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“15 livros escritos por mulheres e uma conversa com o Clube Lesbos”

Foto: Reprodução

Desde 2017 o Clube Lesbos se reúne para discutir obras que falam sobre lésbicas e que são escritas por mulheres lésbicas. A ideia veio de uma necessidade de Lídia Bizio, co-fundadora do grupo: “Eu frequentava já clubes de leitura aqui em São Paulo e sentia falta de obras lésbicas sendo discutidas. Ia até em alguns grupos que focavam em mulheres, mas era assim, uma obra com personagem LGBT no ano. Cheguei em um grupo do Facebook, um grupo só com mulheres lésbicas, e perguntei ‘se eu organizar um rolê no parque para discutir um livro vocês vão?’ e muita gente falou que sim, aí chegou a Sol, eu não conhecia a Sol, até que organizamos o primeiro encontro”. Sol Guiné também faz parte da organização do Clube. 

Para Lídia, o ponto fundamental das discussões do clube, e das obras que ali são debatidas, é a possibilidade de criar novas formas de existir: “Não tinha pessoas LGBT na minha convivência, não via demonstrações, não via livros, não conhecia filmes. Eu demorei muito tempo para me entender como uma mulher lésbica e, acho que se eu tivesse tido essas referências, teria me entendido muito mais rápido, teria sido muito mais fácil. A única referência que eu tinha era a prima de uma amiga que era lésbica mas, todo mundo falava tão mal do fato dela ser lésbica, que acabava nem sendo uma influência positiva.” Quando ela começou a pesquisar e descobrir livros sobre o tema, a compreensão de que ela também poderia ser feliz sendo uma mulher lésbica foi a de maior importância: “Eu não tinha essa visão, só tinha a visão do negativo. Entendi que poderia amar outra mulher e ter uma vida incrível com ela e tá tudo certo […] A literatura primeiro me deu a possibilidade de ser feliz porque nem tudo precisa ser punição”. 

Depois de seis meses realizando encontros em São Paulo, Lídia e Sol foram procuradas por garotas de Curitiba que queriam levar o conceito do clube para a cidade. Deu certo e hoje o Lesbos realiza encontros em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Guarulhos, Salvador, Porto Alegre e Recife, além de São Paulo: “No início foi mais um movimento de ter mulheres de outras cidades que chegavam e falavam que também gostariam de fazer na cidade delas do que uma procura ativa nossa e assim foi crescendo nas outras cidades. A gente criou um formulário para quem quisesse ser mediadora preencher e atualmente fazemos dessa forma. Quem tem interesse a gente conversa e, se fizer sentido, inicia um clube naquela cidade”, explica.

A participação de mulheres trans e mulheres heterossexuais nas rodas de conversa aconteceu de maneira orgânica. Para Lídia é importante que mulheres héterosexuais consumam essas mídias e ajudem na construção do debate e ela reafirma que o grupo é um espaço também para mulheres trans: “Começamos a olhar para isso quando mulheres trans iam nos encontros. Percebemos que nunca tínhamos falado sobre identidade de gênero, a gente nunca disse que não poderia mas, a gente também nunca disse com todas as letras que poderia. Achamos importante nos posicionar e deixar claro que o clube é um espaço que recebe sim mulheres trans e que elas podem participar dos encontros. Homens trans a gente não recebe, porque entendemos que, se é um espaço reservado para mulheres, se a gente abrir para homens trans estamos de alguma forma deslegitimando o gênero que eles se identificam”. Recentemente, o Clube também passou a receber pessoas não-binárias.

Também é possível observar nas outras participantes do Clube Lesbos a necessidade de ter um lugar para poder discutir todas essas questões que atravessam a experiência de ser uma mulher homoafetiva: “Já aconteceu da gente receber nos encontros meninas de 16 anos levando a primeira namorada no encontro e elas nesse período que estão começando a se entender. Eu acho incrível isso porque com 15 anos não tinha nenhuma referência, não conhecia [espaços para mulheres lésbicas] e acho muito importante. Estamos conseguindo criar esse lugar. Uma vez recebemos uma participante que tinha acabado de entender que gostava de mulheres e tinha acabado de ter o primeiro término dela com outra mulher. Ela contou a história dela e todo mundo se solidarizou, começaram a contar histórias e mostrar que isso passa, trocaram vivências e ela saiu do encontro muito melhor do que ela chegou”. O clube é um espaço de afeto, de troca e de se ver representada: “A gente tem a preocupação de divulgar autoras negras, de obras com visibilidades trans, como a gente fez no mês passado. Eu vejo um impacto prático na vida das participantes”. 

