Com letras e dramaturgia de Fernanda Maia e direção de Zé Henrique de Paula, espetáculo rendeu à atriz Verónica Valenttino os prêmios Bibi Ferreira e Shell
Considerada referência na luta pelos direitos LGBTQIA+, a ativista Brenda Lee (1948-1996) foi homenageada em 2022 pelo musical Brenda Lee e o Palácio das Princesas, vencedor dos prêmios Bibi Ferreira (de atriz revelação em musicais e melhor roteiro), APCA (de melhor espetáculo do ano) e Shell (de melhor atriz). Agora, o espetáculo volta em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental para uma nova temporada entre 14 de abril e 14 de maio, com apresentações às sextas e aos sábados, às 21h, e aos domingos, às 19h.
O trabalho tem dramaturgia e letras de Fernanda Maia, direção e figurinos de Zé Henrique de Paula e música original e direção musical de Rafa Miranda. O musical traz em cena seis as atrizes transvestigêneres, Verónica Valenttino, Olivia Lopes, Tyller Antunes, Andrea Rosa Sá, Rafaela Bebiano e Leona Jhovs, além do ator cisgênero Fabio Redkowicz. A orquestra é formada por Rafa Miranda (piano), Juma Passa (contrabaixo), Rafael Lourenço (bateria) e Carlos Augusto (guitarra e violão). Já a preparação de atores é assinada por Inês Aranha e a coreografia, por Gabriel Malo.
Ao contar a história da travesti Caetana, que ficaria conhecida como Brenda Lee, o espetáculo cria uma discussão sobre a luta das travestis nas ruas de São Paulo, a escassez de oportunidades que as impele à prostituição e como foram apoiadas pela protagonista.
Brenda nasceu em Bodocó (PE) em 1948, e mudou-se, aos 14 anos, para São Paulo, onde trabalhou com a prostituição até meados dos anos 1980, quando decidiu comprar um sobrado no Bixiga e abrir uma pensão para acolher travestis em situação de vulnerabilidade, muitas delas infectadas pelo vírus HIV/AIDS. O espaço foi muito importante porque, na época, como se sabia muito pouco sobre a epidemia, a maioria das travestis soropositivas estava condenada ao preconceito, à violência, ao abandono e à solidão. E, por esse trabalho essencial, a ativista passaria a ser conhecida como “anjo da guarda das travestis”.
Mais tarde, o centro de apoio à população trans seria reconhecido como a primeira casa de acolhimento a pessoas com HIV/Aids no Brasil. Chamada de Palácio das Princesas, a instituição firmou convênios com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e com o Hospital Emílio Ribas. E graças a um trabalho conjunto, essas entidades aprimoraram a forma de atender pacientes soropositivos, independente de gênero, sexo, orientação sexual e etnia.
Aos 48 anos, em 28 de maio de 1996, no auge de seu projeto, Brenda foi assassinada e encontrada no interior de uma Kombi estacionada em um terreno baldio, com tiros na região da boca e no peitoral. O crime teria sido motivado por um golpe financeiro cometido por um funcionário da casa. Em 2008, foi criado o “Prêmio Brenda Lee”, que contempla personalidades que se destacam na luta contra o HIV e prevenção da Aids.
A criação deste musical é uma continuidade das pesquisas do Núcleo Experimental sobre as possibilidades de interação entre música e teatro. Além disso, consolida a trajetória do grupo como criador de musicais originais brasileiros e comemora os 10 anos da sua sede no bairro da Barra Funda.
“Contar a história do Palácio das Princesas é não só manter viva a memória de Brenda Lee, mas retratar uma mulher trans protagonista em sua luta e ativismo. Com a criação deste musical, também pretendemos diversificar o grupo de artistas que trabalham com o Núcleo Experimental, empregando musicistas, atrizes, criativos e técnicos transexuais e transgêneros. Este projeto significa mais oportunidades para uma população discriminada no mercado de trabalho”, conta Fernanda Maia.
