BLOG

15 coisas que as pessoas surdas querem que você saiba

Recentemente vocês tem visto que tem rolado matérias aqui no blog da Casa 1 envolvendo as pessoas surdas e isso se deve principalmente ao fato de que eu, Jorge, ser surdo e durante as reuniões da equipe de comunicação que integro achamos necessário ter mais pautas relacionadas à surdez e a comunidade surda em geral, visibilizando o tema.

Cabe ainda aqui dizer que acredito que esses conteúdos são essenciais como uma oportunidade de auto-análise das pessoas ouvintes para que percebam visões erróneas sobre nós, surdos. E para começar, listo 15 coisas que os surdos querem que você, leitor, saiba!

Bora dar uma lida? <3

1 – Todos os surdos são pessoas com deficiência auditiva mas nem toda pessoa com deficiência auditiva é surda

A atriz surda Millicent Simmonds que ganhou projeção mundial com o longa “Um Lugar Silencioso”

As pessoas acham que ser surdo é igual ser pessoa com deficiência auditiva. E não é, pois o termo surdo está mais ligado a uma identidade como ser bicha e existe todo um contexto social e cultural por trás: a pessoa surda convive numa comunidade, com outros iguais e fala numa língua própria, com gírias e hábitos individuais e sociais únicos. E a “pessoa com deficiência auditiva” é um termo técnico da área de medicina usado para falar de alguém que possui perda de audição, seja completa ou parcial.

Qualquer indivíduo pode ter perda de audição, inclusive você, leitor. O mais comum é a perda de audição súbita e a de por uso intenso de fone de ouvido/headphone. Portanto todos os surdos possuem perda de audição mas nem todas as PcDA – Pessoas com Deficiência Auditiva –  são surdas. Da mesma forma que existem os surdos sinalizados (que dependem 100% de Libras) e os oralizados (que dependem da oralização), os surdos que usam AASC (aparelho auditivo), os que usam IC (o implante coclear) e os que não usam nada, o que é o meu caso.

2 – Nós podemos curtir músicas

No carnaval deste ano em uma ação da Skol, pessoas surdas foram no bloco da Anitta no RJ com uma mochila que intensificava as vibrações da música.

Muitos imaginam que por perdermos a audição não podemos ouvir as músicas e acreditam que para usufruir a música, você tem que ouvir. A verdade é que não precisa ouvir para poder apreciar a música, tem como explorar e curtir de outras formas: a vibração corporal, o ritmo, a batida, o toque, entre outras formas. E tem também o senso comum de que ser surdo é não ouvir completamente. Como eu falei anteriormente, cada pessoa surda possui o nível de perda de audição e se é em dois ouvidos ou num lado só.

3 – Sabemos os pajubá e arrasamos muito falando em Libras

Sim, existe gírias LGBT em Libras e é bastante comum na comunidade surda LGBT e a gente ARRASA E AMA usar! Mas, sim, tem os de heteros… Eis um video da Kitana citando alguns pajubás:

4 – O acesso à informação cultural e social ainda é limitado

Símbolo oficial para indicar acessibilidade em Libras do conteúdo

Muitos surdos sofrem com a barreira quando se trata de acesso à informação na TV, na internet e nos jornais por diversos fatores como a limitação de conhecimento na Língua Portuguesa já que só uma parcela bem pequena consegue dominar bem o idioma para compreender o que está sendo dito na imprensa, na novela, entre outras coisas e o Closed Caption dos canais brasileiros é bem defeituoso (e requer melhorias).  Tem a questão da inclusão dos surdos nas escolas: a maioria das famílias prefere isolar o surdo e não incentivar a leitura, o aprendizado e ensinar a criança a compreender. Poucos tem esse hábito e é por isso que muitos escrevem erroneamente (pois seguem a sintaxe da Língua Brasileira de Sinais).

5 – Existem várias línguas de sinais

Diferentemente do que a maioria pensa, a Libras não é uma língua universal e é só do Brasil, por tanto que a nomenclatura é uma abreviação de Língua Brasileira de Sinais. Cada país possui a sua língua de sinais e por incrível que pareça, existem até arvore genealógica quando se trata de línguas de sinais como as línguas anglos-saxônicas e latinas. A LSF (Língua de Sinais Francesa) é a língua-mãe de várias línguas de sinais existentes no mundo todo. Mas, sim, temos uma língua universal como o Esperanto que é bastante usado em conferências internacionais onde surdos de vários países participam.

