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Alok Vaid-Menon: Lições de Gramática

Por Valentina Salvestrini, voluntária de Comunicação da Casa 1

“Eu poderia passar o resto de minha vida articulando cada detalhe, cada grão, cada folículo. E ainda assim eles não entenderiam. Por conta de como me pareço. Não: por conta de como eles se sentem sobre como me pareço.”

Assim diz Alok Vaid-Menon, em um excerto de seu livro de poemas intitulado Your Wound My Garden (2021), escrito durante o lockdown do COVID-19.

Durante a VI Semana de Visibilidade Trans da Casa1, a programação da casa se dedica a abrir espaços e promover atividades que celebrem, discutam e evidenciem temas de muita importância para a comunidade trans. 

Alok Vaid-Menon é natural dos Estados Unidos, escreve poesia, advoga pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+, é comediante, ícone fashion e pessoa trans não-binária. Alok acumula mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e segue crescendo em todas as plataformas em que se manifesta. No dia 29 de janeiro, em que é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans no Brasil, Alok publicou em sua conta de Instagram um trecho de seu livro de poesias Your Wound My Garden, onde discorre sobre as dores e prazeres de sua preciosa existência.

Com o intuito de deixar acessível a potente escrita de Alok, “Grammar Lessons“, segue nas próximas linhas o trecho livremente traduzido para o português, além do trecho original da obra.

“Lições de Gramática”

Minha primeira palavra foi ironia. Crescendo como menino, eles me achavam muito feminino. Quando eu finalmente me apropriei da feminilidade, eles me chamaram de homem. Essas são as lições de gramática: alguns de nós são permitidos apenas a serem pensados, nunca a pensar.

Quando eles insistem que nossos pronomes violam a gramática estão certos em algum nível. Gramática é menos sobre os mecanismos da língua, mais sobre o seu monopólio. Não é apenas sobre quem pode falar, mas sobre quem consegue falar. Ele que controla a palavra controla o mundo.

O que querem dizer é: não se oponha a ser abjeto. Você não é sujeito (a não ser que se sujeite a mim). 

Na escola somos ensinados que a estrutura básica das sentenças incluem um objeto e um predicado. Quanta ingenuidade eu tive ao imaginar que se você encontrar as palavras certas e colocá-las na ordem apropriada levaria necessariamente ao seu entendimento. Que devastador: significado não dá as mesmas chances para todos.

Eu estudei tanto. Eu coreografei minha língua para esculpir os sons rudimentares de minha alma em linguagem.  Que tragédia é aprender por outro lado: não importa se você tem todas as palavras certas quando eles pensam que você tem o corpo errado.

Sujeito. Predicado. Poder. Em ordem de ser compreendido, você precisa ter poder. O que significa que nós dois poderíamos lançar as mesmas palavras e mesmo assim elas aterrissariam em lugares diferentes. O que significa que muitas vezes as palavras são priorizadas mais do que nossas vidas. O que significa que em ordem de nos entender você deve… espere. Eu não acho que eu possa expressar isso aqui. Me encontre em outro lugar.

O corpo tem linguagem tridimensional. Beleza é o editor mais duro. Eu poderia passar o resto de minha vida articulando cada detalhe, cada grão, cada folículo. E ainda assim eles não entenderiam. Por conta de como me pareço. Não: por conta de como eles se sentem sobre como me pareço. 

Uma lição de gramática: se você fosse gritar em um espaço aberto ninguém te escutaria. Ondas sonoras não podem viajar no vácuo. Apenas você seria capaz de se ouvir porque as ondas sonoras ainda viajariam pelo seu corpo.

Esse é o sentimento 

de ser marrom,

trans, femme

e existente.

Grammar Lessons

My first word was irony. Growing up a boy, they called me too feminine. When I finally claimed femininity as my own, they called me a man. These are the grammar lessons: some of us are only allowed to be thought, never to think.

When they insist that our pronouns violate grammar to some degree they are right. Grammar is less about the mechanics of language, more the monopoly of it. It’s not just about who can speak, but who gets to speak. He who controls the word controls the world.

What they mean is: don’t object to remaining object. You are not a subject (unless you subject yourself to me.)

In school we were taught that basic sentence structure includes a subject and a predicate. How naive I was to believe that if you just found the right words and put them in the appropriate order it would necessarily lead to understanding. How devastating: meaning is not an equal opportunity employer.

I studied so hard. I choreographed my tongue to carve the inchoate sounds of my soul into language. What a tragedy to learn on the other side: it doesn’t matter if you have all the right words when they think you have the wrong body.

Subject. Predicate. Power. In order to be understood, you must have power. What this means is that we could both launch the same words and they would still land in different places. What this means is that so often their words are prioritized more than our lives. What this means is that in order to understand us you must… wait. I don’t think I can express that here. Meet me somewhere else.

The body is three-dimensional language. Beauty is the harshest editor. I could spend the rest of my life articulating every detail, every grain, every follicle. And still they would not understand. Because of what I look like. No: because of what they feel about what I look like.

A grammar lesson: if you were to scream in outer space no one would hear you. Sound waves can’t travel through an empty vacuum. Only you would be able to hear yourself because the sound waves would still travel through your body.

This is what 

it feels like

to be brown,

trans, femme,

and alive.

Além de marcar presença em diversas mesas de discussão e podcasts, Alok também participou de um episódio da série “Jonathan Van Ness Quer Saber…” entitulado “O gênero binário está chegando ao fim?”, disponível na Netflix. 

São intrínsecas às obras de Alok as questões de não conformidade de gênero e como repensar existências fora da binaridade. Tudo isso, gerando um espaço saudável de expressão, discussão e divulgação de seu trabalho dentro de suas plataformas digitais.

Para seguir acompanhando o trabalho de Alok, não apenas durante a Semana de Visibilidade Trans, mas o ano inteiro, siga aqui suas redes sociais: Instagram e Komi

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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