A justificativa para a falta de diversidade nas nossas vidas é sempre a mesma: ” mas é eu não conheço”. Essa frase tão curta e tão emblemática é usada para naturalizar as estratificações da nossa sociedade e justificar a perpetuação dos preconceitos que produzimos e reproduzimos.
Em tempos de redes sociais essa justificativa perde ainda mais o sentido: se nossos ciclos sociais não conta com pessoas plurais, o ambiente online é completamente aberto para convivermos com a diversidade, por isso listei 9 pessoas para você acompanhar e seguir, no caso mulheres extraordinárias, que brilham peitando o capacitismo e estão aqui para provar que mesmo diante das barreiras e do preconceito, são felizes e pleníssimas!
Preparada pra seguir esses mulherões?
Stefany Krebs – jogadora do Palmeiras e identifica-se como lésbica e surda.
Leandrinha DuArt – Escritora, fotógrafa e identifica-se como mulher trans e com deficiência.
Andreia de Oliveira – influenciadora digital e identifica-se como lésbica e surda.
Vanessa de Oliveira – Militante e identifica-se como lésbica e PcD.
Lais Souza – Palestrante, atleta e identifica-se como lésbica e tetraplégica.
Ivone de Oliveira – blogueira, militante e ativista pela diversidade sexual e identifica-se como lésbica e cadeirante.
Ana Cuentro – Product Designer, palestrante e advogada de acessibilidade. Identifica-se como surda e lésbica.
Malu Dini – UX Designer e dona de uma marca de roupas. Identifica-se como lésbica e surda.
Conhecem mais mulheres LGBT PCD incríveis? Manda pra gente!
1° de julho foi marcado pela greve nacional dos trabalhadores que fazem entregas por aplicativos. Com o isolamento social como medida para conter a disseminação do novo coronavírus, as vendas de comida por aplicativos aumentaram consideravelmente.
Os serviços de entrega entraram para o grupo de serviços essenciais por meio de um decreto do presidente Jair Bolsonaro.
Apesar disso, a categoria dos entregadores não viu melhorias em sua rotina de trabalho. O “Em Quarentena” conversou com alguns desses trabalhadores para entender as reivindicações que desencadeou a greve nacional.
Quem falou para o podcast da Agência Mural sobre a relação de trabalho foi Michel. Ele tem 18 anos, mora na Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, e trabalha há seis anos como entregador de aplicativos. “Esse trabalho nosso não é valorizado pelo ifood que a gente trabalha. É taxa pequena. Você pode ser assaltado, morrer e ser atropelado na rua que eles não se responsabilizam por nada. Não há vínculo de ajuda. Se você sofrer um acidente, a única coisa que eles irão enviar para você é uma [mensagem] de ‘melhoras’ e acabou. Você tem que arcar com tudo”. (ouça a partir de 01:33)
Morador de Osasco, Fábio é motoboy há 14 anos. Ele comentou sobre a paralisação “Estamos entrando em greve porque cada dia que passa eles estão diminuindo o valor da taxa, antes era mais alta, e no momento não está compensando. Têm dias que é menos de 1 real por km que estão pagando”. (a partir de 03:36)
Ele também listou as principais reivindicações. “Melhorar as taxas e os bloqueios. Porque, às vezes, ocorre por erro do aplicativo, que não dá um suporte decente e com o erro deles, te bloqueiam. Em resumo, eles erram e você é punido”. (em 04:16)
Durante cinco dias, o repórter Lucas Veloso participou de um grupo de entregadores no whatsapp. Ele falou sobre as principais reivindicações que circulam no grupo.
“Entre as mensagens mais comuns estão pedidos de ajuda com o aplicativo, onde tem mais demandas, se eles foram bloqueados ou não. Eles têm dificuldades em contatar a plataforma”. (em 05:48)
O correspondente apontou que a maior reclamação entre os entregadores é sobre o valor da remuneração pelo trabalho. “Eles ficam seis ou sete horas esperando por uma entrega. E muitas vezes a entrega não vale o preço que eles gastaram”. (em 06:30)
De acordo com a pesquisa da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, o perfil social dos entregadores é: na maioria moradores de periferias, homens jovens, negros, com ensino médio completo e sem emprego registrado.
O repórter da Agência Mural reforçou: “Acredito que no começo dos aplicativos e da popularização tinha muita essa ideia de empreendedorismo. […] Mas agora que a informalidade está crescendo e, muitas vezes, essa é a única saída para esses caras, eles não se veem como empreendedores. Mas como trabalhadores que de fato cumprem aquela jornada por questão de salário mesmo, de ter uma renda”. (em 08:04)
Ouça este bate papo completo no Em Quarentena #64: Entenda os motivos da paralisação nacional dos entregadores de aplicativos.
Desde o dia 26 de junho o Blog da Casa 1 começou a republicar conteúdos de agências de noticias independentes. São textos da “Agência Pública”, “Ponte Jornalismo”, “Agência Mural”, “Nos Mulheres da Periferia”, “Gênero e Número” e “DataLab”, todos veículos que contam com a licença Creative Commons, ou seja, conteúdos criados para serem reproduzidos gratuitamente, desde que sejam dados os devidos créditos, e muitas vezes até modificados, ao contrário do tradicional “direito reservado”.
Essa é uma prática cada vez mais comum, em especial fora dos veículos tradicionais onde o entendimento de que informação deve ser de acesso de todos é muito mais forte. Financiados coletivamente por pessoas físicas ou então por organização ligadas à Direitos Humanos, esses veículos tem maior liberdade para produzir pautas sem pressões políticas ou publicitárias (ligadas diretamente à audiência).
Todos os veículos que optamos por reproduzir contam com profissionais de extrema qualidade e linhas editoriais bem definidas, além claro, de se debruçarem em pautas que estão ligadas à atuação da Casa 1, e que muitas vezes nos falta braço para dar atenção da forma como merecem.
