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Retificação do nome para pessoas trans está mais fácil, mas continua cara

Por Caê Vasconcelos, para Ponte Jornalismo.

Há pouco mais de dois anos, para que uma pessoa trans pudesse ter o nome que ela escolheu nos documentos de identificação ela precisava entrar com uma ação judicial. Além de muito tempo e dinheiro, muitas vezes acontecia a frustração de não conseguir alterar o campo “gênero” nos mesmos documentos. Era preciso anos de acompanhamento psicológico e hormonioterapia e, muitas vezes, cirurgias de redesignação sexual para conseguir alterar os documentos por completo.

Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal, em uma votação histórica, reconheceu a importância de retirar a obrigatoriedade da cirurgia e a solicitação judicial para a retificação do nome. Agora, basta ir até o cartório, se autoidentificar uma pessoa trans e alterar o nome e o gênero.

A partir daí, em 29 de junho do mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 73/201814, que regulamentou a retificação do registro civil e todos os Cartórios de Registro de Pessoas do Brasil ficaram obrigados a realizar a alteração de nome e marcador de gênero nas certidões de nascimento.

O problema, afirma a advogada Maria Eduarda Aguiar, presidente da ONG Grupo Pela Vidda-RJ e coordenadora do núcleo TransVida, tem sido os altos custos financeiros, que, dependendo do local, podem variar entre R$ 600 e 1.500. Aguiar atua no processo de retificação de nome para pessoas trans desde 2015.

Leia também: Por que alteração de nome sem cirurgia é conquista para transgêneros

“Antes de 2018, a gente tinha um grande problema. A pessoa que queria retificar o nome precisava entrar com um processo na justiça, mas não existia uma padronização nas decisões. Um juiz, de uma comarca tal, só ia autorizar a retificação se a pessoa tivesse feito a cirurgia de redesignação sexual [intervenção cirúrgica que algumas pessoas trans sentem necessidade de realizar para alterar as genitálias para o gênero de identificação]”, relembra a advogada.

“Outro juiz autorizava a retificação do nome, mas não do gênero, porque a pessoa não tinha feito cirurgia. Outro dizia que não tinha nada a ver a cirurgia, que era um direito da pessoa alterar o nome e o gênero. Alguns juízes mandavam a pessoa fazer perícia com psiquiatra para dizer que ‘era uma pessoa trans de verdade’”.

Advogada Maria Eduarda atua com a retificação de nome desde 2015 | Foto: Reprodução/Facebook

A decisão do STF, conta a advogada, foi baseada na Lei de Identidade de Gênero da Argentina, em que a pessoa vai no cartório, se autodeclara transexual, escolhe o nome, escolhe o gênero.

“Os estados precisam criar projetos para garantir essa gratuidade. É um valor alto, que tem que ser pago integralmente, sem parcelar. São, ao menos, nove certidões que precisam ser alteradas. Levando em consideração que a maioria da população trans é extremamente vulnerável financeiramente, a gratuidade é essencial”, aponta Aguiar.

O primeiro passo para retificar a certidão de nascimento é separar os documentos listados no provimento do CNJ (confira a lista completa). Depois é importante checar as datas de emissões, seja de nascimento ou casamento, que precisam ter sido emitidas em, no máximo, 90 dias. Para atualizar, basta procurar o cartório em que houve o primeiro registro.

Muitas das certidões podem ser emitidas requeridas podem ser emitidas gratuitamente pela internet. A data destes documentos deve ser inferior a 30 dias. A certidão dos Cartórios de Protesto é a única das certidões que deve ser paga. Para garantir a gratuidade atualmente, é preciso agendar um horário com a Defensoria Pública local.

Além das certidões, é necessário apresentar o RG, o CPF, o título de eleitor e um comprovante de residência (se houver passaporte, leve-o também). Com tudo isso em mãos, você deve ir a um Cartório de Registro de Pessoas para solicitar a retificação de nome.

Atualmente, dois Projetos de Lei visam essa garantia: um no âmbito nacional, publicado em 6 de julho pelos deputados federais Fernanda Melchionna (Psol-RS), David Miranda (Psol-RJ) e Sâmia Bomfim (Psol-SP), e um no âmbito estadual no Rio de Janeiro, protocolado pela deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ).

PL 3667/2020 de âmbito nacional busca alterar a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e garantir a isenção de taxas para retificação de nomes civis e gênero de pessoas transgênero, travestis, intersexuais ou não-binárias.

PL 2600/2020 elaborada pela deputada estadual Renata Souza, em 13 de maio de 2020, visa alterar a Lei Estadual nº 3.350, de dezembro de 1999, que pede a garantia da gratuidade já que “travestis e transexuais têm direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa”.

Com a pandemia, pessoas trans têm encontrado dificuldade para solicitar o Auxílio Emergencial do Governo Federal. Aguiar, por meio do TransVida, tem auxiliado na alteração dos demais documentos, como a alteração do cadastro no CPF.

“O problema é que os sistemas não são integrados. Então você muda um documento e precisa passar em todos os locais que você tiver emitido qualquer tipo de documento ou cadastro para alterar um por um. Para uma pessoa trans ter acesso ao auxílio emergencial, por exemplo, ela precisa corrigir os dados na Receita Federal, que dá para fazer de forma online”.

Casos especiais para alteração de nome

Se a pessoa tem processo criminal na Justiça ou tem dívidas, ela pode retificar o nome normalmente? Essas são as perguntas mais frequentes que Maria Eduarda Aguiar escuta em seus atendimentos.

“No primeiro caso, basta ir no cartório e ele irá informar a Vara Criminal. A lei não proíbe o nome para quem responde processo-crime. Isso também serve para quem tem dívidas, porque a pessoa tem que informar e apresentar os documentos”, explica.

“A gente não pode achar que a pessoa vai agir de má-fé, ser colocada como criminoso, como fraudador. Não é qualquer um que pode ir lá e alterar o nome quantas vezes quiser. A retificação civil em cartório só é permitida uma vez. Na segunda, só via judicial. Esse processo foi pensado por juristas LGBTs em todos os pormenores para assegurar que é uma resolução que não admite fraudes”, detalha.

Uma pessoa menor de 18 anos, explica Aguiar, não pode fazer a alteração, porque é a própria pessoa que precisa dar entrada na solicitação. Outros dois casos específicos têm procedimentos diferentes: pessoas casadas e alteração na certidão de nascimento dos filhos.

“Se a pessoa trans é casada e tem filho, por exemplo, e quiser colocar o nome retificado na certidão do filho, ela precisa ter concordância da outra pessoa, sem concordância tem que ser via ação judicial”, detalha.

“É a mesma coisa para a pessoa que é casada, em não concordância, também tem que ter uma autorização judicial, porque quando você é casada a vida civil fica atrelada a outra pessoa”.

Serviço

Para falar com a TransVida e obter ajuda para alterar os documentos, basta entrar em contato via Facebook ou por e-mail.

Foto de capa: Vasconcelos/Ponte Jornalismo

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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