Paula Beatriz, 50, já tem o nome na história. Educadora da Escola Estadual Santa Rosa de Lima, no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, ela é a primeira diretora trans de uma escola pública da cidade de São Paulo.
Seu nome tem até verbete no Wikipedia e a trajetória dela foi contada nos filmes “Meu Corpo Político” e na série documental “Transgente”. Agora, esse reconhecimento está marcado também nas ruas do bairro onde mora. Ou melhor, em uma travessa.
“Meu nome fica registrado para sempre, né?”, diz Paula. Desde maio, uma das travessas da favela do Jardim Mitsutani, também no Capão Redondo, ganhou o nome de Professora Paula Beatriz.
A iniciativa de nomear um dos pontos do bairro foi dos próprios moradores envolvidos no Instituto Ação Geral, ONG com atuação esportiva e cultural a fim de melhorar o nível educacional dos jovens na região, em parceria com a Enel, empresa de distribuição de energia elétrica na capital.
O objetivo em comum das duas entidades é a regularização do terreno onde fica a travessa, que fica na rua Cabeceiras de Basto.
O local é onde fica a sede da organização e não foi uma escolha aleatória. O grupo tinha nomes de algumas personalidades históricas e ativistas envolvidos em mudanças do mundo, mas uma coisa essencial para eles é que essa pessoa tinha que estar viva e ainda colaborando para mudanças sociais.
Formada em pedagogia, Paula começou a carreira de professora aos 18 anos. Além de diretora, leciona na rede estadual de ensino de São Paulo desde 1989, quando ingressou na Escola Estadual Presidente Kennedy.
Apesar do reconhecimento e da mudança de pensamento dos moradores da região, Paula diz que o país ainda não acolhe pessoas que nem ela. “Enquanto a gente celebrar o nome na travessa, tem gente sendo espancada e morta no Brasil por ser quem é”, completa.
De acordo com dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil ocupa o topo nos índices de assassinato de pessoas trans. Em 2020, foram 175 vítimas assassinadas. Ainda de acordo com o levantamento, as travestis negras e moradoras das periferias que se prostituem são a maioria entre as vítimas.
Em meio a tantas notícias ruins e dados negativos da população, Paula diz que um dos passos para a mudança é o reconhecimento de que as pessoas trans, como ela, são seres humanos. “Precisamos dar um passo atrás e ver a humanidade dessas pessoas. Comunicar que, antes de tudo, são humanos e devem ser vistos assim”, aponta.
Um dos articuladores para a concretização foi o advogado Flávio Moura de Campos, 29. Para ele, ações como essa contribuem na discussão por tirarem as pessoas trans da invisibilidade. “Possibilita que ‘corpos invisíveis’ pelo sistema sejam vistos, ouvidos”, comenta.
Na intenção de mostrar e incentivar crianças e adolescentes a entender e respeitar a comunidade LGBTQIA+, foi escolhido o nome de Paula. “Ela é uma representante desse grupo de invisibilizadas, de mulheres que só são vistas para serem agredidas, ofendidas e expostas ou objeto de chacota pela sociedade.”
Flávio diz que perguntas como “Quem é a professora?”, “O que ela faz?”, “Qual a história dela?” devem se tornar comuns e, assim, instigar a curiosidade em conhecer mais e criar identificações. “Uma mulher trans negra de periferia, opa! Alguém se identifica? Será que tem uma mina igual?”.
O objetivo coletivo dos moradores ali é que a comunidade LGBTQIA+ possa enxergar futuro para suas vidas e ter ambições pessoais, profissionais e afetivas.
“Não vão te impor a esquina, não vão te impor à margem. Nós, pessoas negras, não temos que viver sob a imposição de nada”, completa Flávio. “Nós vamos à travessa, às ruas, às montanhas, para os vales. Vamos falar onde a gente quiser e os nomes serão conhecidos.”
A Prefeitura de São Paulo, por meio do Núcleo de Denominação de Logradouros e Próprios Municipais, disse que desconhece a quantidade de pessoas negras e trans que nomeiam as vias da cidade, pois muitas homenagens foram feitas por diversos motivos.”Temos um banco de dados com quase 50 mil nomes, muitos desses não tiveram justificativas ou históricos registrados.”
Para os próximos anos, o órgão diz que planeja a atualização dos históricos.
MAS O QUE É UMA PESSOA TRANS?
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a identidade de gênero se refere à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Na prática, as pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que designado no momento do nascimento.
Uma pessoa transgênero ou trans pode identificar-se como homem, mulher, trans-homem, trans-mulher, como pessoa não-binária ou por outros termos.
Ainda de acordo com a entidade, identidade de gênero é diferente de orientação sexual, já que essas pessoas podem ter qualquer orientação sexual, como heterossexual, homossexual, bissexual e assexual.
SÃO PAULO, SP
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