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Curtas nacionais LGBT para assistir e enaltecer – Parte IV: negritude

Por Fabio Leal, autor convidado da Casa 1 

Uma coisa me chamou a atenção na final do Big Brother Brasil 20 na última segunda-feira, 27: pouco antes de anunciar que Thelma era a vencedora, o apresentador Thiago Leifert, ao dizer sobre a cor da pele da médica e de como isso influenciou sua vida, afirmou “não é o meu lugar de fala, mas…”, como se fosse uma violação uma pessoa branca falar sobre negritude.

O caso é mais um da confusão no entendimento do conceito de lugar de fala (indico ler esta matéria do Nexo que reuniu especialistas para explicar o assunto) porém, em linhas gerais, nada indica que pessoas brancas não possam falar sobre raça. Pelo contrário, é preciso que pessoas brancas falem cada vez mais sobre o tema tendo em vista que o racismo é um problema estrutural e de todos nós, e não só dos que sofrem com ele.

Outro ponto importante é que pessoas brancas precisam reconhecer seus privilégios e compartilhar (ou ceder mesmo) seus espaços para que que pessoas negras mostrem suas vivências e ecoem suas mensagens.

Embora sempre tenhamos a vontade de taguear tudo, não existe um só “cinema negro” (ou “cinema gay, “cinema lésbico” e por aí vai…), por isso a minha seleção de hoje é de dois filmes muito diferentes, tão diferentes quanto podem ser duas pessoas. É por causa dessas diferenças e também de alguns pontos de contato que decidi fechar este recorte dos dois juntos. Felizmente, já há vários outros filmes dentro do cinema brasileiro negro LGBT (você pode ver vários aqui), este é apenas um recorte e uma conversa fílmica possível. Vamos a ele?

“NEGRUM3” – DIEGO PAULINO

2018

São Paulo

21 minutos

Sempre que penso em “Negrum3”, filme de Diego Paulino que apresentamos aqui hoje, eu penso também em classificação. Vejo alguns lugares colocando-o na prateleira de Documentário, já vi muita gente chamando de Filme-Ensaio. Acho que o mais correto seria chamá-lo de Filme Livre. Livre em todos os sentidos: o filme já começa com com corpo preto, gordo, de cabelo rosa, e nu. A liberdade de colocar no centro da tela um corpo livre de padrões é a mesma liberdade que guia inclusive a forma do filme, que vai se alterando ao longo de sua duração, sem se fixar em documentário, ficção, musical, experimental, realista, afrofuturista. Negrum3 é tudo o que quer ser. Me parece um filme guiado pela vontade e pela necessidade do seu realizador de falar e mostrar ideias, corpos, sons, imagens e cores que há muito estavam guardadas na sua cabeça. Não é fácil materializar num filme um turbilhão, e Diego Paulino sabe fazer isso com maestria em seu primeiro curta-metragem (anteriormente ele dirigiu o episódio piloto de um seriado para TV chamado “Paleta de Cores”). Não é à toa que o filme ganhou mais de três dezenas de prêmios entre os 55 festivais nacionais e internacionais dos quais participou.

Você pode assistir aqui.

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“AFRONTE” – BRUNO VICTOR E MARCUS AZEVEDO

Documentário

Distrito Federal

15 minutos

O segundo filme de hoje é “Afronte”, dirigido por Bruno Victor e Marcus Azevedo. Mesmo com algumas inserções ficcionais, ele é mais explicitamente um documentário. Seus personagens são negros gays (como diz a sinopse) ou bichas pretas (como dizem os próprios personagens) do Distrito Federal. Em determinado momento, ouvimos uma canção que diz “eu não tenho medo de ser frágil e vulnerável”. É identificando as fragilidades e vulnerabilidades, e as vocalizando em frente à câmera, que os personagens mostram seus processos de empoderamento. E esse empoderamento passa pela questão do pertencimento, da necessidade de grupo, ou até, como diz o protagonista, “do colo de um boy”. Ouvir isso durante esse isolamento social traz um peso enorme.

“Afronte” foi o trabalho de conclusão de curso dos seus diretores. Fez tanto sucesso nos festivais nacionais (ganhou o Coelho de Ouro no Mix Brasil, por exemplo) que havia o projeto de uma série de TV com o mesmo nome. Até que veio uma famigerada live do presidente da república censurando o projeto, o que só explicita a necessidade de mais afrontes.

Assista aqui.

Veja também:

Curtas nacionais LGBT para assistir e enaltecer – Parte I

Curtas nacionais LGBT para assistir e enaltecer – Parte II: Lésbicas

Curtas nacionais LGBT para assistir e enaltecer – Parte III: Trans

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Fábio Leal é diretor, roteirista e ator. Dirigiu os curtas-metragens Reforma, de 2018, e O Porteiro do Dia, de 2016. É diretor, junto com Gustavo Vinagre, do longa-metragem VHS HIV, atualmente em pós-produção. Entre 2013 e 2016 foi Coordenador de Comunicação da distribuidora Vitrine Filmes. Desde 2013 faz parte da curadoria do festival Janela Internacional de Cinema do Recife, que terá – ou não – sua 13ª edição no final do ano.

A Casa 1 é uma organização localizada na região central da cidade de São Paulo e financiada coletivamente pela sociedade civil. Sua estrutura é orgânica e está em constante ampliação, sempre explorando as interseccionalidade do universo plural da diversidade. Contamos com três frentes principais: república de acolhida para jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) expulsos de casa, o Galpão Casa 1 que conta com atividades culturais e educativa e a Clínica Social Casa 1, que conta com atendimentos psicoterápicos, atendimentos médicos e terapias complementares, com foco na promoção de saúde mental, em especial da comunidade LGBT.

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