E se você quiser ajudar esses veículos a continuar produzindo seus conteúdos tão relevantes e necessários, pode contribuir em seus financiamentos coletivos:
Kleidson Oliveira Bezerra, 43 anos, andou quase 40 quilômetros até encontrar uma rodovia. Era madrugada quando ele fugiu de uma comunidade terapêutica (CT), em Minas Gerais, depois de ter sido forçado pelo pastor a capinar, mesmo estando com a mão ferida em um acidente sofrido antes da internação. Somente na fuga se deu conta de que estava a quatro horas de Belo Horizonte. Alguns dias antes, ele tinha entrado na Kombi de uma igreja – da qual nem lembra o nome –, convencido por missionários que abordavam moradores de rua prometendo libertação do uso abusivo de drogas.
Durante anos, após a experiência traumática, Kleidson rejeitou qualquer oferta de tratamento, até conhecer o Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Nessas unidades ligadas ao SUS, transtornos relacionados ao abuso de álcool e outras substâncias psicoativas são tratados sem internação obrigatória, como ocorre nas CTs. “Fui tratado pelo nome, como gente. Sentia que estava recuperando minha dignidade”, lembra.
Kleidson se tornou um defensor dos Caps e dos direitos dos usuários de drogas como vice-presidente do Coletivo de Luta Antimanicomial Nacional e integrante do serviço de abordagem a pessoas em situação de rua e do Conselho de Saúde de Sobradinho, no Distrito Federal. “O problema das comunidades terapêuticas no Brasil é que a maioria é controlada por grupos religiosos”, diz. “Eles privam o sujeito da liberdade, exploram o trabalho e aproveitam a vulnerabilidade para doutrinar. Transformar a pessoa em um produto da igreja.”
Kleidson Oliveira Bezerra é vice-presidente do Coletivo de Luta Antimanicomial Nacional
Segundo levantamento inédito da Agência Pública, comunidades terapêuticas de orientação cristã receberam quase 70% dos recursos enviados pelo Ministério da Cidadania a essas entidades no primeiro ano de governo de Bolsonaro. Dos aproximadamente R$ 150,5 milhões de repasses a 487 instituições contratadas para oferecer tratamento aos usuários de drogas no Brasil, pelo menos R$ 41 milhões foram para CTs notoriamente evangélicas e R$ 44 milhões para católicas, apurou a Pública com o cruzamento dos dados do mapa geral das comunidades terapêuticas, do próprio ministério, e informações disponibilizadas nos sites e canais oficiais das entidades.
Mais de 60% das CTs contratadas pelo ministério da Cidadania em 2019 têm ligações diretas com grupos religiosos cristãos e/ou são presididas por sacerdotes, como padres, missionários e pastores. Na maioria dessas casas, práticas como leitura da bíblia, cultos, missas e orações fazem parte do tratamento oferecido aos usuários de drogas.
Os maiores contratos também são com CTs cristãs. No topo da lista está o Grupo de Assistência à Dependência Química Nova Aurora, que recebeu R$ 1,6 milhão. O segundo maior volume de recursos (R$ 1,3 milhão) foi para a Escola de Treinamentos Missionários, do grupo evangélico Desafio Jovem. No ano passado, o Ministério da Cidadania pagou R$ 11,8 milhões a unidades do Desafio Jovem, ONG fundada por pastores da Assembleia de Deus nos Estados Unidos.
Governo contratou organizações acusadas de violações de direitos humanos
O dinheiro público financiou também comunidades terapêuticas denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo desrespeito à liberdade religiosa. É o caso do Centro de Recuperação Álcool e Drogas Desafio Jovem Maanaim, da ONG evangélica Desafio Jovem, que recebeu R$ 1 milhão do Ministério da Cidadania para financiar 75 vagas de tratamento gratuito em três unidades.
Internos da entidade disseram que eram punidos com tarefas, como lavar pratos, quando se negavam a participar de cultos. Também há relatos de falta de psicólogos ou psiquiatras e de LGTBfobia. As denúncias estão em um relatório de inspeção do Ministério Público Federal (MPF) com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Conselho Federal de Psicologia, publicado em 2018.
Com a troca de gestão no MPF no ano passado, os grupos de trabalho que continuariam fiscalizando as CTs foram desfeitos, mas o relatório sobre violações teve repercussão internacional. “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos orientou o Estado brasileiro a não financiar as entidades denunciadas. Os contratos mostram que o governo federal desconhece as comunidades terapêuticas no Brasil, porque não há fiscalização”, avalia Lúcio Costa, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Outra citada no relatório é a Associação Beneficente Caverna de Adulão, no Distrito Federal, que recebeu R$ 844 mil do Ministério da Cidadania. O documento do MPF diz que não havia “atendimento personalizado” na CT, ou seja, que considerasse particularidades de cada interno. Criada pelo pastor Lúcio Mendonça, a instituição evangélica destaca, em seu site, “acompanhamento técnico-profissional coordenado por teólogos, pastores” como parte do tratamento. Na internet, circulam relatos de que essa mesma CT estaria rejeitando pessoas que não apresentam teste para Covid-19.
“Estão cobrando um exame caro”, reclama o vice-presidente do coletivo de luta antimanicomial nacional, Kleidson Oliveira. Ele mostra um vídeo, recebido no WhatsApp, em que um idoso denuncia o acolhimento negado por não ter o teste, mesmo não estando com sintomas. A exigência do exame não faz parte da cartilha que orienta o funcionamento das comunidades terapêuticas durante a pandemia. As medidas determinadas pelo governo federal, no entanto, não estão impedindo contaminações, como mostramos nesta reportagem.
A Caverna de Adulão e a Jovem Maanaim não enviaram respostas até publicação da reportagem. O Ministério da Cidadania não respondeu sobre o financiamento das CTs denunciadas por violações de direitos humanos até a publicação desta reportagem.
CTs ganham força no governo Bolsonaro
As comunidades terapêuticas estão no centro da política nacional antidrogas do governo Bolsonaro, que aponta para a abstinência como única solução viável. Segundo o próprio Ministério da Cidadania, a quantidade de vagas financiadas pelo governo federal nessas entidades cresceu de 2,9 mil, em 2018, para aproximadamente 11 mil, em 2019.
