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A categoria mais representativa do Prêmio Jabuti

O Prêmio Jabuti é considerado um dos mais importantes do Brasil no campo da literatura. Sua primeira edição foi em 1959, quando premiou Jorge Amado na categoria romance com “Gabriela, Cravo e Canela”.

O nome da premiação se deu pelos pulsantes movimentos modernistas e nacionalistas do período de criação, quando se valorizava a cultura popular brasileira e as raízes indígenas e afrobrasileiras. Ao longo dos seus 62 anos, o Jabuti  foi realizado em diversos lugares: na sede da Câmara Brasileira do Livro, durante Bienais do Livro, no Memorial da América Latina, na Sala São Paulo e no Auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer.

No total, são 20 categorias divididas em quatro eixos: 1. Literatura, com conto, crônica, histórias em quadrinhos, infantil juvenil, poesia, romance de entretenimento e romance literário; 2. Ensaios, com artes, biografia, documentário e reportagem, ciências, ciências humanas, ciências sociais e economia criativa; 3. Livro, com capa, ilustração, projeto gráfico e tradução; 4. Inovação, com fomento à leitura e livro brasileiro publicado no exterior.

Porém, como não poderia deixar de ser, a premiação está de forma constante sob os holofotes pela falta de representatividade dos e das premiadas. Na constante disputa do “não temos autores negros premiados por que não temos autores negros publicados ou não temos autores negros publicados porque não são premiados?”, debate que se estende ainda para mulheres, pessoas indígenas, pessoas trans e diversos outros sujeitos dos chamados grupos minorizados.

Por isso celebramos com orgulho as indicações dos e das 10 finalistas da categoria conto divulgada na semana passada. Do total, sete títulos são de autoria de mulheres, pessoas negras, amarelas e marrons.

Confira a seguir os títulos:

Cadernos Negros – Volume 42, de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa.

Este volume 42 traz contos de escritorxs de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina, Maranhão e Ceará. São histórias que permitem olhares diversos sobre assuntos como relações afetivas, memórias familiares (há textos interessantes que resgatam a imagem de mães e avós), violência policial, o dia a dia nos quilombos, e muitos outros.

Organizado por Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro, este volume, como os outros da série, foi feito de forma colaborativa e proporciona a oportunidade de se conhecer o que de mais atual vem sendo produzido no campo da literatura afro-brasileira.

Ela queria amar, mas estava armada, de Liliane Prata.

Nas vinte histórias que compõem este livro, Liliane Prata traça um panorama atual e corajoso das relações – e das tensões – entre mulheres e homens. Privilegiando o ponto de vista feminino e alternando entre momentos de ternura enternecedora e de crueza absoluta, as narrativas sempre surpreendem, em textos urbanos e intensos, ora nervosos, ora líricos, ora repletos de humor. Os personagens vivem os mais diversos conflitos, e neles podemos facilmente reconhecer amigas e amigos, mães e pais, filhas e filhos e até a nós mesmos.

As temáticas dos contos são universais e inseridas no contexto urbano brasileiro, e a dificuldade de se relacionar anda lado a lado com o cansaço típico da nossa época, a angústia, a fragilidade psíquica, a dificuldade de ouvir o outro. Crises de ansiedade, depressão, burnout, transtorno alimentar, idas frequentes ao psicólogo e consultas no Google são comuns entre os personagens, que oscilam entre excesso de informação do mundo e falta de conhecimento de si mesmos; entre a raiva e a mágoa e a vontade de viver, amar e receber amor.

Ela queria amar, mas estava armada é um fascinante mergulho na pluralidade feminina, um convite ao autoconhecimento e à possibilidade de nos colocar no lugar do outro e entender melhor os sentimentos, os sonhos e os temores que, no fundo, são comuns a todos nós.

Gosto de amora, de Mário Medeiros.

“Com olhares atentos, os personagens de Gosto de Amora sobrevivem em ambientes conturbados. Para superar os obstáculos, eles são matreiros em captar cada aprendizado do mundo exterior. Nesta tentativa de permanecerem vivos, revelam, em grandes ou pequenos gestos, seus atos de resistência diária.

Os contos do Mário Medeiros revelam sentimentos, memórias e uma busca de compreensão e sentido a partir de experiências singulares. Seus personagens respiram e inspiram. Eles se conectam com nossas memórias, nossas águas profundas. Nos humanizando, eles podem nos tornar melhores. A partir daquele oceano profundo, talvez seja possível alcançar a superfície e vislumbrar algum horizonte.” – Marcelo D’Salete

Passagem estreita, de Divanize Carbonieri.

Passagem estreita de Divanize Carbonieri aborda um universo de mulheres marginais, subterrâneas, rebaixadas a uma condição ínfima na sociedade, que protagonizam histórias de luta, violência e superação. Guerrilheiras, escravas, jovens de periferia, professoras, escritoras, indigentes insistem e teimam em sobreviver e romper as estruturas opressivas de submissão e reprodução da subalternidade. Uma mente feminina lucidamente crítica e irônica escrutina os jogos de aparências e de dissimulação que encobrem a barbárie imperante. As personagens e as narradoras, problematizadas, imbuídas de uma sensação de que a vida não vale a pena, de um conflito de consciência, são colocadas em situações extremas em que o dialógico, a alteridade e a diferença levam ao adensamento da crise interior.

Rachaduras, de Natalia Timerman.