Estamos atravessando um momento de grandes incertezas políticas, que deixam pessoas historicamente marginalizadas ainda mais vulneráveis, dentro desse recorte o grupo tem uma importância ainda maior para a experiência coletiva de ser mulher e lésbica: “Quando a gente começou esse governo o primeiro choque foi emocional ‘o que vai ser da gente? Eu vou poder casar com a pessoa que eu estou? Vou continuar tendo acesso a políticas públicas? A homofobia ainda vai ser crime?’, foi uma questão emocional ‘O que vai ser de mim?’ e acho que aí entrou o primeiro impacto positivo do clube. Fizemos alguns encontros em que se falava sobre isso, que a gente entendia que estávamos juntas e que tínhamos ali uma rede de pessoas para se unir. Foi importante nesse sentido e depois em um sentido mais geral, um sentido mais político mesmo, mostrando que não vamos nos intimidar. A gente continua se reunindo e juntando vinte mulheres lésbicas em um lugar para falar sobre ser lésbica, tem um impacto muito grande”, conta.

Agora, com as restrições impostas pela pandemia, os encontros estão acontecendo de forma remota: “A gente se adaptou da melhor maneira possível mas sentimos muita falta do presencial, do toque, da cara a cara que era aquilo que a gente tinha. Fazemos os encontros como eram no presencial, colocando uma obra para debate e separando todo mundo em vídeo chamada e falando sobre a obra. Às vezes tem alguma convidada”, apesar de sentir falta da troca presencial, para Lídia os encontros remotos também trouxeram pontos positivos: “Antigamente, se eu quisesse participar de uma reunião de Recife, teria que ir para Recife e agora não. Posso participar do encontro de todas as cidades e isso é muito legal porque participantes que são de São Paulo estão conhecendo outras mediadoras e conhecendo mulheres de outros estados. Essa troca que estamos fazendo é muito bacana. Antes da pandemia a gente já pretendia fazer encontros online porque ainda não estamos em todas as cidades. E o encontro remoto também tem aberto a possibilidade de fazer coisas que a gente não poderia fazer no presencial. Ano passado fizemos o festival de curtas e também uma live de 12 horas com vários temas. Acho que os dois ganhos que tivemos foi os clubes estarem mais integrados e a possibilidade de trocar com mulheres de todos os estados, a questão geográfica não ser mais um impeditivo”. 

Apesar das facilidades e dos pontos positivos, o grupo foi alvo de alguns ataques na internet, coisa que nunca tinha acontecido no presencial: “No online tem mais porque acho que as pessoas se sentem mais confortáveis para atacar porque não tem que colocar a cara a tapa. Aconteceu já isso de ter hacker invadindo a reunião. A gente faz inscrição, então já aconteceu de, na hora de conferir a inscrição, a pessoa não existir. Nas redes sociais e nas ações que a gente participa, por incrível que pareça sempre recebemos comentários positivos. Já aconteceu da gente fazer encontro no SESC, que não é um público necessariamente de lésbicas e ter até homens participando e a recepção foi muito positiva. Às vezes pais de pessoas LGBT querem fazer essa troca. Nesse sentido a gente sempre teve muita sorte, eu vejo mais nessa questão do online do anonimato ‘Vou invadir a reunião, mas ninguém sabe quem eu sou”’, comenta. 

