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[Artigo] Como você se vê?

Por Alisson Diego Machado, nutricionista e voluntário da Clínica Social Casa 1

Carolina está desconfortável com seu corpo e isso tem afetado a relação com sua namorada. Érika decidiu colocar próteses de silicone para ter um corpo tido como feminino. Paulo começou a fazer musculação recentemente, pois se sente muito magro. Jean, por outro lado, sente que tem dificuldade de se relacionar por estar acima do peso. Além de serem pessoas LGBTQI+, todos eles possuem algo em comum: problemas de imagem corporal.

Mas afinal, o que é isso?

Podemos definir a imagem corporal como a percepção que a pessoa tem de seu próprio corpo, independentemente de como esse corpo seja. É importante dizer que a imagem corporal, apesar de individual, é algo socialmente construído. Assim, pessoas obesas que façam parte de um círculo social em que há pessoas gordofóbicas tendem a ter uma maior insatisfação corporal do que uma pessoa que não é obesa, por exemplo.

Todas as pessoas podem ter problemas de imagem corporal, sendo o principal tipo a insatisfação com o próprio corpo, que é o que Carolina, Érika, Paulo e Jean apresentam. O fato deles serem pessoas LGBTQI+ também é algo relevante, já que alguns estudos mostram que a prevalência de pessoas com insatisfação corporal e transtornos alimentares é maior na comunidade do que em pessoas heterossexuais.

Todas as siglas têm problemas de imagem corporal?

Como dito anteriormente, todas as pessoas podem ter algum grau de insatisfação corporal. Contudo, a experiência parece ser diferente entre pessoas LGBTQI+. Se tomarmos as mulheres cis lésbicas como exemplo, podemos ver que, apesar de elas apresentarem uma prevalência de insatisfação corporal semelhante às de mulheres cis heterossexuais, a imagem tida como ideal por elas é diferente de mulheres hétero. As mulheres lésbicas e bissexuais, em geral, não se importam tanto em serem tão magras, por exemplo. E isso parece ter a ver com o fato da comunidade lésbica não se importar em ter um corpo maior ou, em outras palavras, se importar menos com o padrão de magreza imposto às mulheres, demonstrando que o grupo social com que você se relaciona influencia a forma com que você se enxerga.

Contudo, em mulheres transsexuais e travestis a situação é diferente, já que muitas podem sofrer de disforia corporal. A disforia é a discordância entre o sexo atribuído ao nascer e o gênero com que a pessoa se identifica e, igualmente importante, também diz respeito ao sofrimento e ansiedade que isso pode causar. Assim, não é difícil imaginar que problemas com a imagem corporal sejam frequentes em mulheres trans e travestis. Uma das principais consequências da insatisfação corporal pode ser o desenvolvimento de transtornos alimentares, que possui uma prevalência igualmente alta em pessoas trans, além de problemas de ansiedade, depressão e autoestima.

Aqui é importante abrirmos um parêntese e dizer que há um movimento entre mulheres trans e travestis de que a feminilização não é algo que precise ser almejado, já que obviamente ser mulher vai muito além de um corpo tido como feminino. Atualmente o número de mulheres trans e travestis que decidem não realizar a terapia hormonal ou qualquer procedimento estético está crescendo. Ainda não sabemos o impacto que esse movimento pode causar na saúde mental, mas é possível dizer que será benéfico, já que a insatisfação corporal é um fator que causa sofrimento.

Por outro lado, em homens trans a passabilidade (capacidade de ser considerado um homem cisgênero por outras pessoas) parece ser algo almejado. Não é difícil imaginar o motivo, uma vez que nossa sociedade valoriza o homem másculo e viril e, ao se adequarem a esse molde, problemas comuns a pessoas trans, como discriminação e assédio, tendem a ser menos frequentes. Contudo, dados sobre imagem corporal em homens trans ainda são escassos.

Já a imagem corporal de homens gays é algo mais conhecido. Afinal, quem não conhece o estereótipo do gay bonito, malhado e, preferencialmente, branco? E quem também não conhece como os demais corpos são excluídos sistematicamente da comunidade? Não à toa os homens gays são os que mais formam tribos, como os sarados, ursos, discretos e afeminados, por exemplo. Boa parte dessas tribos está relacionada à aparência ou a um comportamento que muitas vezes é refletido na imagem. Fato é que isso contribui para a divisão da comunidade e com a precarização da sua saúde mental, contribuindo com quadros de depressão, ansiedade e dificuldade de relacionamento.

Assim, podemos observar que apesar de suas particularidades, a insatisfação corporal é algo relevante em pessoas LGBTQI+ e que contribui para o aumento do sofrimento. Produto de uma sociedade que valoriza o padrão estético, devemos nos perguntar a que custo isso a imagem é importante e, mais que isso, reconhecer que estamos excluindo sistematicamente corpos que deveriam estar andando ao nosso lado.

Bibliografia

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Burnette CB, Kwitowski MA, Trujillo MA, Perrin PB. Body appreciation in lesbian, bisexual, and queer women: examining a model of social support, resilience, and self-esteem. Health Equity. 2019;3(1):238-45.

Henn AT, Taube CO, Vocks S, Hartmann AS. Body image as well as eating disorder and body dysmorphic disorder symptoms in heterosexual, homosexual, and bisexual women. Front Psychiatry. 2019;10:531.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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