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Os aviões

Como prevenir a queda

Por Marcos Visnadi

A cada dia caem novos aviões, com centenas de passageiros em cada um e uma tripulação inestimável. Caem sobre prédios ou campos abertos, matam outras centenas de pessoas ou algumas vacas no solo, deixam arbustos feridos, mas os arbustos não entram na contagem. Destroem tudo o que choca com a queda.


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Inventaram aviões recobertos de borracha e de pelúcia. Funciona assim: quando cai, a máquina quica fofa. Os passageiros muito bem atados, presos em microcápsulas e altamente protegidos, nem percebem. Em solo, tudo que o avião toca é esmagado e morre. Outro problema: quando ele cai no mar, se empapa da água salgada e afunda até que ninguém mais o encontre. O fundo do mar é mais desconhecido da ciência do que os confins do universo. Centenas de naves empapadas cobrem a superfície estrangeira das fossas abissais. Os peixes passam por elas com suas lanternas.


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Colocaram telas de proteção sobre as cidades. Nos latifúndios do campo, depende do investimento da Monsanto. Assim, agora, quando os aviões caem eles quicam um quilômetro acima da nossa cabeça e já não tem mais perigo. As pessoas, os prédios, o gado e as gramíneas agradecem. O sereno da madrugada condensa nas telas e pinga na gente até próximo do meio-dia. Os ecossistemas se ressentem, principalmente em alguns lugares de concentração de queda de avião. A sombra só deixa que as plantas sombrias cresçam. Há uma epidemia de falta de vitamina D. Problema: o que fazer com toda essa gente presa, trapezista no céu, esperando resgate? Problema: como cobrir todos os mares?



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A última edição da Convenção Internacional de Especialistas em Quedas de Avião estava pela metade, novamente, porque aviões caíram no caminho. O presidente da associação abriu os trabalhos com um discurso emocionado, anunciando os resultados do relatório técnico sobre a queda. Segundo esse relatório, é impossível evitar que aviões caiam. Os jornais notaram o semblante melancólico dos homens da ciência. A única solução, segundo o relatório, é reverter a gravidade, mas isso é pouco provável, dada a limitação da nossa técnica e do nosso conhecimento.

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A gravidade finalmente foi revertida. Os aviões, pasmem, já não caem mais. Todos chegam ao destino. Os destinos, no entanto, se desprendem do chão e vagam aleatoriamente na atmosfera do planeta. Os aviões ficam suspensos, eternamente procurando o seu lugar de pouso. As águas deixam os seus leitos e misturam-se ao ar sobre os continentes. Aumenta o número de mortes por afogamento.

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*Este texto foi escrito para a Edição 18 da Revista GENI e republicado com autorização do autor

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