Levantamento da Pública mostra que só no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, as comunidades terapêuticas cristãs receberam quase 70% dos recursos. Foto: Andre Borges/ Agência Brasília
A expectativa era que o número chegasse a 20 mil este ano, o que representa R$ 300 milhões em contratos. É quase o dobro dos R$ 150,5 milhões contratados no ano passado – embora o valor inicialmente anunciado, de R$ 153,7 milhões, não tenha sido totalmente alcançado por cancelamentos e/ou rescisões de contratos, segundo o Ministério da Cidadania, que não detalhou quais foram os acordos atingidos nem o motivo dos cancelamentos. O valor previsto para 2020 também supera ao orçamento anual dos Caps (R$ 158 milhões), que trabalham com a perspectiva de redução de danos (uma estratégia focada em diminuir os riscos à saúde do usuário, que não visa à abstinência) e com equipes multidisciplinares, formadas por psicólogos e médicos.
“O recurso público está centralizado nas comunidades terapêuticas, quando o ideal é o tratamento intersetorial, em liberdade e no território de residência do paciente”, observa Luciano Costa, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. “Há um movimento de reforço das comunidades terapêuticas, inclusive com a recente regulamentação do acolhimento de adolescentes nessas casas pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad)”, reforça Marisa Helena Alves, do Conselho Federal de Psicologia e coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Mental (CISM).
Até agora, contudo, as contratações de 2020 não foram feitas. Por causa da pandemia, o edital lançado em dezembro passado foi prorrogado em junho. Porém, o Ministério da Cidadania elenca 113 instituições cadastradas em 2019, o que seria, segundo pessoas ligadas ao setor, uma primeira etapa para a conquista do contrato.
Essa lista prévia mantém o padrão de contratação de entidades religiosas. Com informações disponibilizadas pelos canais oficiais dessas instituições, a Pública apurou que quase 60% das entidades já listadas são ligadas a igrejas ou organizações de matriz cristã. Pelo menos 40% das entidades são declaradamente evangélicas, têm relações diretas com igrejas ou entidades evangélicas e/ou são geridas por pastores. Católicas são quase 20%.
Proselitismo político e religioso
Além de aumentar repasses do Orçamento Executivo, no ano passado, a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), gerida pelo médico Quirino Cordeiro e ligada ao Ministério da Cidadania, de Onyx Lorenzoni, elaborou uma cartilha para orientar o envio de emendas parlamentares às comunidades terapêuticas. É uma forma de aumentar repasses federais às entidades.
Os congressistas aprovaram R$ 102 milhões em emendas para CTs em 2019, segundo levantamento do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). “Parlamentares sempre destinaram verbas às CTs dos seus currais eleitorais. Com a cartilha, o governo federal institucionalizou essa captação. É algo inédito”, observa Leonardo Pinho, vice-presidente do Conselho de Direitos Humanos e da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).
As maiores emendas foram propostas por integrantes de frentes religiosas no Congresso, como a católica e a evangélica. Alguns parlamentares dessas bancadas integram também a frente em defesa das CTs e outros têm negócios com estas.
Mais de 70% das emendas (R$ 72,6 milhões) foram aprovadas pelo relator-geral do Orçamento Federal, o deputado federal Domingos Neto (PSD-CE). Ele é membro das bancadas evangélica e católica e da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas.
O segundo maior valor (R$ 2,5 milhões) foi determinado pelo deputado federal Eros Biondini (Pros-MG), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas. Cantor católico, Biondini é fundador da Missão Mundo Novo, uma organização religiosa que promove eventos e “mantém um local de triagem e encaminhamento de usuários de drogas às comunidades terapêuticas e de apoio e orientação às famílias”, como descreve o site do senador.
O deputado Eros Biondini (Pros-MG) coordena a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Biondini é signatário das frentes católica e evangélica no Congresso. A católica é presidida pelo deputado federal Givaldo Carimbão (Avante-AL). O irmão de Carimbão, Gileno Sá Gouveia, era o nome à frente da Associação de Acolhimento para Dependentes Químicos Divino Pai Eterno, em Feira Grande (AL), até seu falecimento, em 2016. No ano passado, a entidade foi contratada pelo Ministério da Cidadania por R$ 281,3 mil para oferta de 20 vagas.
Da bancada católica, o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) destinou o terceiro maior montante para as CTs em emendas no ano passado (R$ 2 milhões). O pernambucano é correligionário do pastor Cleiton Collins (PP-PE), deputado estadual em Pernambuco e dono das comunidades terapêuticas Saravida com sua esposa, a vereadora Michele Collins (PP-PE).
O deputado Givaldo Carimbão (Avante-AL) preside a frente Católica no Congresso Nacional. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Em maio do ano passado, Cleiton Collins acompanhou o então ministro da Cidadania Osmar Terra no lançamento de um programa de oferta de vagas de qualificação que contemplava internos das CTs. Também no ano passado, três unidades da CT Saravida entraram no cadastro do governo federal de comunidades terapêuticas, o que seria, como dissemos, um primeiro passo para a organização fechar contratos com a União.
Na batalha por verbas, o casal Collins defende a inserção das CTs no SUS em Pernambuco – como mostrou a Marco Zero Conteúdo – e o acolhimento de pessoas em situação de rua nessas entidades, autorizado durante a pandemia por uma portaria da União. “Os grupos religiosos que controlam as CTs estão avançando na política nacional da população de rua como uma nova fonte de recursos públicos”, analisa Leonardo Pinho.
A lista de políticos donos de comunidades terapêuticas ainda tem outros nomes ilustres, como o do ex-senador Magno Malta (PL-ES), o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP) e o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA). Isidório, que se diz ex-gay, é dono da Fundação Doutor Jesus, onde ameaçava internos com um porrete. Ele é pré-candidato à prefeitura de Salvador.
Tratamentos mesclam espiritualidade e laborterapia
Segundo estimativas, o Brasil tem aproximadamente 2 mil CTs em funcionamento. Muitas atuam na informalidade, ao largo das fiscalizações.
A convergência com grupos religiosos ocorre desde a criação das CTs, que surgem de irmandades anônimas (como a Alcoólicos Anônimos) e igrejas. No Brasil, “82% das entidades se vinculam com igrejas e organizações religiosas, notadamente as de matriz cristã”, segundo perfil das CTs traçado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2018. O cultivo da espiritualidade e a laborterapia – tratamento através do trabalho – são comuns a mais de 90% das entidades.