6 – Existem surdos influenciadores e celebridades

Existem muitos influenciadores surdos no Brasil e no exterior onde tem o seu prestígio e admiração pela comunidade surda e é claro, temos pessoas surdas que são atores e atuam nos filmes/seriados de Hollywood como o estadunidense Nyle DiMarco, a Katie Leclerc e o brasileiro Harry Adams que atua na série Crisálida, uma série brasileira que tem na Netflix.

Do elenco de “Switched at Birth”, Katie Leclerc e Marlee Matlin (vencedora do Oscar de melhor atriz por “Filhos do Silêncio” em 1987) são surdas.

7 – A expressão facial é importante na hora de falar em Libras

Vocês já notaram ao ver algum interprete em algum vídeo/live fazendo muitas expressões faciais, né? A expressão facial é um fator muito importante para a compreensão da fala da mesma forma que pessoas ouvintes usam para dar uma entoação na voz, sabe? É isso mesmo, a gente usa para acentuar algo como expressar tristeza, raiva, felicidade ou para adjetivar, caracterizar (classificar tamanho, forma e estado) e sentenciais (afirmações e interrogações).

A intérprete fazendo expressões faciais durante a live do presidente Jair Bolsonaro.

Lembrando que não é tolerável rir das expressões faciais pois rir disso é como tirar sarro do sotaque de alguém e desmerece toda a importância disso para os surdos entenderem o que está sendo dito.

8 – Existem vários meios de comunicação

A artista surda Christine Sun Kim comunicando com o público dela usando o celular.

É muito comum eu conhecer algum ouvinte no trabalho ou na rua mesmo e ele ficar receoso por não saber se comunicar em Libras. Não tem problema, mas também é interessante pensar que existe uma grande variedade de meios de comunicação e é possível utilizar várias delas: a mais comum é a escrita no bloco de notas de papel. Dá para conversar com um surdo desta forma e eu já fiz várias vezes com os colegas de trabalho, inclusive na Casa 1. E a outra forma é usar o WhatsApp ou algum tipo de serviço de comunicação escrita para conversar no celular. Ou a mímica. O importante é você tentar!

9 – Os nossos sentidos são aguçados

Cena da série “Crisálida”, a primeira série de ficção dramática bilíngue, em Libras e português, realizada no Brasil

O ser humano tem cinco sentidos (o olfato, o paladar, o tato, a visão e a audição), certo? Quando você perde um dos sentidos, a tendência é o corpo fazer com que os outros sejam intensificados, ou seja, a falta de audição é compensada com uma visão mais ampla, o tato que faz você sentir mais coisas que um sem perda de algum deles, entre outros exemplos. No meu caso, o sentido mais intensificado é o tato. Eu sinto muita vibração no corpo em relação ao som mas já estou habituado e consigo ignorar automaticamente da mesma forma que o seu cérebro esconde o seu nariz do campo de visão.

10 – Existe a polarização dentro da comunidade surda.

O discurso da primeira-dama Michele Bolsonaro em Libras na posse do presidente Jair Bolsonaro

Para a surpresa de muitos, rola muita polarização entre os surdos em vários temas como a política, existem os bolsominions e os petistas e na área de saúde tem os que defendem o uso do IC (implante coclear) logo ao identificar a surdez depois do bebé nascer e os que defendem a autonomia do pessoa de escolher ao crescer. E também tem os que defendem que a criança tenha autonomia de escolher aprender a falar ou usar Libras. Eu mesmo defendo que é interessante que a criança seja educada de duas maneiras e com o tempo ela analise o que prefere.

11 – A comunidade por mais que seja polarizada é bem unida e luta muito pela visibilidade

O lambe-lambe usado nas ruas de São Paulo na época onde o Corposinalizante fez uma manifestação política. Com o Leonardo Castilho fazendo a sequência dos sinais.

Sim, por mais que exista a polarização, quando acontece algo com a comunidade, a gente sempre busca se unir para defender e lutar como o grupo Corposinalizante luta para que tenha legenda na TV brasileira, sobretudo os filmes nacionais (aqui você pode ver o vídeo Atrás do Mundo onde eles mostram a luta) ou quando as organizações como as associações e as escolas especializadas para surdos fizeram uma manifestação de visibilidade para surdos.

