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Nosso papo com Diva Menner, a primeira participante trans a chegar às semi-finais do “The Voice Brasil”

Por Cyro Moaris, freelancer de conteúdo da Casa 1

Mulher trans, negra e periférica. Diva Menner enfrentou desafios até se tornar a primeira mulher trans a chegar às semifinais do “The Voice Brasil”. A pernambucana de 36 anos respondeu a perguntas enviadas pelo blog da Casa 1, falando um pouco de família, como foram os desafios para se firmar como artista, como foi a sua experiência no maior reality show de música do país e dos seus planos para o futuro.

Casa 1: Vamos começar falando um pouco de você como pessoa física e não a artista. Como foi sua criação, sua família, sua infância? 

Diva Menner: Minha família é minha mãe. Minha mãe que me criou, não tive pai. Ela que assumiu essa responsabilidade de ser meu pai e minha mãe. Maravilhosa. E tenho uma irmã cis, mulher cis, maravilhosa. Tive uma infância no final da década de 80 para o início da década de 90, então, foi uma infância muito “infantil”, por assim dizer, brincava muito. Tive a sorte de ter sido muito bem criada nesse sentido. Falando da minha transexualidade, eu sempre fui muito quietinha. Na época, ainda enquanto menino, eu já tinha os trejeitos femininos, inclusive, eu já era confundida em algumas situações com menina, coisa que me aborrecia muito na época. Aborrecia muito mais a minha mãe, na verdade. Eu tinha medo, às vezes, de sair na rua com minha mãe para não ser confundida com uma menina. Isso acontecia muito na infância. Na adolescência, os hormônios vieram aflorando, os hormônios masculinos da puberdade, aí eu fiquei mais masculino, mas enquanto isso não acontecia eu sofria um pouquinho por conta disso.

E quando a música apareceu na sua vida? Quando começou a cantar?

A arte sempre foi muito presente. Eu lembro que eu desde criança, eu já desenhava, pintava, dançava muito bem, cantava as músicas da minha época, né? A música foi surgindo aos pouquinhos. Eu nunca imaginei que algum dia fosse me transformar numa cantora de profissão. E quando isso aconteceu, eu agarrei com unhas e dentes e já faz 15 anos eu vivo inteiramente da música. Comecei a me profissionalizar aos 18 anos quando ingressei numa escola de canto popular e, logo depois, eu fui para Conservatório Pernambucano de Música, estudar Canto Lírico e fiquei durante sete anos. Foi muito bacana porque eu conheci uma galera muito bacana da música, consegui conhecer um pouco mais da minha voz e obter umas técnicas para conseguir cantar de tudo.

E como foi sua trajetória na música até chegar no “The Voice”?

Falar de trajetória, é complicado porque eu ainda não realizei todos os meus sonhos, só um pedacinho. De conseguir viver da música e ter participado do maior reality show do mundo, dentro do meu País. Reality show musical onde eu pude mostrar minha voz, meu talento pro Brasil inteiro. Era só um pouquinho de um sonho que ainda tava tão distante. E hoje foi realizado, mas é só o início. Eu sou muito realizada nessa minha trajetória de cantora porque eu consegui e consigo viver inteiramente da música num País totalmente preconceituoso, num estado…numa cidade que não tedá tanta oportunidade de ser diferente e viver da tua diferença, da tua musicalidade. Não tem muita oportunidade e eu consigo. Aos trancos e barrancos, a gente consegue pagar as nossas contas, os nossos boletos.

Qual a sua memória mais marcante com a música?

Eu nunca vou esquecer de um dia onde eu fiz uma performance da cantora Alcione, caracterizada, vestida de Alcione, e ela assistiu. Se levantou, foi até o cara do som pegou o microfone, subiu no palco comigo e a gente cantou. Foi uma surpresa maravilhosa e eu nunca vou esquecer.

E quais são suas referências? Tem algum(a) ídolo(a)?

As minhas referências vão desde o jazz, blues, rock ‘n roll, samba, bossa nova. Essas grandes vozes dessas cantoras pretas americanas. Cantoras da MPB também, como Elza Soares, Elis Regina, minha encantam, de verdade. Eu tenho total influência dessas divas.

Você tem o sonho de dividir o palco com alguma cantora ou cantor?

Eu tenho um sonho de cantar, sim. Queria cantar com Michael Jackson, queria cantar com Whitney Houston. Ai, como eu queria com Aretha Franklin, com Tim Maia, queria ter cantado com tanta gente. Quem está com a gente e eu gostaria muito de cantar é a Elza Soares.

E como foi a seleção para o “The Voice”?

Eu tenho a plena convicção de que a minha seleção para o The Voice Brasil foi muito mais rígida, muito mais criteriosa pelo simples fato de eu ser uma mulher trans do que qualquer outro participante do programa. Mas o tratamento foi muito legal. Eu tive um apoio muito grande de toda produção, todo mundo, e foi muito bacana.

Passou de primeira ou fez mais de uma tentativa?

