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BBB 22: Vigiar os gastos de pessoas pobres é concordar com a falácia da meritocracia

Um dos assuntos — dentro e, principalmente, fora — da casa é a diferença entre a realidade financeira dos participantes desta edição. De um lado temos participantes como Jade Picon e Tiago Abravanel, que tiveram uma vida repleta de privilégios e do outro temos Vyni Fernandes e Jessilane Alves, que têm uma história completamente diferente dos endinheirados. 

O buraco entre essas duas vivências ficou ainda maior quando, em uma conversa com o ator e cantor Tiago Abravanel, Jessi explicou o que era o FIES (Programa de Crédito Educativo do governo federal) e como o programa permitiu que ela conseguisse concluir sua graduação em Biologia para o artista, que não conhecia o fies. 

A professora já mencionou na casa que está com boletos do financiamento atrasado e, em entrevista, a irmã Caroline Alves explicou que a dívida começou quando Jessi foi mandada embora e passou de um salário de R$2.800,00 para um de R$800,00. 

Essa diminuição na renda fez com que o pagamento das parcelas ficasse inviável. Ela planejava pagar o que ficou pendente com o salário de um concursado que prestou antes de entrar no reality. Jessi passou para o cargo que desejava em primeiro lugar, mas optou por tentar mudar a vida radicalmente participando do programa. 

Muitos questionamentos foram gerados aqui fora apontando a desvalorização dos profissionais da educação, e até o perdão da dívida de bilionários e de igrejas, mas não de alunos oriundos das classes mais baixas que devem para o programa de financiamento estudantil. Dentro dessa cacofonia da internet, uma opinião se sobressaiu e causou reações diversas nas redes sociais: uma usuária do twitter printou uma foto do perfil da participante no Instagram com um Iphone 11 com o seguinte texto “Jessi disse essa manhã para o Thiago que não paga o FIES desde agosto de 2019 por falta de condições, mas tem um iPhone 11 que foi lançado em setembro de 2019. Essa conta não fecha, se tá devendo o FIES foi por escolha dela e não por falta de dinheiro, iPhone 11 R$5.000,00 #BBB22”. 

Muitas pessoas concordaram com esse posicionamento enquanto outras discutiam contra esse tipo de opinião nos comentários. O tweet gerou até uma resposta da equipe que administra o perfil da participante nas redes e de Caroline, que disse que a irmã comprou o Iphone parcelado, depois de vender o celular antigo, como um presente para si mesma e como forma de melhorar a qualidade de suas aulas remotas. 

Em outra edição, a participante Gleici Damasceno também foi julgada por falar de dívidas fora da casa e ter um (isso mesmo) guarda roupa em casa. 

Essa tendência de “vigiar e punir” os gastos da classe mais baixa não acontece só com pessoas em grande exposição, como as participantes no reality, mas aconteceu recentemente com ativistas do MTST por distribuírem marmitas com camarão seco. 

Esse tipo de discurso acontece porque as pessoas continuam vendo as classes mais altas como detentoras de todos os poderes, os únicos que podem ter uma vida mais confortável. Veem a compra de produtos mais caros como um merecimento e não um direito. Isso é um pensamento forjado na falácia da meritocracia: se ela não trabalhou para pagar as parcelas, ela também não merece, na cabeça dessas pessoas, desfrutar de um Iphone (que é visto como um item de luxo e um objeto de valor social, mas isso é conversa para outro texto). 

A colunista da Elle Brasil, urbanista, arquiteta e ativista, Joice Berth, em um post no Instagram comentou o caso e disse que as pessoas continuam acreditando e replicando a “lógica da meritocracia” porque “não quer[em] encarar a conversa sobre sua própria exploração histórica, sobre estruturas de poder consolidadas e os truques capitalistas para acúmulo de riquezas”.

É importante também acrescentar aqui que esse discurso, alimentado pela elite que reverbera na classe média, que diz que o trabalhador esforçado também consegue mudar de classe e que essa mudança depende apenas da vontade e não de heranças e de bons contatos (e um pouco de passar a perna na justiça tributária) é falacioso e cruel. 

A indignação de quem vive em um país dolorosamente desigual e acha que pessoas mais pobres deveriam trabalhar apenas para sobreviver, sem se permitir um agrado, ou o consumo de algo que não foi “destinado” para eles não aparece quando ricos fazem compras extravagantes: Jade Picon comprou dezenas de calcinhas “descartáveis” para não precisar lavar roupa no programa e não rendeu tanto assunto quanto o celular da professora.  

Na postagem criticando a compra, outros professores se manifestaram. “Não precisa ficar se explicando não. Professor pode sim ter vida digna e consumir as coisas, vamos parar de ficar reforçando esse estereótipo de que professor é sempre um miserável que não pode consumir nada, fazer nada”, disse um internauta, e outro completou “Mesmo que não fosse para dar aula. Ela tem o direito de ter o que pode pagar. Não trabalhamos só para comer, estão descobrindo isso só agora?“. 

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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