De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Hospital Albert Einstein, da Faculdade de Medicina da USP e Universidade de São Caetano do Sul, pessoas LGBT+ com mais de 50 anos têm o pior acesso ao sistema de saúde, público e privado, no Brasil.
A pesquisa “Transformando o invisível em visível: disparidades no acesso à saúde em idosos LGBTs” mostrou que a pior pontuação de acesso à saúde é da população LGBT+ e negra: 41%. Pessoas LGBTs brancas ficaram com 29%. Entre as pessoas cishéteros brancas, apenas 17% das pessoas avaliaram como ruim seu acesso à saúde contra 28% da população cishétero negra.
“Em uma sociedade capacitista que entende o envelhecimento como declínio, perda e incapacidade, pessoas LGBTQIAPN+ envelhecidas experimentam uma dupla invisibilidade: tanto pela marginalização e desvalorização das(os) idosas(os) quanto pela LGBTfobia, o que aumenta muito suas vulnerabilidades, inclusive em relação à saúde. Por muito tempo e ainda hoje pessoas LGBTQIAPN+ são expulsas de casa ou cortam vínculos com suas famílias biológicas e constroem laços até profundos com “famílias de escolha”, mas a solidão e o isolamento social ainda são frequentes nos estágios avançados das vidas dessas pessoas”, explica Adriel Santana, médico voluntário da Casa 1.
Mais de 6 mil pessoas foram entrevistadas e 1.332 se identificaram como LGBT+. A produção de dados é importante para conhecer a realidade desse público, mas não deve ser a única ferramenta no combate a desigualdade.
“Entender quais são as necessidades de saúde de pessoas LGBTQIAPN+ ao longo da vida é fundamental para a elaboração de serviços de saúde efetivos, mas estamos muito longe disso. Existem estudos que mostraram taxas maiores de depressão, obesidade, sedentarismo, suicídio e uso de álcool e substâncias psicoativas, entre outros agravos de saúde, na população LGBTQIAPN+. O acesso à saúde também precário pode contribuir para um controle pior de doenças crônicas como diabetes ou hipertensão. O rastreio de câncer de colo de útero é por vezes negligenciado em mulheres lésbicas e homens trans. Mulheres trans não são ativamente rastreadas para câncer de mama ou de próstata. No entanto, as respostas para esse cenário precisam ir além das ciências da saúde e também envolver mudanças institucionais e sociais”, continua Adriel.
No Brasil, os grupos minoritários, incluindo a comunidade LGBT+, expressam baixos índices de confiança na prestação de serviços de saúde, quadro motivado especialmente por experiências negativas no passado.
“Que vontade você teria de ir numa consulta sabendo que o nome que estará na sua ficha não é o seu e que o gênero ainda vai constar como o gênero designado no nascimento? Que sua identidade de gênero ou será tratada como irrelevante (e silenciada ou não abordada) ou como único “problema de saúde” que você tem? Por exemplo: uma senhora cis hetero procura um pronto socorro porque está com diarreia, mas o receio de ser julgada, constrangida e diminuída a leva a não contar à(ao) médica(o) plantonista que vive com HIV; a(o) plantonista não pensa em causas de diarreia que podem acometer pessoas que vivem com HIV, não cogita efeito colateral das medicações, prescreve uma medicação inapropriada e assim por diante. Toda essa LGBTfobia institucional leva a atendimentos de péssima qualidade e com efeitos desastrosos na saúde das pessoas”.
Para o médico, grupos e profissionais voltados para a saúde de pessoas não-cis e não-héteros se constroem a partir de esforços individuais. “A medicina, como aparato de biopoder, é cis-heteronormativa. A gerontologia, que é o estudo do envelhecimento em aspectos biológicos, psicológicos, sociais e outros, persiste há tempos na superação do mito da velhice assexual, mas profissionais médicos ao atenderem uma pessoa idosa ainda pressupõem que ela(e)(u) é hetero, que não transa mais, que não tem risco de pegar IST, que não tem mais desejos e nem demandas de saúde sexual. Acredito que as presunções de assexualidade, de cisgeneridade e de heterossexualidade são as principais fontes de estigma no atendimento de saúde de pessoas LGBTQIAPN+ envelhecidas”.
“A formação de profissionais de saúde precisa urgentemente abranger especificidades da saúde de pessoas LGBTQIAPN+. Os gestores dos serviços de saúde precisam entender que a LGBTfobia institucional (desde as aparentemente inofensivas às mais violentas) adoece e mata pessoas. Por fim, é preciso superar a ideia de que pessoas idosas não tem (ou não podem ou não devem ter) vida sexual, para além de visões capacitistas e cis-heteronormativas”, completa Adriel.
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