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No Rio, Justiça não libera 25% das presas provisórias mães

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

O caso de Adriana chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2017. O ministro Gilmar Mendes determinou que sua prisão preventiva fosse convertida em domiciliar, e ela voltou para casa.

“A questão da prisão de mulheres grávidas ou com filhos sob seus cuidados é absolutamente preocupante, devendo ser observadas, preferencialmente, alternativas institucionais à prisão, que, por um lado, sejam suficientes para acautelar o processo, mas que não representem punição excessiva à mulher ou às crianças”, disse Gilmar à época.

Adriana, no caso, é Adriana Ancelmo, ex-esposa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Implicado num colossal esquema de corrupção que o levou para trás das grades, o casal tinha dois filhos menores de idade, de 11 e 14 anos.

O caso de Cláudia Regina Luz, 48, não teve repercussão pública. Mãe de quatro, a caçula ainda uma criança de colo, ela só ganhou o direito de esperar em casa seu julgamento depois de meses na prisão, acusada de traficar drogas. Quando voltou, a filha, hoje com seis anos, não a reconheceu.

“Você não é minha mamãe, minha mamãe é ela”, disse então a menina, apontando para uma tia quase octogenária que cuidou dela no período em que a sobrinha ficou sob guarda do estado.
Hoje a lei entende assim: se você tem filho de até 12 anos ou está grávida, não tem por que ficar detida provisoriamente (antes da condenação), desde que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça a uma pessoa ou contra seu filho ou dependente.

Nem sempre a teoria vira prática. A Defensoria Pública fluminense fez um levantamento e detectou que, das 533 ocorrências de mulheres que participaram de audiências de custódia e preenchiam esses requisitos legais, 25% dessas mães de crianças, gestantes ou ambos os casos, não tiveram direito a ficarem retidas em casa.

Os dados contemplam de janeiro de 2019 a janeiro de 2020, período anterior à pandemia, portanto.
Foi o que aconteceu com Cláudia, que teve a prisão domiciliar negada. A maioria dos encarceramentos femininos se dá por furto ou tráfico de drogas. Com ela, foi a segunda opção. A polícia encontrou cerca de seis gramas de cocaína em sua casa, distribuídos, segundo ela, em nove sacolés de pó.

“Eu fazia o pequeno tráfico para ter dinheiro para botar comida dentro de casa. Tirava um pouquinho para eu usar”, conta ela. “Comecei com 13 anos. Cigarro, cola. Tinha um probleminha na minha casa, uma pessoa alcoólatra que cometia agressões contra a minha mãe. Logo caí [neste mundo] para poder relaxar.”

A juíza da primeira instância não deixou que Cláudia, mãe de dois menores de 12 anos, saísse da cadeia. Argumentou que o tráfico acontecia em sua residência, que ela expunha os filhos. O Tribunal de Justiça do Rio reverteu a decisão, lembrando que o delito não envolvia violência e que a quantidade de drogas era pouca.

Para Flavia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher na Defensoria do Rio de Janeiro, não é possível eclipsar “a discriminação de gênero muito grande” se quisermos entender o fenômeno que faz com que Cláudias continuem presas, quando a regra deveria ser o status concedido a Adriana Ancelmo.

“São usados como argumento os estereótipos de gênero, sobretudo no que se refere à maternidade”, diz Nascimento. “Acabam julgando de forma mais severa a mulher que pratica crime.”

Duas linhas de raciocínio são evocadas para tanto, segundo a defensora.
A primeira diz que a mãe que descuidou dos filhos ao incorrer no crime se faz dispensável para a criação deles. A segunda, que justamente por ser mãe a ré deveria ser mais zelosa.

Só que “não dá para ignorar a situação de pobreza extrema das fluminenses”, que inclusive se agravou em meio ao caos sanitário que sucedeu a pesquisa, afirma Nascimento.

Estudo da Fundação Getúlio Vargas revelou que a crise da Covid-19 jogou para a linha da pobreza quase 27 milhões de brasileiros. Em janeiro, 12,8% da população passou a viver com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8,20 ao dia).

A dificuldade de achar vaga em creches e o desemprego empurram mais mulheres para pequenos delitos, diz a defensora. Veja o caso de Cláudia: ela diz que ninguém lhe dava emprego, e traficar virou uma alternativa. Hoje, é auxiliar de cozinha num hospital e está limpa há três anos, afirma.

Foto de capa: Leo Drumond/ Livro Mães do Cárcere

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