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Em novo disco, Linn da Quebrada suaviza linguagem sem perder tom político

Linn da Quebrada quis fazer um disco para que sua mãe pudesse ouvir. “Ela diz que agora é que vou fazer sucesso”, diz a cantora, que lança seu segundo álbum, “Trava Línguas”. “É curioso. Ela acha que, por ‘Pajubá’ ter muito palavrão, não teve tanto alcance -apesar de ter tido. Mas, para mim, ver ela cantarolar as músicas e dizer que adora já é uma vitória.”

Entre “Pajubá”, álbum de 2017 com que Linn da Quebrada despontou, e “Trava Línguas”, a vida dela se transformou. Além dos milhões de visualizações de seus vídeos, ela fez turnê por 15 países, estrelou o elogiado documentário “Bixa Travesty”, o filme “Corpo Elétrico” e a série “Segunda Chamada”, além de comandar o talk show “Transmissão”, no Canal Brasil.

Se a verborragia de “Pajubá” dava vazão a um grito preso na garganta -de uma trans no país que mais mata essas pessoas-, “Trava Línguas” chega quase como um sussurro, e o verso “divagar mais, divulgar menos” surge como lema.

“Tudo que construímos com ‘Pajubá’ foi produto do tempo. De abrir brechas, construir rachaduras e fissuras através das marcações que estavam em nossos corpos. Foi através da minha narrativa, do que eu estava construindo pela minha identidade, que consegui chegar a esses lugares.”

Depois de alguns anos na indústria do entretenimento, Linn agora rebola para não cair nas armadilhas do mercado e tenta entender como se posicionar nesse espaço -conquistado, aliás, no grito.

Em “I Míssil”, single de “Trava Língua”, entre um trompete e graves profundos, Linn se vê arremessada no show business. “Percebo que há um interesse agora -porque nossos corpos se tornaram rentáveis- desse mercado marcado por nossas cicatrizes, para que elas se tornem seus slogans e façam parte de suas etiquetas. Mas acho que hoje entendo melhor esses jogos.”

Ela fala, por exemplo, da categorização de certos artistas num gênero musical. “O que é ‘música LGBT’? Nossas músicas são muito diferentes umas das outras. Logo, o que está sendo categorizado, mais uma vez, é o meu corpo. Se música for categorizada a partir da identidade, deveria existir uma música cis, heterossexual.”

O mercado, diz Linn, “separa um pequeno território e coloca todos os artistas LGBTs para disputar esse espaço entre si”. “Dizem ‘aqui é o lugar da sua resistência, é aqui que você pode circular com sua música’. Não só LGBT, mas ‘música de resistência’, ou ‘música negra’.”

O resultado desses questionamentos são 11 faixas de um disco político nas intenções, mas não explícito na linguagem. “Trava Línguas” esbarra na MPB, mas não abandona a inspiração na música dançante -house, jungle, reggaeton.

Linn agora deixa de lado os graves estourados para experimentar com a percussão de sabor latino de Dominique Vieira e as guitarras e teclados de Badsista -talentosa DJ paulistana que assina a produção do álbum, além de trompete e cordas em “Quem Soul Eu?”.

A música “Medrosa”, com uma levada de bossa nova, usa falas de Stela do Patrocínio, empregada doméstica carioca que passou cerca de três décadas de sua vida internada em hospitais psiquiátricos.

“A Stela, hoje tida como poeta, seus falatórios tidos como obra, na verdade foi patologizada, ‘psiquiatrizada’ e encarcerada na Colônia Juliano Moreira até a morte. Seus falatórios, registrados a partir de entrevistas, denotam a violência à qual ela foi submetida. A partir dessas entrevistas uma branquitude construiu livros, músicas desses falatórios, mas nunca se preocupou com a Stela”, afirma a artista.

A Linn da Quebrada de “Trava Línguas” também está mais comedida nas palavras. O erotismo latente de “Pajubá” agora dá lugar ao romance -na balada “Tudo”-, e as letras em geral estão mais enxutas.

Mas a poesia e os jogos de palavras continuam guiando o trabalho da cantora. “Nem tudo que vende vem de mim ou vem de nós”, ela canta em “Dispara”, que tem versos em espanhol por Luísa Nascim.

Linn ainda diz que exigiu coragem para se apresentar mais vulnerável, como quando repete “eu não sei fazer justiça” em “Medrosa”. “Não prometo a salvação. O mercado diz que, por eu estar ocupando este lugar, todas nós vamos conseguir. Isso é uma mentira.”

“Não posso representar toda uma comunidade. Somos múltiplas, diversas. A representatividade tem que servir não como objetivo final, mas como processo. Também estou tentando entender isso. E, ao mesmo tempo que estou tentando escapar, também quero construir essas brechas.”

SÃO PAULO, SP

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