Além da importância do clube na construção da identidade e na sensação de pertencimento, para ela existe também a importância de criar um espaço para mulheres homoafetivas em que os laços não sejam sexuais ou românticos, mas de apoio, suporte e afeto: “Ele é muito importante nessa questão de amizade mesmo porque é importante ter essa rede de afeto, de mulheres que passam por situações parecidas. Eu mesma quando me assumi, como vivia em um contexto em que pessoas LGBT não existiam, também não conhecia tantas mulheres lésbicas e fiz muitas amizades pelo clube. Amizade para a gente se fortalecer. Às vezes você vai em uma festa, e é muito legal mas, acaba não tendo um espaço de troca e o bacana do clube é que é um espaço para conversar, para trocar ideias e eu vejo que isso fortalece muito a gente. Vejo mulheres que se conheceram no clube e que são amigas até hoje e se juntam e saem. É legal pelas trocas também. Tem muitas mulheres que gostam de escrever mas que tem vergonha e aí no clube conhecem alguma menina que já escreve e tem isso também. Você pode até ter um amigo hétero bem intencionado mas ele não vai entender algumas questões, por isso é importante ter um espaço onde você pode conhecer mulheres que são como você”, pontua. 

Recentemente grandes passos foram dados por autoras lésbicas, mas para Lídia outras discussões precisam começar a ser feitas no meio literário: “Teve avanços importantes, a Natalia Borges Polesso, por exemplo, sendo publicada pela Companhia das Letras, e isso tem um peso muito grande. É incrível, eu nunca esperava. Tem a Angélica Freitas também pela Companhia das Letras e a Gabriela Soutelo, publicada pela Pólen que ganhou o prêmio Mix Literário. Tem avanços importantes. Acho que as editoras perceberam que a gente consome livros, então está acontecendo esse movimento, mas acho que a força maior continuam nas editoras independentes e nas editoras que são focadas em literatura lésbica. Tem a Malagueta, a PEL, a Metanoia, a Vira Letra que só publicam literatura lésbica. A maioria das autoras ainda estão nesse lugar [editoras independentes], mas vejo avanços importantes. Acho que uma grande discussão que a gente tem agora é se faz sentido a gente falar em literatura lésbica. Por um lado falar em literatura lésbica rotula, transforma tudo que tem uma personagem lésbica em ‘literatura lésbica’ e pode nem ser o foco da obra. Por outro lado, é uma maneira da gente ganhar forças, unindo essas obras e ter mais visibilidade do que se a gente separasse. Tem avanços mas ainda tem uma discussão importante: a gente vai falar sobre literatura lésbica ou vamos passar a olhar mais para as autoras?”.

A seguir listamos 15 obras contemporâneas escritas por mulheres lésbicas ou bissexuais. O site do Clube Lesbos também tem uma tabela com indicações de livros, filmes e hqs escritas por mulheres que se relacionam com mulheres que pode ser acessada aqui.

1.Controle – Natália Borges Polesso (2019)

A autora premiada que ficou conhecida por seu livro de contos “Amora” fez sua estreia na categoria romance com uma obra que mescla a narrativa sobre a vida de Nanda e seu interesse por Joana com citações de músicas do New Order, a autora traz outra vez o amor entre mulheres como tema de uma boa trama. Editora Companhia das Letras 

2.Conectadas – Clara Alves (2019)

O primeiro romance LGBTQIA+ da autora entrou para a lista de mais vendidos da revista Veja. Publicado pela Editora Seguinte o livro conta a história de Raíssa e Ayla. As duas se conhecem em um ambiente virtual e criam um laço sustentado por uma omissão de Raíssa. Será que a relação das duas vai aguentar a verdade? 

3.O Amor não é óbvio – Elayne Baeta (2019)

Elayne Baeta, escritora e ilustradora nordestina, escreve, em suas palavras, sobre coisas que gostaria de ter lido. Um romance sobre a história de duas adolescentes que se descobrem no meio dessa fase tão turbulenta como a adolescência. Foi o primeiro romance sáfico, segundo apuração da Editora Record, a entrar no ranking dos mais vendidos da revista Veja. 

4.Desmemória – Thalita Coelho (2020)

Autora do aclamado “Terra Molhada”, Thalita Coelho faz sua estreia com um belo romance. Nesse romance Victoria assiste a equipe médica tentar entender o porquê de sua esposa, Ana Cristina estar em coma. Victoria, uma desmemoriadora sabe que ela é a causa do problema de Ana Cristina. Uma ficção tentadora que explora os caminhos das memórias e dos afetos. Editora Jandaíra.

5.All Star Xadrez – Dandara Pinheiro (2016)

Em uma comunidade no Rio de Janeiro, um grupo de vizinhas e amigas lésbicas compartilham suas descobertas, suas dores e seus amores. Publicado pela Metanoia Editora.