“Mesmo instituições não ditas religiosas fazem uma hibridização de métodos espirituais e técnicos”, observa a coordenadora da pesquisa do Ipea, Maria Paula Gomes. Para ela, a agenda religiosa é perigosa porque torna a entidade “um empreendimento moral, que obstrui uma discussão sobre a política de drogas”.
O fortalecimento de CTs ligadas a grupos cristãos conservadores segue, segundo Maria Paula, na esteira da ascensão desses grupos na política brasileira. Ela lembra que a primeira oportunidade de financiamento das CTs junto ao governo federal ocorreu ainda em 2010, pelo programa ‘‘Crack é possível vencer”. E acrescenta que, desde então, os repasses só cresceram, deixando outras abordagens de lado.
“Nenhum método é eficaz por si próprio. O que tem sido preconizado é um método terapêutico singular e com métodos complementares”, diz Maria Paula. “Um dos maiores problemas da política antidrogas atual é o foco na abstinência. E que muitas vezes, nas CTs, o sucesso do tratamento é medido pela conversão espiritual do indivíduo. Além de que, sem o tratamento apropriado, as pessoas não são preparadas para enfrentar a realidade do lado de fora da instituição e, por isso, muitas voltam ao uso abusivo de drogas depois de deixarem as casas de recuperação.”
Pelo quinto ano seguido, mulheres negras do estado de São Paulo organizaram uma manifestação durante o 25 de julho, dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.
Durante todo o mês de julho, debates online tomaram as redes sociais para a comemoração do ‘Julho das Pretas’, como ficou conhecida a sequência de programações realizadas neste período.
No último sábado (25), isso se estendeu para ações descentralizadas pela capital paulista desde o início da manhã, com faixas e cartazes levantados por grupos menores.
O grande diferencial veio durante a noite, quando projeções deram vida à prédios, igrejas e outros espaços simbólicos. As mensagens foram elaboradas com palavras de ordem e imagens históricas relacionadas ao combate ao racismo, ao machismo e a lesbotransfobia.
“Apresentamos nossas reivindicações para toda a sociedade alertando contra o projeto genocida em todas as esferas de governo”, diz a nota disparada à imprensa neste domingo, dia 26 de julho.
“Erguemos nossas vozes contra o encarceramento em massa, o capacitismo, a lesbofobia, a transfobia, a intolerância religiosa, a xenofobia, o etarismo e em defesa de todas as Mulheres Negras, onde quer que elas estejam”, ressalta trecho do manifesto lançado pelo coletivo.
No centro da cidade, em frente ao teatro municipal e na Praça Ramos, e na zona leste, na Igreja do Rosário dos Homens Pretos, na Penha, as projeções foram realizadas em parceria com o Coletivo Coletores.
A Marcha das Mulheres Negras de SãoPaulo realizou, ainda, projeções na Pompéia, na zona oeste; ocupação Cultural Mateus Santos, em Ermelino Matarazzo, zona leste; e na Praça Júlio César Campos, na zona sul, com apoio do do Fórum de Cultura de Parelheiros.
A reivindicação do Bem Viver, conceito que tem sido trabalhado nos últimos anos pela Marcha, continuou com força no protesto deste ano. O mote central foi: “Nem cárcere, nem tiro, nem Covid: corpos negros vivos! Mulheres negras e indígenas! Por nós, por todas nós, pelo bem viver!”.
“A Marcha resiste porque a luta não pára. No Brasil, a pandemia escancarou as desigualdades econômicas, sociais e raciais. A crise sanitária mostrou que o racismo estrutural impõe à população negra a maior vulnerabilidade diante da COVID-19”, afirmam ainda.
Segundo as organizadoras, esta é a parcela da população que segue sem acesso aos direitos básicos de saúde, saneamento, educação e moradia, particularmente, mulheres negras, pobres e trabalhadoras informais.
Não é novidade que o Vogue é uma arte extremamente simbólica para comunidade LGBT e mais recentemente a série “Pose” evidenciou ainda mais isso. Por isso resolvemos listar essa algumas houses pelo Brasil para que você possa conhecer ainda mais desse mundo babadeiro.
Lembrando que a lista está em ordem alfabética e não como uma avaliação. Todas são maravilhosas, brilhantes, tem a sua importância no cenário e contribuem muito para a cultura Vogue. Se tiver alguma que conhecem e que não esteja na lista, MANDEM que incluiremos com todo o prazer!
Por Bruno Oliveira, coordenador de programação da Casa 1.
Sexta-feira, 17 de julho de 2020. Começar este texto foi um exercício de concentração: debaixo das máscaras, trabalhadoras e trabalhadores da Casa 1 se dividem entrem tarefas variadas: uma live no Instagram, reunião no Zoom, distribuição de cestas básicas, instalação de fios, organização de doação de roupas, atendimentos a moradores, testes de pães no forno novo do ateliê.
Me distancio lentamente e observo o chão de lajotas 20×20, com inúmeras camadas de tinta preta, acidentes e remendos, coberto de sacolas de cestas básicas e mesões do Salão Leci Brandão do Galpão da Casa 1.
Me acostumei a falar sobre a experiência deste chão nas formações de voluntariado que fizemos ao longo destes anos. A formação, que está temporariamente suspensa durante a pandemia assim como o restante da programação da Casa 1, tem como objetivo apresentar o projeto, as políticas de atuação e os grupos de trabalho para potenciais voluntárias e voluntários, além de contextualizar as e os estudantes interessados em fazer trabalhos sobre a Casa.
República de acolhida (às vezes casa, às vezes centro, com frequência acolhimento), centro cultural (muitas vezes espaço, não raro de cultura) e clínica social (poucas são as variações aqui): dessa diversidade incorre um conjunto de interpretações possíveis sobre o estuprojeto que não se aproximam das muitas experiências que o exercício do chão propicia.
