BLOG

Porque bairros com maior população negra em SP são mais afetados pela Covid-19

Por Lucas Veloso, Eduardo Silva, Paulo Talarico, para Agência Mural

Sapopemba, zona leste de São Paulo. Brasilândia, zona norte. Grajaú, Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís, na zona sul.

Estes seis distritos das periferias da capital paulista fazem parte dos distritos com maior população negra na cidade. Desde o começo da pandemia do novo coronavírus, são também alguns dos locais com maior número de mortes por Covid-19.

Apesar da falta de dados sobre raça e cor das vítimas da doença, indícios mostram que a população negra tem sido mais atingida pela doença, em especial por conta das desigualdades sociais existentes na cidade.

Dos 48 distritos que possuem maior população negra, 32 deles estão entre os que lideram o número de mortes e mortes suspeitas.

Nos últimos dias, uma edição do Mapa da Desigualdade, publicação anual da Rede Nossa São Paulo, tratou do tema.

O levantamento apontou que os distritos do Jardim Ângela e do Grajaú, onde respectivamente 60% e 57% da população se declara preta ou parda, foram 507 mortes e mortes em investigação somadas.

Em contraponto, os dois distritos com menor proporção de população negra entre os habitantes, Alto de Pinheiros (8%) e Moema (6%), registram os menores números de vítimas, com 110.

Lápide em cemitério na zona norte de São Paulo. Crédito: Léu Britto/Agência Mural

Para Silvia Lopes, 50, doutora em geografia humana e professora na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a estruturação da cidade atende uma lógica racista, o que explica os números.

“[Essa estrutura] contribui na seleção dos espaços para investimentos públicos e induz a construção das moradias dos trabalhadores, especialmente negros, para essas áreas precárias. Nesses lugares também estão as favelas”, pontua Silvia.

Ainda de acordo com o Mapa da Desigualdade, os distritos que não reúnem domicílios em favelas, de acordo com dados oficiais, têm baixo número de óbitos por Covid-19, em comparação com a média da cidade. Alto de Pinheiros, Bela Vista e Moema estão entre eles.

Por outro lado, os distritos com mais óbitos pela pandemia somam o índice de casas em favelas três vezes maior que a média da cidade. Brasilândia e Sacomã têm 30% e 28% de seus domicílios em favelas. Somados, concentram mais de 500 mortes e mortes em investigação.

A doutora diz que o conceito de necropolítica – desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe –  em que um conjunto de medidas define quem deve viver e quem deve morrer pode amparar a discussão sobre o maior impacto da pandemia entre as pessoas negras.

Para ela, enquanto o processo de construção continuar permeado pelo racismo não haverá mudanças positivas. “A prática constante de negação aos direitos da população negra está ligada à existência e perpetuação da ideologia do racismo”.

Cemitério do Jardim São Luis, na zona sul de SP. Crédito: Léu Britto/Agência Mural

Um estudo do Instituto Polis também aponta para esse maior risco durante a pandemia. A falta de serviços de saúde nas periferias e as condições de habitação e saneamento são citados como pontos que agravaram a situação.

“Os fatores que ligam a pele negra com o risco de morte por Covid-19 em São Paulo não são biológicos, mas sim ligados à precariedade de infraestrutura à qual negros são submetidos historicamente”, escreveu Danielle Klintowitz, coordenadora da organização.

Além disso, a questão da renda também afeta. Ao longo da pandemia, moradores de várias regiões não puderam manter o isolamento social, para conseguir manter a renda da casa.

“Pretos são grande parte da população de baixa renda, residentes de favelas, trabalhadores informais e que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) para acesso à saúde”.

Bairros em Atenção

Na última semana, a Prefeitura de São Paulo informou que tem dez vezes mais casos de Covid-19 do que os confirmados oficialmente –  o número deve passar de 1 milhão. A gestão também apontou que outros distritos das periferias tem tido um número de mortes por 100 mil habitantes que deve redobrar a atenção.

Ao longo das últimas semanas, os distritos de Sapopemba, na zona leste, Brasilândia, na zona norte, e do Grajaú, na zona sul, aparecem como as regiões da capital com maior número de mortes confirmadas ou em investigação por causa da Covid-19.

No entanto, os dados divulgados nesta quarta-feira (22) colocam sob atenção outras regiões da capital paulista, que proporcionalmente tiveram mais perda. Quatro delas são da zona leste, em especial Iguatemi, Guaianases, Lajeado e Jardim Helena.

Todos eles tiveram uma taxa de 120 mortes confirmadas e suspeitas de terem sido causadas pelo novo coronavírus para cada 100 mil moradores.

Além destes quatro, as regiões da Brasilândia e da Cachoeirinha, na zona norte, e da Sé e do Brás, no centro, estão enquadradas nesse cenário.

A taxa por 100 mil habitantes serve para estipular o quanto proporcionalmente já houve de casos em uma determinada região. Nessa soma, Sapopemba que teve 300 mortes aparece abaixo, pois é mais populosa do que os distritos de Guaianases, por exemplo, onde vivem 200 mil moradores.

“A mortalidade proporcional vai permitir identificar em cada distrito da cidade quais foram as comorbidades que se aliaram ao Covid, o que a atenção básica vai ter de fazer a cada momento”, afirmou o secretário municipal de saúde, Edson Aparecido.

O secretário afirma que há ‘estabilização’ no número de novos casos o que deve manter as medidas de flexibilização do isolamento social.

Na sexta-feira (26), a cidade de São Paulo, assim como outras 14 da região metropolitana, está na fase amarela, que permite o início de algumas atividades econômicas. A partir do dia 6, estão previstas a possibilidade de reabrir bares e restaurantes.

Imagem de capa: Bairro da Brasilândia Jonathan dos Santos

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

Notícias Relacionadas

Alcoolismo feminino: violência de gênero e alternativas no tratamen...

O que diz nova resolução do Governo de SP sobre pessoas LGBT+ no si...

Casos de HIV cresceram 17% no Brasil, aponta boletim do Ministério ...

Cinema gratuito e ao ar livre apresenta “Cartas para Além dos...

Mulher trans teve cirurgia negada no SUS e leva Brasil à Corte Inte...

AzMina lança site que reúne todas as informações sobre aborto no Br...

Casa1 participa do 1º Encontro de Referência LGBTQIAPN+ em Fortaleza

Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista

Lula veta parcialmente projeto de marco temporal do Congresso

Exigir cirurgia para trans irem a prisões femininas é política tran...

A cara da dura: homens trans do RJ enfrentam o preconceito na hora ...

O que você precisa saber sobre a ADPF 442, que pede a descriminaliz...