12 – Ser surdo é uma luta política

A manifestação contra o fechamento das escolas especializadas para surdos ocorrida no dia 29 de setembro de 2009.

A gente tem que cobrar constantemente a acessibilidade em todos os ambientes sociais e lidamos com o audismo (uma forma de discriminação direcionada a pessoas surdas, as ações que elas fazem para ajudar na comunicação com os outros e a imposição da cultura ouvinte nos surdos) e o capacitismo em todos os ambientes sociais. A gente tem essa sensação de que é preciso matar um leão por dia para conseguir viver.

13 – Precisamos quebrar o senso comum de que os surdos são inocentes, desprovidos de maldade e de ódio

Eu como surdo, observo que muita gente vê as pessoas com deficiência como pessoas inocentes, que não teriam como fazer alguma maldade justamente por terem uma deficiência. É uma visão bem capacitista pois dá a entender que somos inferiores e que vêem a “deficiência” como inferioridade intelectual. Usarei esse acontecimento como um exemplo: Viralizou um vídeo de um rapaz com deficiência física e vocal (mudez) assaltando uma joalheira e repercutiu bastante. Qual foi o motivo da repercussão? O Usar o fato dele possuir uma deficiência como se fosse algo chocante de acontecer. E não só isso, a apresentadora do “Triturando”, um programa do SBT, a Flor Fernandez usou isso para fazer chacota e imitar o assaltante, o que é completamente desprezível E CRIME pois descriminou o rapaz por ser PcD. Eis a publicação da influenciadora com deficiência, a Mariana Torquato. Clique aqui para assistir ao vídeo.

14 – Os surdos se relacionam afetivamente e sexualmente da mesma forma que os ouvintes

O ator surdo Nyle DiMarco em uma cena romântica na série “Station 19”

Como eu havia dito anteriormente, as pessoas tem o senso comum de ver as PcD como indivíduos inferiores e incapazes de ser iguais aos que não possuem alguma deficiência e isso se estende em todos os campos da vida, inclusive na vida afetiva. Os surdos possuem e sabem se relacionar afetivamente e sexual com outros surdos ou ouvintes (pessoas que ouvem) e muitos fazem isso. É algo completamente normal e funcional para nós, sabe? Mas os ouvintes tendem a ficar mais curiosos quando se trata da vida sexual: ficam perguntando se a gente geme, se a gente faz de tudo, como lida com os sons, essas coisas. A gente aprende da mesma forma que os ouvintes: os filmes pornôs, escola, entre outros meios de leitura/visualização e reproduz. É algo que todo mundo faz. Em relação aos gemidos, todos gemem. No mínimo fazem sons de ar ofegante, de “ai”, entre outros. Varia de pessoa para pessoa.

Mas, sim, infelizmente rola muita fetichização por parte de ouvintes que veem a pessoa surda como experimento social e sexual e nenhum surdo gosta (muito menos as pessoas com deficiência) pois o que queremos é ser vistos como vocês e não algo diferente. Eu mesmo fico constrangido quando alguém fala ‘poxa, nunca fiquei com um surdo. vai ser uma experiência interessante’.

15 – A gente sabe quando estão falando de nós

Leo Castilho, Stefany Krebs e Kitana Dreans que estão nesta lista de influenciadores surdos que fiz aqui pro blog da Casa 1

Por engraçado que pareça, sim, a gente sabe quando estão falando de nós. A gente analisa muito o corpo, as expressões, os olhares, fora que tem a leitura labial, né? Então tomem o cuidado! 😛

Espero que gostem! <3

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

Notícias Relacionadas

16 indígenas LGBTQIAPN+ para seguir no instagram e ter muito orgulho

Ministério dá posse a membros do conselho LGBTQIA+

Memorial da Resistência lança campanha de doação de livros escritos...

Nova exposição temporária do Museu da Língua Portuguesa é um mergul...

Museu da Diversidade Sexual comemora Dia das Crianças com oficina s...

9,3% dos brasileiros acima de 16 anos são LGBTI+, diz pesquisa

Festival Pop Pride celebra a diversidade em Floripa

Após 20 anos, ‘Queer as Folk’ ganha reboot no streaming

PerifaCon: A Comic Con das Favelas retorna em edição presencial

“Todos os Gêneros”: Itaú Cultural aborda a cultura lésb...

“Nem toda história de amor acaba em morte” é um marco no cinema nac...

Pessoas não binárias enfrentam batalha jurídica para mudar certidão...