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“Nunca deixei de ocupar o meu espaço como uma pessoa preta, gorda e travesti não-binarie”, diz New Guus

Post feito por Fred Costa, voluntário de conteúdo

Abraçada por onde escolheu passar, Guus Tupinambá Tenório da Silva, ou simplesmente, New Guus, como gosta de ser conhecida na internet, nasceu em São Paulo/SP, tem 28 anos de idade, é filha e neta de baianos, morou por anos em Fortaleza/CE e mora há mais de um ano em Natal/RN. É uma travesti negra com forte poder de argumentação, cantora, cursa Ciências Sociais e é bolsista do Tiresias, grupo de pesquisa sobre diversidade e gênero na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é colunista politica do site Cine RG e integra coletivos como “Manas e Monas” e “LGBTec”, na intenção de contribuir com suas visões de mundo e disseminar uma melhor compreensão das causas acerca da diversidade.

Além de tudo isso, ultimamente, ainda vem contribuindo com informações relevantes e compactadas em vídeos para o seu canal homônimo no Youtube. Diante desse currículo de responsabilidade, resolvemos bater um papo e absorver essa potencia toda!

A compreensão, de fato, da pessoa que você é, veio aos 15 anos de idade ou foi basicamente quando você conseguiu expor isso a sua família? Naquela circunstância, você logo se entendeu como travesti ou foi um processo até chegar a essa conclusão? Como foi esse processo?

Não e tenho percebido que a vida é esse grande descobrir coisas sobre nós. Naquela época, eu percebi que gostava de homem, e me entendia como uma pessoa cisgênero, mas aquele momento, de assumir parte de quem eu sou, foi extremamente importante. Esse processo, longo e contínuo, de quase 15 anos para, finalmente, me perceber e entender como uma travesti não-binarie, além de me mudar para o Nordeste, foi essencial. Em Fortaleza, conheci outras pessoas não-binaries que serviram de referência pra mim e esse entendimento foi libertador. Desde então, tenho descoberto quem realmente eu sou. Aliás, prefiro o termo “estou”, até porque tenho me percebido também uma pessoa pansexual. Enfim, é um eterno descobrir-se.

Seus pais e avós são baianos. Você nasceu em São Paulo e logo depois veio pro Nordeste, onde passou por Fortaleza e mais outros 5 estados até se estabelecer, onde hoje vive que é Natal. Como foi que essa experiência foi acontecendo? De forma programada ou totalmente imprevisível?

Sim, eu venho de uma família preta, nordestina e com descendência indígena. Meus avós e minha mãe e meu pai tem o sobrenome Tupinambá e tenho muito orgulho disso! Eu não tive a alegria de nascer na Bahia, nasci em São Paulo e, depois na vida adulta, me mudei pra Fortaleza, que é um lugar lindo com um povo incrível, extremamente aberto e receptivo. Ano passado, eu também passei por Recife, Maranhão, Piauí e Paraíba. Cada lugar é rico em suas culturas, eu fui para esses estados para desenvolver um trabalho com o público LGBTQIA+ e foi incrível. Eu sou apaixonada por essa parte do nosso país. Esse trabalho que desenvolvi ligava à comunidade LGBTQIA+ com a fé e a espiritualidade. Então, acabou que foi acontecendo de forma programada mesmo e cheio de surpresas.

Atualmente, você vive em Natal, onde cursa Ciências Sociais, pela UFRN. Apesar de recente, você já se considera acolhida em que sentido na cidade que, apesar de ser capital, ainda possui muitos aspectos provincianos?

Eu amo Natal. É uma cidade linda, com belas paisagens, mas confesso que o único lugar que me senti confortável foi na própria UFRN. Todas as vezes que saia ou ia no shopping, eu me sentia um ET, o que foi bem diferente de Fortaleza. Em Natal, fui acolhida por um grupo específico de amigos, porém, de forma geral, não vejo Natal como um espaço acolhedor, enquanto uma pessoa trans, mas nunca deixei de ocupar o meu espaço como uma pessoa preta, gorda e travesti não-binarie. Estou acostumada a incomodar e uso isso ao meu favor, mas tive uma dificuldade em me adaptar. Aliás, sofri transfobia em Natal por um casal de mulheres lésbicas, inclusive, foi algo bem triste e me que afetou de forma bem ruim psicologicamente, porém consegui com terapia e apoio dos amigos transformar essa dor em energia, foi daí que comecei o meu canal no Youtube.

Você possui uma formação bem alinhada com as Artes. É formada em Canto Popular e também em Artes Cênicas, ambos cursos realizados em São Paulo. Essa veia artística encontra pulso no seu canal no YouTube ou aquele espaço é mais pra gerar compreensão e debate?

Com certeza. O meu canal no YouTube é a junção da arte com a informação e o debate. Eu sou formada pela ETEC de Artes de São Paulo e fiz teatro pela Escola de Artes de Osasco, pelo ETA em São Paulo, e são esses espaços que me formaram pra ter um certo conforto com as câmeras. Já as Ciências Sociais, eu faço o caminho para discutir política e sociedade. Então, resumindo o meu canal é esse espaço de arte política ou política através da arte, estou muito feliz com o resultado do canal, ele vai crescendo ao poucos, mas os feedbacks não poderiam ser melhores, tenho conseguido alcançar o meu objetivo de levar informação, de forma clara e didática, e com leveza e humor. E 2021 vai sair um trabalho musical sobre a vivência de pessoas trans e travestis não-binaries.

Você se considera uma pessoa cristã. Como é essa compreensão?

Sim, sou cristã e sempre gosto de dizer, que acredito e me relaciono com um Cristo que não está nos templos ou religiões e sim que vive em mim, porque, do contrário ele não me aceitaria, acredito que como travesti posso ocupar o espaço que eu quiser. Não existem barreiras e se existirem a gente se torna mar e contra o mar não existe barreira que nos resista. Quando olho para a pessoa de Cristo e para história que ele nos deixou, me sinto abraçada e quero levar esse amor que não exclui a todos, todas e todes que quiserem e se identificam ou não com Cristo. Isso está para além das paredes de uma igreja ou das barreiras de uma religião. E isso está para além dos livros e teologia, Cristo é uma pessoa e não um livro, seu amor não tem limites, por muito tempo acreditei estar errada, mas quando percebi que ele me amava mesmo eu sendo aquilo que a sociedade mais odeia, eu me dei conta que a opinião que importa é a dele e a de mais ninguém. E para quem acredita Jesus nos ama, durmam com esse barulho moralistas.

Atualmente, os coletivos crescem com uma força interessante na sociedade. Você mesma integra dois, o “Manas e Monas” e o “LBTec”. Por que dessa decisão de fazer parte deles? O que cada um te acrescenta? E o que você acrescenta a cada um?

Eu conheci a galera do “Manas e Monas”, na Etec de Artes. Fui a apresentadora dos saraus por um bom tempo e amava, acabei me afastando e agora com a pandemia voltei. O LGBTec é um grupo de pessoas das engenharias que acabei conhecendo por indicação de um amigo. Os coletivos são de extrema importância, primeiro porque é esse quilombo, essa família e essa rede apoio, lá todes se respeitam se apoiam, se incentivam, compartilham ideias e somam nas lutas e é assim que nós, juntes, fortalecemos os movimentos sociais. E eles me acrescentam, primeiro as percepções de mundos completamente diferentes, vivências incríveis que, através deles, eu me fortaleço, eu questiono meus privilégios e compartilho dificuldades, acreditando que é uma troca muito boa, eu recebo e acabado doando de forma mútua.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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