Como responsável por uma parte das formações de voluntariado dos últimos meses, arrisco-me a dizer que em cada um dos domingos falei sobre um projeto diferente: qualquer narrativa que se proponha a ser homogênea sobre este trabalho é uma ilusão. Basta conferir os Guichês (programação diária temporária no Instagram que reproduz a prática presencial de conversas e atendimentos da Casa 1) para reconhecer as perspectivas completamente distintas de voluntárias e voluntários, trabalhadoras e trabalhadores, parceiras e parceiros. Ainda que a Casa 1 seja um e muitosprojetos simultaneamente, há uma performance de estrutura que é comum e partilhada. Penso nela.
Mudo a aba do navegador e abro a página da Casa 1 no Instagram. Olho as últimas imagens e procuro reconhecer o chão onde piso enquanto escrevo. Notícias, dicas de sites, lives, listas de conteúdo virtual, playlists, convites para atividades on-line. Após deslizar a barra de navegação para baixo algumas vezes, reencontro o chão do Ateliê Renata Carvalho e do Salão Leci Brandão em algumas fotos. Aula aberta sobre saúde de pessoas com vagina, aula de teatro, dragbingo e aula de canto.
A Rua Condessa de São Joaquim que conheci em 2017 já era outra quando visitei o projeto recém-inaugurado. As largas calçadas da esquina situada entre os bairros da Liberdade e da Bela Vista contavam com uma grande pintura do artista Luan Zumbi, um monte de caixas de doações, um carrinho de carga que ficava indo e vindo, além de cavaletes para mesas improvisadas com portas.
Logo de cara conheci a sala onde, posteriormente, seria instalada a Biblioteca Caio F. Abreu. A sala, com ar de recém-reformada, piso e paredes bem brancas, tinha pilhas e pilhas de livros pelos cantos, resultantes de uma ação na festa de abertura realizada no dia 25 de janeiro de 2017. A ideia do projeto me foi apresentada pelo Iran Giusti (que eu havia conhecido em alguma das reuniões do #VoteLGBT do ano anterior), que, depois de alguma conversa afobada entre uma entrevista e outra, me sugeriu começar ajudando a organizar os livros.
Desde aquele dia já se foram mais de três anos e um sem fim de experiências (e imagens) do chão. Este texto apresenta, na forma de um fluxo de consciência e uma deriva por imagens, alguns fundamentos possíveis de uma pedagogia deste chão.
Esses dispositivos pedagógicos instaurados pela partilha de um mesmo chão por corpos e subjetividades tão diversos atravessam o projeto da Casa 1 como um todo: a república de acolhida, o centro cultural, a clínica social. São processos que podem ser entendidos ainda como um conjunto de práticas de presença em educação, de desejo de vida e de construção continuada, performativa e dialógica. Rastrear as imagens deste fundamento plural e comunitário, no contexto de distanciamento social da pandemia do coronavírus, é, para além de uma nostalgia da presença, uma reflexão sobre as reverberações estruturantes desta partilha do chão.
Aqui, uma breve digressão sobre o começo do projeto é necessária para contextualizar um pouco as imagens que seguem. De janeiro a agosto de 2017 (quando o galpão do centro cultural foi alugado), as atividades da Casa 1 se concentraram na esquina das Ruas Condessa de São Joaquim e Bororós. Esse conjunto de imagens é especificamente daquele momento. É inequívoco que o projeto segue criando outras bases, políticas e performances ao longo dos anos, mas neste momento inaugural do trabalho é possível reconhecer uma gramática a partir da qual a organização se deu.
A política de portas abertas já era uma operação desde o início. De acordo com Iran Giusti, a ideia surgiu durante a pintura das calçadas e escrita dos nomes de apoiadoras e apoiadores na parede externa do sobrado, com a curiosidade atiçada da vizinhança. Passamos a reconhecer que manter as portas abertas e o trabalho visível seria uma estratégia de segurança para o projeto, como também um trabalho de diálogo (e base) no território.
As portas de metal abertas para a calçada das três salas do centro cultural (naquele momento paliativo, sala de exposições/multiuso e biblioteca) eram um convite para passantes perguntarem o que era aquilo. Conforme os espaços foram sendo organizados e nossas práticas cotidianas reconhecidas, fizemos placas indicativas de cada sala, e a calçada se constituiu como parte estruturante do espaço.
Todos os dias o protocolo de abertura envolvia abrir as portas de metal, organizar o espaço e colocar placas e cadeiras de praia para fora. As cadeiras eram usadas por moradoras e moradores da Casa para uma conversa, acompanhamento pelo grupo de trabalho psicossocial ou um eventual cigarro, por vizinhas e vizinhos indo e vindo (o uso da calçada é bastante familiar para o território, mas este é assunto para outro texto), por visitantes, doadoras e doadores, por voluntárias e voluntários.
Assim, apresento em sequência cronológica, nesta deriva, um pequeno repertório da partilha daquele chão no primeiro semestre: a calçada, o paliativo, a sala de exposições e a biblioteca. Não faz parte da premissa deste texto organizar categorias sociológicas do dispositivo pedagógico instaurado pela partilha do chão, mas iniciar uma genealogia das políticas do trabalho de um projeto que performa e disputa, cotidianamente, outras gramáticas de mundo.
Por Jesser Ramos, bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos e mestrando em Antropologia pela Universidade de São Paulo. Voluntário da Biblioteca Caio Fernando Abreu, a biblioteca comunitária da Casa 1.
Janaina1 contava à Teresa como estava difícil morar no albergue devido à relação conflituosa que ela tinha com outra moradora do mesmo quarto. Segundo Janaina, essa moradora chegava todos os dias tarde da noite e fazia muito barulho antes de dormir, além de não limpar suas coisas do modo que Janaina julgava pertinente. Teresa, que morava no mesmo albergue mas em outro quarto, disse para Janaina que já teve problemas muito parecidos e que era para ela tentar mudar para seu quarto porque suas colegas de lá eram gente boa2 . Atento à conversa das duas, eu pendurava as roupas que estavam no chão dentro de um saco preto. Janaina, que chegou ao paliativo um pouco antes de Teresa, contou que estava esperando sua aposentadoria sair para poder deixar o albergue. Assim que sair vou alugar um lugar pra morar, enquanto isso venho buscar roupa aqui porque não tenho dinheiro suficiente para comprar. As roupas aqui são ótimas. Vocês não sabem o quanto isso me ajuda, disse ela. Teresa procurava calças pretas lisas para trabalhar: menina, essas calças são ótimas para trabalhar, disse ela. Janaina concordou e mostrando blusas de alças finas e tecidos finos disse: essas são ótimas para trabalhar nesse calor. Uso sempre.