6.Como esquecer: Anotações Quase Inglesas –  Myriam Campello (2003)

Publicado pela Editora Escrituras. Duas mulheres formam o par amoroso central que se desfaz e deixa todo um deserto de lembranças e sofrimentos. No texto corre a dramaticidade de desilusões e perdas, misturadas com referências à Inglaterra por toda a narrativa, como o casal Catherine e Heathcliff do clássico de Emily Brontë, O morro dos ventos uivantes.

7.Ninguém Vai Lembrar de Mim – Gabriela Soutello (2019)

Em seu livro de estreia, Gabriela Soutello estica paredes da solidão e do que se compreende sobre relações entre mulheres. São toques de corpos, rasgos feitos por dedos e a certeza do esquecimento caminhando pelas ruas de São Paulo, mergulhando nas águas do Pará, observando o cotidiano de paixão e silêncio. Contemplada com a 1ª. Edição do Edital de Publicação de Livros para Estreantes da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, a obra entrega, em seus contos rítmicos, uma interpretação honesta da individualidade que pede para ser descoberta. Editora Jandaíra

8.Canções de Atormentar – Angélica Freitas (2020)

Da autora do célebre “O ùtero é do Tamanho de um Punho” (2012), traz o olhar afiado de uma poeta que, com inteligência e ironia, observa a si e ao mundo. A obra reúne poemas que consagraram Angélica como um dos nomes mais originais da literatura contemporânea. Pela Companhia das Letras. 

9.Tudo Nela Brilha e Queima –  Ryane Leão (2017)

Estreia em livro de Ryane Leão, criadora da página onde jazz meu coração, com mais de 150 mil seguidores nas redes Livro de estreia de Ryane Leão, mulher negra, poeta e professora, criadora do projeto onde jazz meu coração, com mais de 150 mil seguidores nas redes. ‘a poesia é minha chance de ser eu mesma diante de um mundo que tanto me silencia. é minha vez de ser crua. minha arma de combate. Editora Planeta.

10.Sapa Profana – Raíssa Éris Grimm (2019)

Pela Padê Editorial. Em seus poemas ela reivindica uma fala que dê conta da articulação de duas identidades: lésbica e travesti.

11.Todos os Meus Humores –  Dia Nobre (2020)

Dia Nobre encara mentiras, monstros, sombras, insensibilidade. O conjunto desses poemas é uma experiência de aproximação e de intensa troca. Sobretudo entre mulheres; mulheres que historicamente foram vítimas dos abusos dos manicômios e sanatórios, mulheres que foram (e são) carimbadas como histéricas por não se adequarem aos limites da misoginia, por falarem em voz firme e alta contra ela. Editora Penalux.

12.Sem Destino Depois que Ela Partiu – Karina Dias (2016)

Editora Metanoia. Nesse livro quase autobiográfico a escritora premiada Karina Dias fala sobre enfrentamento de preconceitos, mudança de vida e o sofrimento quase insuportável causado por rupturas românticas. Eliana e a doutora Anja vivem um romance com fim tão inesperado quanto o começo. O livro é um diário terapêutico para Karina e para quem lê.  

13.Valentina – Lis Selwyn (2018)

Editora Vira Letra. O livro conta a história de Marisa que se muda para São Paulo na tentativa de enterrar todos os sofrimentos do passado e recomeçar sua vida. Na capital paulista ela conhece Valentina, uma garota determinada que lhe ensina uma nova forma de amar. 

14.Cada Tridente em Seu Lugar – Cidinha da Silva (2010)

Cidinha da Silva é uma voz que chega bem saudada na literatura brasileira com esse livro de crônicas e minicontos cujos temas centrais são: religiosidade de matriz africana e relações raciais e de gênero. A obra já chegou à 3ª edição. Editora Mazza.

15.Tribadismo, mas não só – Bárbara Esmenia (2018)

13 poemas a la fancha + 17 gritos de Abya Yala é o terceiro livro de Bárbara Esmenia. Tem ilustrações de bordados feitos por Mariana, fotografados por Daisy Serena. Padê Editorial.

Taubateana e Jornalista.

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