BLOG

Nutrifavela: ‘A periferia tem direito a se alimentar de forma digna’

A nutricionista favelada Patrícia Santos conta o processo de criação da página “Nutrifavela”

Por Mariana Oliveira

Você já assistiu na televisão aqueles programas culinários com receitas que te dão água na boca, anotou toda a receita, mas quando chegou ao mercado ficou espantada com o preço dos ingredientes listados?

Pensando na própria realidade e das pessoas de sua comunidade na região do Jabaquara, zona centro-sul, Patrícia Santos criou o Nutrifavela, perfil culinário no Instagram. O grande objetivo do projeto é mostrar que a favela pode comer bem e saudável com o que tem disponível em casa.

“Uma coisa que sempre me incomodou em relação a nutrição é que eu só via páginas de nutricionista postando alimentos que não cabiam no meu bolso e muito menos das mulheres que moram na minha comunidade”.

O início de tudo

Conta que descontava suas ansiedades na comida após seu divórcio, mas não tinha essa percepção, que aconteceu um dia quando para trabalhar, Patrícia travou na catraca do ônibus. “Aquilo para mim foi bem impactante, caiu minha ficha”. Após o incidente, iniciou um processo de reeducação alimentar. Estudando sobre o tema ficou indignada com a linguagem e os produtos utilizados. “Pensei: como assim só tem coisa cara para o povo fazer?. O povo da minha comunidade não sabe o que é um salmão ou um mirtilo. Não sabe o que é um aspargo. O povo da minha comunidade sabe o que é uma banana, uma laranja. O que é arroz, feijão, ovo, sardinha”.

A partir destes questionamentos ingressou no curso de nutrição.

“Eu falava que seria a nutricionista da quebrada, da favela, do povão. E deu certo”.

Recorda que as críticas não se limitavam em ser um corpo gordo, negro e favelado na universidade, era voltado também ao não ter um celular ou computador. Patrícia é mãe solo e sempre trabalhou muito para sustentar a casa, cursou a faculdade sem bolsa de estudos, e passou por momentos de dificuldade financeira.

Nutrifavela nasceu em 2018 e, para além de aproximar os seus da boa alimentação, sua intenção era desvincular a ideia de que nutrição só serve para dietas e emagrecimento. “Comecei a mostrar a verdadeira nutrição para a periferia, para as mulheres negras. Precisava falar o que é nutrir a minha comunidade, mães solo como eu para ter força e garra para criar e cuidar dos seus filhos”.

O projeto foi crescendo e os convites para entrevistas na televisão surgiram. “O Nutrifavela é uma empresa registrada. Hoje, eu trabalho só no Instagram, as redes sociais são minha fonte de renda”.

Mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras estão em insegurança alimentar e optam por adquirir produtos industrializados por serem mais baratos do que os in natura. A nutricionista sugere que, tendo a possibilidade, opte por comprar frutas ou legumes da época, que estarão mais baratos. Além de manter uma relação próxima com feirantes da região. “Pergunte ao feirante se pode vender mais barato. Às vezes eles não querem vender porque o tomate, por exemplo, amassou”.

Como conseguir comer bem

Com o Nutrifavela, garante que todos conseguem cozinhar sem desperdícios. “Não conseguiu comprar uma carne moída, um frango? Faz um bifinho de chuchu, um bolinho de arroz. Todas as minhas receitas tem opção de fazer frito, no forno, na fritadeira elétrica ou no forno elétrico, porque às vezes a dona de casa não quer usar o gás porque está muito caro”.

As receitas e o modo preparo são pensados na rotina de mulheres como ela mesma, que na correria do dia a dia não tem tempo para nada. “Chego em casa limpo e a casa, trabalho, cuido de criança. Então eu penso na mulher que como eu chega cansada, mas tem que fazer comida para os filhos”.

Mesmo com o tempo curto, a criatividade para novas receitas está sempre presente, a dificuldade fica a cargo de gerenciar seu tempo e gravar. “Sempre chamo alguém para me ajudar a lavar a louça, ou pelo menos segurar o celular”.

A criadora de conteúdo digital se orgulha ao dizer que o Nutrifavela se tornou um símbolo para todas as mulheres e percebe a transformação na vida das pessoas. “Não faço questão de nenhum homem me seguir. Recebo muitas mensagens bonitas e assim vejo o fruto do meu trabalho”.

Ela costuma ser questionada se tem condições de sair da favela, em resposta afirma que tem, mas não é seu desejo.

“Onde vou, quero que as pessoas vejam a favela, isso é o meu orgulho”.

Acesse o site da Nós, Mulheres da Periferia.

Foto de capa: Divulgação

Nós Mulheres da Periferia é um coletivo jornalístico independente, transparente e apartidário formado por jornalistas moradoras de diferentes regiões periféricas da cidade de São Paulo. Atuantes em diferentes plataformas de comunicação, sua principal diretriz é disseminar conteúdos autorais produzidos por mulheres e a partir da perspectiva de mulheres, tendo como fio condutor editorial a intersecção de gênero, raça, classe e território. O conteúdo do Nós Mulheres da Periferia é livre de direitos autorais e reproduzido aqui no site da Casa 1 com os devidos créditos.

Notícias Relacionadas

Loucura como diagnóstico da fome? Como a insegurança alimentar afet...

Rapper Iza Sabino canta amores lésbicos e o protagonismo das mulheres

Sexo entre vulvas e a desafiadora conversa sobre métodos de proteção

Rede em SP articula propostas para o bem-estar de jovens LGBTQIA+

Só tem filme de época? 7 indicações de obras sáficas com temas atuais

Para ler e assistir: obras para comemorar a Visibilidade Lésbica

Festival Internacional de Cinema e Alimentação em Brasília aborda s...

10 questões fundamentais para entender o debate sobre aborto

5 influencers LGBTQIAPN+ que falam sobre veganismo

PerifaCon: A Comic Con das Favelas retorna em edição presencial

Mostra de cinema dá visibilidade às produções feitas por mulheres

33 milhões passam fome no Brasil, diz pesquisa