O encontro de Janaina e Teresa aconteceu no espaço do paliativo. Esse é o lugar onde a Casa 1 distribui roupas e produtos de higiene pessoal. Num outro espaço da Casa 1, a biblioteca Caio Fernando de Abreu, conheci Vivi, Aline e Patrícia. Era próximo do meio dia quando Vivi entrou na biblioteca e perguntou que horas abriria o paliativo. Respondi que abriria por volta das 14h. Vivi pediu se eu não deixava elas esperarem na biblioteca, ao que eu respondi positivamente.
Aline: Posso deitar nesse puff?
Eu: Claro, pode sim.
Vivi: A gente veio de muito longe a pé. Vamos pegar roupas, se tiver né. E depois vamos tomar um banho na minha amiga que mora aqui perto. Precisamos da roupa para trabalhar hoje, não dava pra vim outro dia.
Ficamos conversando até que paliativo abrisse e depois de ali pegarem as roupas, elas me agradeceram e foram embora. Esses encontros aconteceram em dois espaços do centro cultural da Casa 1. A biblioteca Caio Fernando de Abreu e a sala do paliativo são configurados como espaços visíveis e abertos para todas e todos aquelas/es que os frequentam diariamente. Janaina e Teresa são duas mulheres cisgênero, brancas, moradoras de um albergue localizado perto da Casa 1. Vivi, Aline e Patrícia são mulheres trans, negras e em situação de rua. Todas elas frequentam os espaços da Casa 1 e, com eles, estabelecem distintas formas de relações e apropriações.
Essas relações e modos de apropriação são efeito da política de portas abertas praticada pela Casa 1. Relações e apropriações que são multiplicadas no mover cotidiano de pessoas, desejos e afetos. Nesse mover cotidiano os espaços da Casa 1 não só são implicados em relações com seus frequentadores, como também são produzidos pelos envolvimentos estabelecidos neles. Num artigo recente (Ramos, 2019) aproximei essa política de portas abertas da “política de alianças” sugerida por Judith Butler (2017, 2018). Ao fazer essa aproximação, argumentei que “essa política da Casa 1 é menos uma política de acolhimento para os jovens LGBTQIA+ e mais uma “política de alianças” que a entrelaça com uma multiplicidade de pessoas, desejos, expectativas, necessidades e afetos” (Ramos, 2019: 44).
No entanto, é importante dizer que compreender a política de portas abertas como uma “política de alianças” não significa separar o espaço da república de acolhimento das outras espacialidades do centro cultural. Ao contrário, o espaço da república de acolhimento está entrelaçado com outros espaços e também é produzido nos movimentos e envolvimentos cotidianos da Casa 1. A política de portas abertas nos mostra um exercício de alianças, de fazer junto, que não é exclusivo para pessoas LGBTQIA+. Nesse sentido,como podemos pensar numa política que produz associações e ligações com uma multiplicidade de gentes, desejos e afetos? Como compreender essa política de portas abertas junto com uma “política de identidade” exclusiva para as/os jovens LGBTQI+ expulsos das casas de seus familiares? Parece-me que é justamente na ocupação do cotidiano que podemos perceber como, por um lado, os diferentes espaços da Casa 1 estão imbricados em dinâmicas e funcionamentos específicos, e, por outro, como essa ocupação prolifera as relações estabelecidas entre a Casa 1 e seus coabitantes.
Ao ocupar esses espaços visíveis e abertos as pessoas fazem e desfazem relações e modos de apropriação diariamente. É por meio dessa ocupação que a biblioteca se torna um lugar de descanso para Vivi, Aline e Patrícia, ao mesmo tempo que o paliativo é um lugar buscado para conseguir roupas para trabalhar. Biblioteca que se torna um lugar de divertimento para as crianças da vizinhança ou então um lugar de acesso a livros para aquelas/es que frequentam esse espaço. Paliativo que gera uma possível troca de quarto para Janaina ou que propicia a procura de calças pretas para o trabalho de Teresa. Assim, é a partir dos encontros diários promovidos por esses espaços abertos e sutis que as ligações entre Casa 1 e seus frequentadores são feitas. A feitura dessas distintas ligações nos espaços é o que produz as alianças entre eles e aquilo lhes que é exterior.
Ao permitir que inesperadas alianças sejam estabelecidas em seus espaços, a política de portas abertas escapa dos limites impostos por uma “política de identidade” que estabiliza e homogeneíza seu “sujeito político”. Butler em sua crítica à “política de identidade” do feminismo argumenta que:
“a tarefa política não é recusar a política representacional, uma vez que as estruturas jurídicas da linguagem e da política constituem o campo contemporâneo do poder […] A tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura constituída, uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e imobilizam” (1990: 24)
Dessa forma, tentando escapar de uma política que imobilize as possibilidades de ação política do feminismo, Butler diz que alguns esforços feministas têm formulado um “política de coalização” (1990: 39). Uma política cuja “forma – uma montagem emergente e imprevisível de posições – não pode ser antecipada” (ibidem: 39) e, como consequência disso, cujas coalizões “devem reconhecer suas contradições e agir deixando essas contradições intacta” (ibidem: 40). Assim, nessa “política de coalizões” não se pressupõe ou se objetiva uma “unidade”, mas “unidades provisórias” que “podem emergir no contexto de ações concretas que tenham outras propostas que não a articulação de identidade” (ibidem: 41). Coalizões que estão permanentemente abertas a “múltiplas convergências e divergências, sem obediência a um telos normativo e definidor” (ibidem: 42).
