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Como as crianças começaram a fazer parte da Casa 1

Por Bernardo Camara, voluntário do GT de Comunicação da Casa 1

Mal entrei na Rua Condessa de São Joaquim e de longe já dava pra ver algumas cabecinhas de criança correndo de um lado pro outro na calçada. Cheguei à Casa 1 e conheci os figuras: Isaías e Airton moram na rua de cima e toda quarta-feira pulam da cama cedinho para bater ponto ali às 10h onde desde o início de abril rola o projeto Casa Aberta para Crianças.

Quem lidera a tropa mirim é a arquiteta, cenógrafa e professora Livia Loureiro. Ela já chega no clima: atravessando a rua com o caçula no peito, com uma mão segura o filho mais velho e com a outra empurra um carrinho de bebê. Ah, ainda sobra braço para carregar uma sacola recheada de papel, giz, tecidos e fios para interagir com a galerinha que não para um-mi-nu-to.

Livia nem se abala com o alvoroço. Entra no jogo, faz uma roda, canta com eles e cola papéis enormes no chão pra turma desenhar. Com um jeitão lúdico, usa o próprio corpo e os gestos das crianças para exercitar a criatividade deles num traçado livre. “A ideia é fazer exercícios que brinquem com o corpo no espaço e o desenho como expressão de gestos”, explica a professora.

Quintal de casa

No início do ano, foi batendo perna pelas calçadas do bairro que Livia trombou com aquela casa de portas escancaradas. Olhou, parou, se informou, simpatizou, voltou mais vezes. Numa delas, rolava uma festinha-verão com direito a piscina na calçada e criançada em peso. Achou um bapho. “As crianças brincaram muito, inclusive meus filhos. Achei muito potente, não só ter uma casa de acolhida LGBT como poder trabalhar a aproximação do bairro com a casa em vários âmbitos, entre eles a infância”, diz.

Na primeira reunião de voluntários da área de arquitetura, Livia estava lá. Levantou a mão e propôs uma oficina semanal voltada para crianças. A galera, que já estava pirando em mil formas de aproximar a casa da vizinhança, achou a ideia ótima. E rapidinho nasceu o Casa Aberta para Crianças.

“Não é que o bairro tenha poucos equipamentos culturais. Mas o uso dos espaços da cidade não é democrático. Você vai a um centro cultural, por exemplo, e é super fechado, com um monte de seguranças. As crianças não vão”, diz ela. “A ideia de fazer um trabalho num espaço aberto, com portas voltadas para a rua foi o que me motivou. Aqui é um lugar em que as crianças conseguem vir sozinhas, não precisam nem que os pais tragam”.

De fato, Isaías e Airton chegam ali como se estivessem chegando no quintal de casa. Pé descalço, falando com todo mundo, o pai passa, dá um abraço, vai embora, eles seguem, dão uma saidinha, voltam… Estão em casa. “Eles mesmos chegam, eles mesmos saem… Outro dia eu trouxe uns tecidos coloridos, eles pegaram e começaram a dançar, a performar na rua”, conta Livia. “Isso é muito bom, terem um lugar onde podem ir com segurança e exercitar essa autonomia”.

Imagem: Iran Giusti

Pluralidades

Nas oficinas de quarta-feira, as atividades propostas por Livia em geral não abordam as questões LGBT. Aliás, este nem é o objetivo. “Na Casa 1, a república de acolhida tem um público bem específico, enquanto no centro cultural a gente considera a vizinhança em sua pluralidade”, diz Bruno Oliveira, que coordena o centro cultural da casa e buchas em geral. “Nós consideramos as questões de gênero, mas precisamos também abraçar esses outros públicos para construir uma ideia de diversidade de fato”.

Livia também acha que o caminho é por aí. “Só o fato de eles estarem fazendo essa oficina numa casa de acolhida LGBT já ganha outra camada de entendimento que ajuda na quebra do preconceito”, diz. E a molecada acaba sendo como uma ponta de lança, levando para outros espaços a vivência gostosinha que tem ali.

“A gente vai construindo com as crianças um processo de atenção para diversidade. E isso acaba reverberando nas famílias ou mesmo na escola”, afirma Bruno. “O fato de funcionar um centro cultural embaixo da república de acolhida faz com que a Casa 1 esteja protegida afetivamente, porque o bairro já simpatiza com a iniciativa”, diz Livia.

E pra quem está ali dentro, a impressão é esta mesmo. Volta e meia passa criança, adulto, velhinhos esticando o pescoço e botando a cara pra saber o que tá rolando ali dentro. Uma senhorinha que já deve ter seus 80 anos sempre passa com o netinho de colo. E toda vez avisa com um sorriso: “Quando crescer ele vai vir aqui pra desenhar”. A gente espera que sim.

Confira a programação completa para as crianças na página da Casa 1 no Facebook.

Iran Giusti é formado em Relações Públicas pela FAAP, passou por agências como TVRP e Remix Social Ideias. Como jornalista atuou no Portal iG, BuzzFeed Brasil. Atualmente é repórter no Terra Nós e diretor institucional da Casa 1

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