Rachaduras, estreia na ficção de Natalia Timerman, elenca 22 contos que falam dos dilemas do desejo em uma sociedade marcada por insatisfações, medos inconscientes, impasses sociais e pela agitação dos acasos cotidianos. Os textos da autora apresentam uma escrita ao mesmo tempo segura e experimental, tendendo ao poético, por meio de uma prosa límpida e permeada de oralidade, própria de uma expressividade inventiva e repleta de meandros significativos.

O livro é dividido em três partes. “Felizes para sempre”, a seção de abertura, traz histórias de casamentos, vida com os filhos, noites atormentadas pela insônia e pelo ímpeto de mudança, pela aposta de, uma vez mais, alcançar o prazer incerto da vida diária. A promessa de felicidade duradoura se esvai nos meandros do cotidiano atarefado, no desgaste e nas pequenas fissuras das relações.

O teor irônico do nome da primeira seção se repete na segunda parte, “Príncipes e princesas”, onde personagens em busca do amor romântico, ou simplesmente de satisfazer suas ilusões de paixão e interesse pelo outro, terminam por se desencontrar ou se desinteressar mutuamente. Em alguns dos contos a interferência das novas tecnologias indica que — além de facilitar a comunicação — as redes sociais, o celular e outros canais de informação também contribuem para os descaminhos dos desejos.

A terceira parte, que fecha o volume, intitula-se “Outros planos”. Os contos ganham um alcance temático mais amplo e se abrem para experiências da conflagração do espaço urbano, da desigualdade e das diferenças agudas. A linguagem e a estrutura dos contos também se deslocam para uma elaboração mais tensa. Sobressai o uso de uma linguagem das ruas, das gírias e de falas involuntárias. A experimentação também atinge a própria estrutura do conto, que tende a outras formas, como a do prontuário, da crônica e do diário. Algo da experiência pessoal da autora como médica psiquiátrica também avulta nessa seção sobre o descentramento do eu em um mundo de fortes contrastes, diversidade e sofrimento emocional.

Como diz o escritor João Anzanello Carrascoza, no texto de orelha do livro, os personagens do livro estão “à caça de uma furtiva felicidade”. Para a escritora Giovana Madalosso, que escreveu um texto para a quarta capa do livro, os contos da autora são “escritos com o cérebro à flor da pele”. Neles, “atravessamos a superfície do banal para encontrar o subterrâneo complexo e muitas vezes inesperado das relações”.

“Rachaduras” marca a primeira publicação ficcional da escritora e psicoterapeuta Natalia Timerman, depois de sua aclamada estreia com “Desterros” (ed. Elefante, 2017), um relato sobre a experiência da autora como médica psiquiátrica no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo.

Redemoinho em dia quente, de Jarid Arraes.

Escritora conhecida por seus cordéis, Jarid Arraes estreia no gênero dos contos em Redemoinho em dia quente. Focando nas mulheres da região do Cariri, no Ceará, os contos de Jarid desafiam classificações e misturam realismo, fantasia, crítica social e uma capacidade ímpar de identificar e narrar o cotidiano público e privado das mulheres.

Uma senhora católica encontra uma sacola com pílulas suspeitas e decide experimentar um barato que a leva até o padre Cícero, uma lavadeira tenta entender os desejos da filha, uma mototáxi tenta começar um novo trabalho e enfrenta os desafios que seu gênero representa — Jarid Arraes narra a vida de mulheres com exatidão, potência e uma voz única na literatura brasileira contemporânea.

“O leitor se surpreenderá com a originalidade e a fluência da voz que aqui, nestes contos, enfrenta e revela o emaranhado de contradições que cada um de nós carrega.” – Maria Valéria Rezende

Sombrio Ermo Turvo, de Veronica Stigger.

Este grupo de ficções de Veronica Stigger — contos, causos, epifanias, poemas e textos de inspiração teatral — oferece, com sua variedade de forma e ritmos, um conjunto absolutamente irresistível, aterrador e risível de nossas fragilidades (do corpo e da mente). A história do aluno de colégio invejado por levar tupperware preto; o dia em que nevou numa cidade dos trópicos; o longo conto-poema sobre sangue, menstruação e morte.

Ototo, de Henrique Komatsu.

“Ototo” é um livro sobre o silêncio: o silêncio que existe entre um pai e um filho, o silêncio que existe entre as palavras, o silêncio do sagrado, o silêncio das lacunas na memória, o silêncio que habita o desconhecido, o estranho, o silêncio da vergonha, o silêncio da violência e o silêncio da dor, o silêncio do final. Os doze contos tratam dessas variadas formas de quietude, apresentando ao leitor o que sobra aos personagens quando vivem cada uma dessas ausências: diante do silêncio de um pai, o que sobra? Diante do silêncio do divino, sobra o que? Diante do silêncio da vergonha, da violência, da dor, do esquecimento, diante do silêncio final, o que resta ao personagem? “OTOTO”, palavra que intercala a sonora vogal “O” e a consoante surda “T”, trata dessas consonâncias entre o dito e o não dito.

Urubus, de Carla Bessa.

“A verdade é que estão se devorando uns aos outros. E depois nós é que somos os abutres, nós os fatídicos, os mau-agourentos, o ser humano é um bicho estranho mesmo. A nós deixam o trabalho de livrá-los de seus próprios restos. Deviam nos agradecer. Desta vez demos cabo de tudo rapidamente, afinal, era tão pequeno o manjar, terminamos sem deixar resquícios, raspamos o prato, como eles dizem, cientes da importância do nosso trabalho. Pois se estamos no fim da cadeia, também fechamos um círculo, somos: recomeço.”

A lista completa dos vencedores e vencedoras será divulgada no dia 26 de novembro de 2020 no site do Prêmio Jabuti.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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