Nessa política que se alia a um outro estranho, a liberdade e a igualdade são exercidas de modo compartilhado. Só é possível pensar a existência individual em relação ao direito de existir de outras vidas. Segundo Butler (2017: 44), “sobrevivemos por meio de uma existência extática da socialidade” justamente porque nosso corpo está implicado nesse modo compartilhado da vida. Por estar “fora de si e no mundo dos outros”, o corpo assume um risco “de um contato involuntário e indeterminado que pode ir em direção de dor insuportável e ferimento; na direção de descoberta súbita, apaixonando-se, solicitude imprevista” (2017: 48). Mas é justamente o caráter relacional “da condição do corpo de ser afetado pelos outros, e é apenas por sermos afetados, que temos alguma chance de exercermos nossa liberdade”. Nesse sentido, risco e liberdade estão em relação contínua pois “não há exercício de liberdade sem nenhum risco” (2017: 48). Assumir o risco da imprevisibilidade das relações é o que faz da política queer um exercício radical de democracia.
É então nas afecções e no mover do cotidiano que as alianças e coalizações são produzidas entre a Casa 1 e seus frequentadores. Alianças e coalizações que não perdem de vista a “política de identidade” criada para aquelas/es que são violentadas/os e excluídas/os diariamente devido suas sexualidades e identidades de gênero. Ao invés de restringir as ações e dinâmicas da Casa 1, essa política de identidade a implica em relações com outros modos de existir no mundo. Em sua reflexão sobre a política sexual de minorias sexuais,
Paul Preciado (2011: 12) entende a política como uma “potência de vida” em que “os corpos e as identidades anormais [são] potências políticas” (2011: 12) que por meio de ligações formam uma “multidão queer”. A política da multidão queer não deve ser compreendida “em oposição às estratégias identitárias” (ibidem: 15). As estratégias de identificação são primordiais para uma ação política efetiva dessa multidão. Não obstante, e esse é o ponto atraente de sua análise, a política dessa multidão não pode ser pensada apenas “como um lugar de poder mas, sobretudo, [como] um espaço de criação” (2011: 13).
Como um “espaço de criação”, a política da multidão queer pode criar formas de alianças [im]possíveis com aqueles/as que não compartilham das mesmas identidades sexuais. Assim como essa política da multidão queer, a política de portas abertas cria múltiplas alianças imprevisíveis com o que está externo aos seus espaços. Uma multidão que ocupa seus espaços por meio de relações íntimas e cotidianas. É na potencialidade da criação que o pertencimento e identidade aparecem. Ao invés de restringir e limitar essas relações íntimas e cotidianas, o pertencimento e a identidade, como princípios políticos, as multiplicam. Longe de estabilizar as coligações estabelecidas nos espaços abertos e visíveis, o fazer parte da Casa 1 é ampliado pelos modos como os envolvimentos cotidianos são feitos pelas pessoas. Como espaços de criação, os espaços do centro cultural e da república de acolhimento são produzidos através de afetos, desejos, necessidades, conflitos e tensões.
É por meio dessas dinâmicas de visibilidade e abertura que a Casa 1 se relaciona com sua vizinhança. Como disse Bruno, organizador da ONG, um dos objetivos da política de portas abertas é garantir que os vizinhos reconheçam a Casa 1 como parte da comunidade. Reconhecer os espaços da Casa 1 é também um modo da vizinhança reconhecer as/os jovens LGBTQI+ como parte daquele lugar. Assim, nos envolvimentos cotidianos com a vizinhança, a política de portas abertas “estabelece ligações de confiança, consideração, ajuda e afeto” (Ramos, 2019: 49). Ligações essas que são costuradas nos movimentos imprevisíveis de uma política de alianças no bojo da qual, no caso da Casa 1, Dona Rosa – uma de suas organizadoras e moradora da vizinhança há anos – exerce um papel fundamental ao fazer contado direto com os/as vizinhos/as.
Na ocupação diária da vizinhança, as relações e apropriações também são multiplicadas em suas formas e modos. A relação de Débora com a Casa 1 é um bom exemplo das formas de ocupação do cotidiano. Numa conversa comigo no paliativo, Débora me contou como gostava que seus filhos frequentassem a Casa 1:
Eu gosto que eles vão lá. Melhor do que na rua. Eu sei onde eles estão, com quem estão. Na rua a gente nunca sabe com quem eles estão. Lá eles aprendem computação, brincam, comem. E eu nem sabia que eles davam comida lá. Uma vez desci pra chamar Jonatas pra comer e ele me disse “de novo”. É ótimo eles estarem lá (Caderno de Campo, 17 de maio de 2019). (Ramos, 2019: 50)
Em meio à nossa conversa, Dona Rosa chegou e Débora foi falar com ela (Ramos, 2019: 51):
Débora: Dona Rosa, eu queria pedir uma coisa pra senhora. Perdi o emprego esses dias e agora estou correndo atrás de outro, queria saber se a senhora não tem papel higiênico, sabonete, sabão pra me doar, eu estou até com vergonha de pedir isso.
Dona Rosa: Não precisa ter vergonha não. A gente tá aqui pra ajudar no que for possível. Eu não vou ter algumas coisas pra te dar porque também to tendo que comprar ali pra cima. Mas vou ver o que tenho e te dou.
Débora: Obrigado Dona Rosa, qualquer coisa vai ser de grande ajuda.
Dona Rosa subiu até a sala onde se guardam os alimentos e trouxe alguns produtos para Débora. Assim como nos encontros descritos acima, a presença de Débora produz uma relação específica entre ela e a Casa 1. Do mesmo modo, muitas outras relações são costuradas diariamente nos espaços da ONG pela sua vizinhança. Relações que se expandem para as atividades desenvolvidas no Galpão e para os atendimentos na Clínica Social.
Nas costuras sutis feitas pela ocupação do cotidiano, os espaços visíveis e abertos se tornam lugares de potencialidades e possibilidades. Potência de criação e possibilidade de ligações. Lugares que promovem formas de socialidades para as crianças do bairro durante a realização das atividades culturais e educacionais; lugares de descanso para aquelas que andaram uma longa distância atrás de uma roupa para trabalhar; lugares de atendimentos psicológico e médicos para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social; lugares de acesso a formas de expressões artísticas e culturais ou então um lugar de acolhimento para quem passou por violências e exclusões constantes. Desse modo, é na ocupação desse cotidiano constante que ligações imprevisíveis são feitas e desfeitas, produzidas e reproduzidas.
