identidade de gênero não podem ser dadas no jardim de infância e até o terceiro ano do ensino fundamental, o que afeta crianças de até oito anos”. Indica também que esses conceitos não devem ser debatidos “de modo que não seja apropriado à idade” e “de acordo com padrões estaduais”.

Os poréns: o currículo escolar da Flórida não prevê a abordagem desses temas nessa faixa etária, e o projeto não define quais seriam os parâmetros estaduais.

“A lei poderá restringir conteúdos sobre igualdade e preconceito em relação a indivíduos LGBTQIA+, potencialmente em todas as séries. Poderá restringir clubes formados por estudantes de apoio aos gays. Um professor pode não ser capaz de indicar livros ou lições que discutam a homossexualidade ou a identidade de gênero de modo afirmativo”, avalia Jeremy Young, gerente-sênior da Pen America, entidade de defesa da liberdade de expressão.

Assim, docentes e especialistas críticos ao projeto apontam que a principal consequência da lei será tornar o ambiente escolar mais hostil e menos acolhedor.

“Tenho uma filha de quatro anos, fase em que as crianças aprendem sobre feriados como o Dia de Ação de Graças. Imagine que, na segunda-feira, um aluno diga sobre o encontro de sua família: ‘Minha tia levou sua esposa’. Se outro aluno pergunta ‘como assim?’, o que o professor deveria fazer?”, exemplifica Kevin Goldberg, especialista da Freedom Forum, entidade de defesa de direitos civis.

“É uma atividade sobre famílias, que ensina sobre tradições, mas ele pode não saber como lidar com isso, por risco de ter problemas.”

Clay Calvert, diretor do projeto Primeira Emenda, da Universidade da Flórida, avalia que os docentes poderão passar a praticar autocensura, por medo de que eles e a escola sejam processados pelos pais.

“Nenhum professor ensina seus alunos a serem gays. Acreditamos na inclusão e na diversidade, e precisamos aceitar as crianças como elas são. Se a criança quiser falar sobre seus pais gays, deve poder fazer isso na sala de aula sem se sentir intimidada”, pondera Karla Hernandez-Mats, presidente do sindicato United Teachers of Dade, da região de Miami.

Segundo ela, educadores LGBT também estão se sentindo ameaçados —uma delas teria dito que já decidiu deixar a profissão. “Temos falta de professores nos EUA. É uma carreira nobre, mas estressante e mal paga, e as pessoas não estão mais querendo entrar nela.”

A Don’t Say Gay é só mais um exemplo de uma onda que tenta aumentar o controle dos pais sobre o conteúdo escolar nos EUA. O tema foi usado com sucesso na eleição estadual da Virgínia, em novembro. O republicano Glenn Youngkin, eleito em um estado até então sob controle democrata, prometeu na campanha acabar com o ensino da chamada teoria crítica da raça —que não fazia parte do currículo.

Em novembro deste ano haverá eleições regionais na Flórida e em outros 35 estados, além da renovação de parte do Congresso. De olho em atrair votos, políticos republicanos têm reforçado o apoio a pautas capazes de atrair o eleitorado conservador.

“A lei diz aos pais que seu direito de criar os filhos não termina quando eles entram na sala de aula. Reconhece que os pais não são o inimigo”, disse o senador estadual Danny Burgess, que votou a favor da medida. “A lei simplesmente diz que deve haver um limite de idade para certas discussões. Isso não é um conceito novo nem radical.”

Ele e outros defensores da proposta argumentam que ela foi deturpada, já que não veta explicitamente o uso de termos como “gay”. Segundo essa linha, as crianças podem ficar confusas ao aprenderem muito cedo sobre o conceito de identidade de gênero.

“[A lei] protegerá crianças pequenas do que é, de fato, uma preparação sexual. Nos últimos anos, material explícito e inapropriado tem inundado salas de aula”, escreveu Jay Richards, pesquisador do Heritage Foundation, think tank conservador. Ele cita o caso de um professor do estado de Washington que teria lido, para uma sala de primeiro ano, um livro infantil chamado “I Am Jazz”, que trata de transição de gênero.

Os democratas se opuseram de modo firme à medida, inclusive em nível nacional. “Por que políticos da Flórida estão decidindo que precisam discriminar crianças membros da comunidade LGBTQIA+? É por maldade? É por querer que as crianças tenham tempos mais difíceis na escola e na comunidade?”, questionou Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca, no início do mês.

O secretário da Educação dos EUA (equivalente a ministro), Miguel Cardona, engrossou as críticas, chamando o texto de lei de ódio e dizendo que ela pode afetar alguns dos estudantes que mais precisam. Segundo ele, escolas que recebem fundos federais devem seguir as leis de direitos civis, incluindo proteções contra discriminação com base em orientação sexual e identidade de gênero.

“Projetos como esse não resolvem nenhum problema. Em vez disso, atacam de forma vergonhosa e colocam em perigo estudantes LGBTQIA+, a quem o Estado tem obrigação de proteger e tratar de forma igual”, diz Cathryn M. Oakley, diretora de legislação estadual na Human Rights Campaign. Ela lembra que pessoas desse grupo têm mais que o dobro de risco de sofrer problemas como depressão e ansiedade.

Um levantamento da entidade mostrou que 25 leis consideradas anti-LGBTQIA+ foram aprovadas nos EUA em 2021 —e mais de 290 propostas nesse sentido foram apresentadas em 33 estados.

Neste mês, parlamentares da Geórgia propuseram uma lei similar à Don’t Say Gay, e o Senado da Flórida debate outra lei, chamada de Stop Woke Act, que prevê restrições a discussões de temas como desigualdade racial em locais de trabalho e salas de aula —numa eventual aprovação, empresas que tratarem do tema com seus funcionários poderiam ser processadas.

Especialistas lembram que textos assim podem parar na Justiça, com base na Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. “Ao dar aulas, professores são pagos para repassar conteúdo, de modo que a Primeira Emenda não se aplica a eles nesse contexto. Mas a norma também diz que as pessoas —os estudantes—, têm direito a receber informações, e essa nova lei poderá ser questionada por restringir esse direito”, analisa Calvert.

Outro problema da norma é não deixar claro se “instrução” se refere apenas ao conteúdo das aulas ou a qualquer interação entre aluno e professor. “Emendas constitucionais requerem que leis sejam escritas com precisão, para que as pessoas possam saber se a estão violando ou não. Assim, a Don’t Say Gay é potencialmente inconstitucional”, diz Goldberg.

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