Fiz muitas tentativas. Fui escolhida umas 3 vezes para fazer as seletivas regionais, que são testes que eles fazem por todo o Brasil. Em 2018, eu já estava ‘na agulha’ pra fazer o 2019, mas acabei entrando no 2020.

Por que escolheu o time Iza?

Escolhi a Iza porque eu acho que a gente tinha mais a ver naquele momento. Talvez, o Carlinhos Brown, talvez o Lulu Santos seria bom pra mim também. Mas, por ela ser igual a mim, uma mulher preta, eu acho que isso também contou muito para eu ter escolhido a Iza.

O que acha que sua participação como primeira mulher trans no “The Voice” pode representar para a população LGBTQIA+ e, principalmente, para as pessoas trans?

Eu digo que eu tenho um orgulho muito grande de ter sido a primeira mulher trans a participar do The Voice Brasil, a chegar nas semifinais, porque a gente vai abrindo portas para as próximas. É uma responsabilidade muito grande ter sido referência, inspiração para muitas outras que sonham em subir naquele palco e tem algum bloqueio, algum receio de subir naquele palco e não conseguir pelo simples fato de ser trans. Não, você é capaz. Eu acho que um sonho quanto mais impossível de sonhar, quando você decide realizar, quando o universo te abre as oportunidades é muito mais gostoso. Foi o que aconteceu comigo. A gente tá abrindo portas para as próximas. Não só no “The Voice”, mas em qualquer outro lugar no mundo. A gente é capaz.

E tocado nesse tópico, como foi o processo de transição pra você?

Foi processo de transição foi bem tranquilo. Foi anônimo, por conta própria, pesquisando. Eu comecei a definir o que já era, mais ou menos, moldado no meu corpo. Naturalmente, eu sempre fui bem feminina, bem andrógino, eu diria. E os hormônios vieram para definir mais, o meu rosto, o meu corpo, minha pele. Depois, eu fui procurar um endocrinologista e passei três anos fazendo transição e ainda continuo na transição. Sempre. Mulher trans está sempre em transformação porque o uso do hormônio é bem lento. Bem mais lento para uma mulher trans do que para um homem trans. Mas foi bem tranquilo. Claro que o uso excessivo dos hormônios causa muita coisa ruim para nossa saúde física e psicológica. Mas tudo por uma boa causa, que é a gente se sentir bem. Conseguir se olhar no espelho e conseguir corresponder àquilo que nossa alma já era.

O preconceito é uma realidade na vida da maioria das pessoas trans e negras, é também o seu caso?

Já sofri preconceito e sofro até hoje na verdade. Quando eu fiz a minha transição, quando eu deixei de ser menino para ter minha alma e meu adequados, eu perdi muitas pessoas, muitas amizades, que eu achava que eram amizades e não eram. Perdi algumas pessoas, perdi…e assim, dou graças a Deus por isso ter acontecido, tá? Enfim, há males que vem para o bem. Pra gente e para o nosso crescimento. Já sofri, sim, preconceito por ser periférica, as pessoas não dão muito valor. Passaram a
me dar valor agora por conta do programa The Voice Brasil. Isso é Pernambuco, é Recife, é Brasil. Porque não vamos ser hipócritas e esconder a realidade no nosso país, que é realmente o país que mais mata transexuais no mundo inteiro, é um país muito preconceituoso, né? Onde as pessoas só valem o que tem. Infelizmente, as pessoas olham uma mulher trans como um objeto de desejo proibido. Todos querem, mas ninguém tem coragem de abraçar, de dar uma oportunidade, de pegar
na mão e levar pro cinema, dar um beijo. Ninguém tem coragem de fazer isso com a gente. Só escondido. Então, a gente vê que é país da hipocrisia nesse sentido também. E olhe que eu nem tô falando de política.

O que diria para outras pessoas trans que podem estar sofrendo preconceito ou passando por dificuldades no processo de transição?

Então, tem um conselho que eu dou porque há muitas meninas trans que acabam se descobrindo ese assumindo pra família e pra si mesma muito jovens. E, justamente por serem tão jovens, elas, às vezes, se precipitam. E, lá na frente, eu conheço várias que se arrependeram e sofrem muito por querer voltar ao que eram. Então, eu diria “espera um pouquinho”. Espera ficar com uns 18 anos de idade pra você saber o que você quer da sua vida de verdade. Se você realmente é uma pessoa trans. Eu sei que a nossa alma, ela fala. Muito. Mas o arrependimento, ele vem quando a gente menos espera. Eu conheço tantas trans que hoje não querem mais se assumir trans. E não são mais, elas se enganaram. Elas viveram aquele momento, mas não são mais. No meu caso, eu me descobri trans desde sempre, mas eu só quis assumir a minha identidade feminina depois dos 30 anos de idade, 34, 33, por aí… Hoje, eu tenho plena consciência do que é ser uma mulher trans e não quero voltar atrás.

E para finalizar, aquela pergunta clássica: quais os seus planos de futuro?

Esse ano vou lançar a minha música autoral, um clipe bem bacana. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos. Eu tô muito feliz.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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