Dona Joana, também vizinha da Casa 1, disse-me uma vez depois de pegar duas peças de roupas: “parece pouco, mas vocês não sabem o quanto isso me ajuda”. Essa frase ressoa em muitas histórias que ouvi todos os dias que estive na Casa 1 e mostra de modo preciso o efeito da política de portas abertas: os espaços do centro cultural e da república de acolhimento são lugares de possibilidades. Possibilidades que são expandidas, proliferadas, modificadas e desmanchadas à medida que as relações cotidianas ocupam essas espacialidades. O cotidiano, ao ocupar e aliar-se à esses lugares, torna visível outros modos de existência. Assim, os espaços visíveis e abertos não só visibilizam as existências das/os jovens LGBTQIA+, mas também visibilizam outros corpos, desejos, violências e exclusões. Nesse aliar-se, um fazer junto é criado na e pela Casa 1.
Nesse sentido, esse lugar voltado para acolher pessoas LGBTQIA+ não aglutina suas formas de ação política em torno de uma política de identidade estável. Ao contrário, essa política de acolhimento juntamente com a política de portas abertas implicam a Casa 1 em uma multiplicidade de afetos, desejos e necessidades. O reconhecimento desse espaço LGBTQIA+ não foi produzido em torno daquilo que Butler diz ser o perigo das políticas de identidade: a construção de ações e reconhecimentos políticos baseados em um sujeito político homogêneo e estável. A autora argumenta que (2017: 45) “às vezes, as normas de reconhecimento nos ligam de formas que põem em perigo nossa capacidade de viver” precisamente porque “as categorias que parecem tornar a vida possível na verdade tiram as nossas vidas”. Criar esses lugares de possibilidades por meio de sua política de portas abertas faz com que a Casa 1 assuma os riscos e afecções imprevisíveis e inconstante da ocupação do cotidiano. Ao assumi-los, as coalizações e as alianças inesperadas que o fazer junto enseja são expandidos e potencializados, proliferando. Diferentes modos de existência que se aliam e passam a viver em conjunto. Um viver que não se faz, evidentemente, apenas nas convergências, mas, sobretudo, nas divergências, nos riscos e nas tensões.
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1 Todos os nomes contidos no meu texto são nomes fictícios. Apenas os nomes do/as organizadores/as não serão trocados.
2 Ao longo do texto colocarei em itálico enunciados, falas e expressões ditas pelas pessoas que habitam e frequentam a Casa 1. Em aspas duplas, usarei conceitos teóricos.
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Referências Bibliográficas
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminino e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018 [1990].
———————-. Alianças queer e política anti-guerra. Bagoas, n. 16. p. 29-49. 2017.
——————— . Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Tradução de Fernanda Siqueira Miguens ; revisão técnica Carla Rodrigues. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2018.
PRECIADO, Paul. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(1): 312, janeiro-abril/2011.
RAMOS, Jesser R. de Oliveira. “É só pra pessoas LGBTs isso daqui?: a produção de espaços visíveis e abertos como formas de fazer política pela Casa 1. EntreRios – Revista do PPGANT -UFPI -Teresina • Vol. 2, n. 1 (2019).
Está aberta até o dia 22 de julho a votação popular para propostas a serem inseridas no PLOA – Projeto de Lei Orçamentária Anual da cidade de São Paulo de 2021.
Isso significa que todo morador da cidade pode votar e escolher 5 propostas diferentes que considera mais importante para que seja implementada na cidade. Essa propostas também foram criadas pela população e foram enviadas entre 16 e 31 de maio, e cada subprefeitura selecionou 15 que estão agora em votação.
As cinco propostas escolhidas de cada subprefeitura passam por uma análise de viabilidade entre 23 de julho e 23 de agosto considerando critérios técnicos, jurídicos e orçamentários. As propostas viáveis são incorporadas ao PLOA.
Já a elaboração do PLOA acontece entre 24 de agosto e 29 de setembro e é encaminhada para votação na Câmara dos Vereadores que aprova a versão final da Lei, decidindo o que entra ou não no orçamento do ano que vem.
E para finalizar, a partir do dia 31 Outubro de 2020 até o dia 30 Dezembro, 2021 você pode acompanhar a implementação das propostas aprovadas no Orçamento no site Participe+.
O Participe+ é gerido pela Supervisão para Assuntos de Governo Aberto, unidade da Secretaria de Governo Municipal. Seu desenvolvimento é feito através de um Termo de Cooperação entre a Prefeitura de São Paulo e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e é uma conquista da participação social na cidade de São Paulo, fruto do compromisso número 3 do 2º Plano de Ação em Governo Aberto.
No 2º Plano, Prefeitura e sociedade civil trabalham juntos para melhorar a transparência, participação social, inovação e prestação de contas públicas na cidade. Ele foi criado com extensa participação social em 2018 e tem sido implementado desde 2019 pela Prefeitura e sociedade civil do Fórum de Gestão Compartilhada, sob coordenação da Supervisão para Assuntos de Governo Aberto. Para saber mais sobre o 2º Plano, clique aqui.
Como votar:
Basta entrar no site Participe+ neste endereço e fazer um cadastro inicial:
Depois basta completar o cadastro e escolher as cinco propostas de qualquer uma das subprefeituras:
Aqui algumas informações e a tela das propostas, no caso da Subprefeitura da Sé, que contempla a Casa 1:
E para tirar dúvidas, basta entra em contato pelo e-mail: participemais@prefeitura.sp.gov.br
Por Sabrina Simões e Sol Santos, professoras do “Babadeira”, programa de maquiagem da Casa 1
Caracterizações marcantes de maquiagem, cabelo e/ou figurino são essenciais para industria do cinema, seja para construir um personagem (alguns até contando com make de efeitos especiais), seja para mostrar na história como a caracterização é importante para elevar a autoestima de cada pessoa, como podemos ver no curta “Diamante, o bailarina” (2016), onde a montação é o que marca a mudança de personagem do boxeador Diamante para a drag queen Sahara Diamante.
Por isso preparamos aqui uma lista com 31 filmes, séries e documentários LGBTQIA+ onde a maquiagem é uma personagem essencial para a trama.