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Ser LGBT+ e ir na atual Bienal do Livro é pedir para se emocionar

A primeira vez em que fui a uma Bienal do Livro foi há 22 anos. Sei a data porque foi o ano em que vi, no cantinho do estande da editora Rocco, uma pilha de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. 

O livro tinha acabado de chegar ao Brasil e eu, como toda uma geração, estava obcecado e aguardando pela sequência que seria lançada no final do ano 2000. Apesar da saga do bruxinho que vivia, literalmente, no armário já mostrar potencial, naquele ano, a grande estrela da editora era a publicação “Mulheres Alteradas”, da cartunista argentina Maitena. 

Então o coração hoje apertou ao ver o espaço da Rocco todo revestido com pedras, um teto com vassouras e chapéus flutuando e outros detalhes que fizeram com que eu me sentisse na própria “Floreios e Borrões”. Ainda que hoje eu tenha uma relação bem diferente com a obra, em especial pela transfobia da autora que não deve ser nomeada, foi um dos momentos em que senti o coração aquecer. 

A mesma sensação experimentei ao  ver as quilométricas filas do evento abarrotada de jovens, e veja bem, odeio com todas as minhas forças fila, e há muitos anos não fico em filas à não ser por obrigação legal: já voltei para casa de porta show, balada, evento com ingresso na mão porque não dou conta da espera, mas hoje, vendo aquele tanto de fila, fosse para entrar na Bienal, fosse para comprar um lanche ou um livro, só conseguia abrir sorrisinhos escondido atrás da máscara. 

Ver uma centena de jovens aguardando para pegar um autógrafo com autores e autoras admiradas, ou então tirar uma foto no pequeno cenário de seu livro preferido fez meu coração se encher de alegria. Que a Bienal do Livro sempre foi muito pensada para o público infantil e adolescente, todo mundo sabe e aquela minha primeira ida aos 11 anos foi na famigerada excursão escolar, porém, neste final de semana de abertura não pareceu ser o caso. A molecada estava ali pelo prazer de ler. 

Confesso que sou um pouco mais emocionado do que pareço, sempre que vejo qualquer tipo de manifestação de liberdade, em especiais a em grandes proporções e tendo a lacrimejar, é assim nas manifestações, é assim quando vejo uma programação da Casa 1 lotada, é assim quando vejo as pessoas curtindo eventos nas ruas. Para mim, quanto mais viver, quanto mais compartilhar, quanto mais acessar tudo aquilo que, em geral nos é negado, melhor. 

Somado a tudo isso, notei muitas pessoas LGBTQIAPN+, e não só como público, mas também trabalhando nos estandes e no evento, além de refletidas nas prateleiras.  Na última edição da Bienal em 2018, o evento foi dominado por publicações de youtubers e resquícios da onda de livros para colorir, mas alí, já senti uma mudança acontecendo, em alguns estandes, autores LGBTQIAPN+ e na Companhia das Letras, já a sinalização “Leia com Orgulho’, usada até hoje. 

Agora em 2022, a diversidade explodiu: uma parte considerável das 1300 horas de programação e 500 atrações previstas trás pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas negras, pessoas periféricas, pessoas indígenas, entre outras. Além disso, foi difícil encontrar um estande onde não tinham publicações representativas para todas as idades, ainda que com um volume bem maior no campo de romances para o chamado público Jovem Adulto, um reflexo dos bons caminhos que tomam as novas gerações.

Ainda que, enquanto estrutura, pareça que a Câmara Brasileira do Livro tenha retrocedido, provavelmente sem saber muito bem o que esperar depois de quatro anos sem a realização do evento, com bastante despreparo e desorganização e algumas programações um tanto envelhecidas, foi extremamente emocionante ver algo que nunca achei ser possível: histórias como a minha sendo contadas, pessoas como eu não precisando esconder um livro ou uma revista sobre nossas vivências e nossa comunidade.

E agora é torcer para que as próximas sejam ainda mais coloridas, e claro, acessíveis para todo mundo!

Iran Giusti é formado em Relações Públicas pela FAAP, passou por agências como TVRP e Remix Social Ideias. Como jornalista atuou no Portal iG, BuzzFeed Brasil. Atualmente é repórter no Terra Nós e diretor institucional da Casa 1

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