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Saudações à UFRJ: relato de uma ex-aluna

Por Vanessa Soares, educadora da Casa 1

“Vanessa, estude para ser livre”

Essa é a frase que desde 2006 acompanha meu corpo, meu imaginário e meu destino, uma espécie de profecia anunciada pela boca da professora Doutora Maria Ignez de Souza Calfa, pelos corredores e salas da Escola de Educação Física da UFRJ, onde me graduei em Dança. A Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) foi fundada em 17 de abril de 1939, com o nome de Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) da universidade do Brasil (UB) – a primeira Escola Superior Civil de Educação Física do país, e o primeiro Curso de Licenciatura em Educação Física no território brasileiro. Conto isso na tentativa de contextualizar, de apresentar a importância óbvia desse espaço ou de resgatar as memórias deste país que desaparece a cada dia, mas percebo que a realidade é uma faca no peito que impede a respiração, então escrevo na direção de sua voz, para buscar o ar junto com sua profecia que nunca abandonou meus ouvidos e desejos.

Querida Mestra Ignez, suas palavras ainda permanecem dançando em minha coluna, quando fecho os olhos sinto o cheiro dos livros amontoados no pequeno espaço que chamávamos de LAE – Laboratório de Arte e Educação, o cigarro, os figurinos, as macumbas, as gargalhadas e as lágrimas. Tenho observado a crueldade para não repeti-la como procedimento, porque os nossos inimigos caminham sobre os rios afogados, sobre as carcaças apodrecidas daquilo que eles destroem, queimam nossos livros, nosso alojamento, nossas pesquisas e riem um sorriso sem graça de satisfação e poder. Eu os odeio! O pensamento ultimamente não encontra coerência, respirar já não é possível, meu estômago dói, eles investem no fim, no desencanto e na morte. Eles riem! Riem e saem às ruas para gritar palavras de horror. Eu os odeio! Mas sei que a Universidade Pública é um campo aberto, grande, verde e banhado de sal, nossa Cidade com ônibus gratuito que facilita os deslocamentos e as paixões. Como quem respira entre as brechas dos escombros é que escrevo, vivendo agora na condição de observar as ruínas e os desmoronamentos da Universidade que me acolheu, neste universo sou apenas um caso dentre muitos outros amparado pelas políticas públicas de permanência na Universidade, que colaborou para que no ano de 2012 eu me tornasse a primeira pessoa graduada da minha família.

Era possível responder com vitalidade e brilho nos olhos aos meus pais quando me perguntavam: o que você estuda? Para que serve estudar Dança? PARA SER LIVRE! Respondia com vigor.

Me exercito para não fazer desta conversa contigo um relato romantizado, porque sabemos que as bases de sustentação da instituição de ensino superior no Brasil necessita urgente de transformações, a rigidez da academia já nos fez lavar o chão frio dessas salas com lágrimas, exercitar os questionamentos, as escolhas, as lutas e as mudanças também causam dor para alguns corpos.

Eu te pergunto: em que medida observar as ruínas das paredes de cimento é também observar as ruínas de nós? Manter as paredes erguidas, as pesquisas vivas, os investimentos na educação em movimento. Eu não duvido do que diz Angela Davis: A Liberdade é Uma Luta Constante!

Estudar para ser livre é o nosso Destino, e acredito nele todos os dias, por isso sei que Viveremos, Recriaremos, Caminharemos, Nasceremos de novo, quantas vezes for necessário.

Com carinho e profundas respirações…

Vanessa Soares

Graduada em Dança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuou como aluna pesquisadora no Laboratório de Arte Educação ( LAE ) coordenado pela Professora Doutora Maria Ignez de Souza Calfa. Atriz e Multiplicadora do Grupo Nós do Morro. Articuladora do Rosa de Sangue Movimentos Artísticos. Atualmente Educadora na Casa1 – SP. Seus trabalhos artísticos buscam a criação de espaços de liberdade, potencializando as margens, as encruzilhadas, as diferenças e as possibilidades de fuga.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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