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CULTURA DO SONHO

Como mulheres negras atraem outras para o mercado tech

Reportagem: Edilana Damasceno
Dados: Paulo Motta, Samantha Reis e Estephany Nunes

Arte: Juliana Messias
Edição: Fred Di Giacomo

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, já ensina a filósofa afro-americana Angela Davis. É o que tem acontecido no mercado de tecnologia, predominantemente masculino e branco.

Ainda minoritárias, elas estão aumentando sua presença em empresas tecnológicas. Isso, porém, tem ocorrido graças ao suor de outras mulheres negras, que se juntam para aconselhar e até pagar pelos estudos de aspirantes a um lugar ao sol neste ramo.

A pesquisa #QuemCodaBR, feita em parceria por PretaLab e ThoughtWorks, mostra a sub-representação de gênero e raça no mercado da tecnologia. Estudo sobre raça de profissionais de empresas de tecnologia constatou que só 36,9% são pessoas pretas ou pardas. Por outro lado, homens correspondem a 48,2% da população, mas são 68,3% dos profissionais da área.

Ainda assim, mulheres negras são o grupo que mais cresceu na área de tecnologia da informação, de acordo com dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2016 a 2019 (os mais recentes). A presença delas aumentou 0,6%, enquanto caiu o número de mulheres brancas, homens negros e homens brancos ocupados na área.

‘Criar fenda no rochedo’

Para Cris dos Prazeres, 49, coordenadora do projeto Vai na Web, ter mulheres negras entrando no mercado da tecnologia “é quase criar uma fenda no rochedo para deixá-las entrar”. Desde 2017, a iniciativa fortalece a “cultura do sonho” ao oferecer cursos, mentoria e bolsas na área tecnológica. Já são mais de 200 estudantes formados, dos quais 55% estão empregados e 48% voltaram a estudar e/ou estão na universidade.

A gente tem uma geração de meninas que não se permitiam sonhar ou que não foram, na realidade, alimentadas para serem sonhadoras”

Cris dos Prazeres, coordenadora do projeto Vai na Web.

“Por que vocês estão falando tudo em inglês?”

“Eu sou bocuda”, brinca Patrícia Gonçalves, 28, gestora do UX para Minas Pretas (UXMP) – UX é como se referem na área a “experiência do usuário”. Ela é redatora de UX desde 2019 no PicPay.

Ao ingressar no ramo da tecnologia, ela logo se deparou com o lado excludente e elitista do mercado ao ser bombardeada com palavras como “front-end”, “development”, “growth”. “Eu chegava nas reuniões perguntando: a gente não tem conteúdo em português? O que é essa palavra? Não entendi…”

Trabalhando na área, ela percebeu que o peso de ser quem era, no ambiente em que estava, era dez vezes maior. “Isso acarreta coisas da cobrança de ser uma pessoa negra. A gente já sabe: é sobre não poder errar. E se você errar, como vai lidar com isso?”, questiona.

Patrícia queria evitar continuar a ser uma exceção no ambiente de trabalho. Quase pensou em desistir. O caso dela não é isolado. Em 2020, 8,8% das pessoas contratadas pelo Google nos Estados Unidos eram do grupo Black+ (que abrange também pessoas que se identificam com mais de uma raça), o maior contingente de novos funcionários. O grupo também foi o que mais pediu demissão. E as mulheres negras encabeçavam a lista, assim como eram os maiores alvos de atritos dentro da empresa.

“No final do dia eu pensava: cara, ‘eu não sou capaz’. Era aquela síndrome de impostor, de que você não vai conseguir”, diz Patrícia.

Ela conta que se não fosse pela sua comunidade de mulheres negras, em especial o UX para Minas Pretas (UXMP), não teria conseguido superar as dificuldades. No projeto, ela e suas colegas promovem ações para levar equidade de gênero e raça ao mercado de tecnologia, por meio de bolsas em cursos, grupos de apoio e redes de contatos.

Para Patrícia, elas tentam fazer com que a comunidade receba tudo do que mulheres como ela sentem falta no início de suas trajetórias: acolhimento, compreensão e senso de coletividade: “O mercado não te dá isso; ele é bem cruel. Como ele está crescendo, é muito rotativo, então, você pode entrar muito fácil, mas ser demitido muito fácil também.”

“Meus sonhos de fazer robozinho”

Já Dandara Nogueira, 23, não esconde: seu sonho é ser treinadora na IBM. Moradora da comunidade do Arará, na zona norte do Rio de Janeiro, ela se autodeclara favelada. Apaixonada por programação, ela gosta de “desmontar coisas” desde pequena. No entanto, acabou virando estudante de ciências sociais após ouvir que não possuía o perfil apropriado para trabalhar com tecnologia.

Larguei a eletrônica, larguei todos os meus sonhos de fazer robozinho e fui para ciências sociais”

Dandara Nogueira, estudante de ciências sociais.

Cerca de 3% dos alunos dos cursos de engenharia da computação eram mulheres negras, segundo o Censo do Ensino Superior de 2019 (último dado disponível). A baixa presença também se repete em outros cursos de tecnologia, como ciência da computação e jogos digitais.

Dandara conta que, ao concluir o curso técnico de eletrônica, em que era uma das cinco mulheres de 45 estudantes, a escassez de oportunidades de trabalho era tanta que ela resolveu abandonar seu sonho.

Foi somente após conhecer iniciativas como o Vai na Web que ela reconheceu sua vocação para tecnologia. Ela foi aluna do projeto e hoje é instrutora. “Se eu não tivesse achado as referências e os acolhimentos que tive, talvez eu ainda estivesse nas redes sociais triste, porque ninguém me contratava pra programar e é disso que eu gosto”, diz.

A programadora conta que, sendo uma mulher preta e favelada, era difícil se enxergar em um ambiente “cheio de homens brancos de terno”. Hoje, atribui o fato de poder viver da tecnologia às mulheres negras que conheceu e nas quais se espelhou. Ela diz que lhe faltava referência e oportunidade: “comecei a ver que eu tinha o potencial, que o querer já era o suficiente”.

Atualmente, a jovem ressignifica os comentários negativos que recebeu e percebe que ser quem ela é, na verdade é um diferencial: “Eu percebi que o que me disseram que era falta, na real, era lugar de muita potência. Dessa falta de material, fui construindo rede e a partir dessa rede eu fui entendendo quem eu sou nesse mundo”, conta.

CIBERMINAS

UX para minas Pretas

UX para Minas Pretas é uma iniciativa que visa capacitar mulheres negras para democratizar o acesso ao mercado de user experience. 

Vai na Web

Vai na Web é uma rede de alta tecnologia e impacto social. Sua missão é reduzir as desigualdades sociais através da capacitação e do desenvolvimento da força de trabalho de jovens pretos e periféricos.

PretaLab

PretaLab é uma iniciativa do Olabi com foco em estimular a inclusão de meninas e mulheres negras e indígenas no universo das novas tecnologias.

Acesse aqui o site do Data Labe.

O data_labe é um laboratório de dados e narrativas na favela da Maré – Rio de Janeiro. No centro dos projetos desenvolvidos está a questão do imaginário construído sobre a cidade e seus habitantes. O laboratório nasceu em 2015 nas dependências do Observatório de Favelas, em parceria com a Escola de Dados, e hoje se estabelece como organização autônoma e autogerida. As ações estão organizadas em três eixos: jornalismo; formação; e monitoramento e geração cidadã de dados.

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