E a dramaturga ainda completa: “O Núcleo Experimental tem consolidado uma obra em que o musical aparece não somente como diversão, mas como uma forma de arte que pode também refletir e discutir a sociedade. Um espetáculo composto por atrizes transvestigêneres, sobre uma importante travesti no panorama do surgimento da Aids e do fim da ditadura militar nos anos 80 significa colocar no centro do processo artístico criativo quem sempre esteve às margens. Fazer isso sob forma de musical significa atingir um tipo de público não habituado às histórias da população trans, contribuindo para a diminuição do apartheid social em que nos encontramos”.
Concepção
A dramaturgia alia três planos. O primeiro deles é o dos números musicais, que faz uma homenagem às antigas boates da noite paulistana que nos anos 80 foram um porto seguro da população transgênero e geraram oportunidades de trabalho para as travestis. Neste plano, as meninas da casa da Brenda contam suas histórias pregressas e falam de seus sonhos e objetivos através de canções. Há também o plano da história cronológica em que Brenda abre mão do sonho de ter seu “Palácio das Princesas” para poder acolher as amigas que estavam doentes e o plano das entrevistas.
“Na dramaturgia, inserimos transcrições de entrevistas reais de Brenda Lee colhidas de registros em vídeo na internet. Nestas entrevistas ela conta quem é, fala sobre sua família, sobre a prostituição, sobre como amealhou um patrimônio e o colocou à disposição de outras amigas. Fala sobre o trabalho na casa e sua relação com a morte. As moradoras da casa de Brenda Lee (Isabelle Labete, Ariela del Mare, Blanche de Niège, Raíssa e Cynthia Minelli) foram inspiradas pelas princesas de contos de fadas, numa alusão ao apelido da casa. Suas histórias foram construídas a partir dos relatos de travestis reais através da nossa pesquisa”, explica Fernanda Maia.
“Conseguimos um material bibliográfico de apoio, além de depoimentos de pessoas que conheceram pessoalmente Brenda Lee, foram moradoras ou trabalharam na casa. Duas dessas pessoas foram os médicos Jamal Suleiman e Paulo Roberto Teixeira. O Dr. Jamal Suleiman é infectologista e ainda trabalha no Hospital Emílio Ribas. Ele conheceu Brenda Lee quando ela levava suas moradoras ao hospital, no início da epidemia. Como o Hospital ainda não possuía uma estrutura especializada no atendimento de HIV/Aids e como os médicos e enfermeiros não possuíam preparo para o atendimento da população transvestigênere, ainda muito marginalizada, ele se ofereceu para atender dentro da casa de Brenda. O Dr. Paulo Roberto Teixeira, infectologista, atualmente aposentado, foi um dos pioneiros no enfrentamento da epidemia de Aids no Brasil. Graças ao seu esforço incansável e à sua luta pela quebra de patentes, os medicamentos antirretrovirais são distribuídos gratuitamente pelo SUS”, acrescenta.
As canções originais do musical têm elementos de brasilidade aliados à contemporaneidade, tendo como referência compositores queer, transgêneros e não binários. Bases eletrônicas deverão aludir à boate, mas as canções das personagens terão contornos melódicos elaborados e harmonias que reforcem o aspecto afetivo da canção. Num grande número final, as “filhas de Caetana”, cantam suas vitórias e celebram sua grande protetora, que abriu caminho para que elas pudessem ter uma vida melhor.
Sinopse
O musical Brenda Lee e o Palácio das Princesas traz um pouco da história de Brenda Lee, chamada de o “anjo da guarda das travestis”, ativista que fundou a primeira casa de apoio para pessoas com HIV/Aids, do Brasil. Ela tem uma pensão para travestis que, em sua maioria, vivem da prostituição. Apesar da realidade de violência em que vivem, dentro da casa as travestis são acolhidas por Brenda, que lhes ensina a querer mais da vida.
Serviço
Brenda Lee e o Palácio das Princesas
Temporada: 14 de abril a 14 de maio.
Às sextas-feiras e aos sábados, às 21h, e aos domingos, às 19h
Teatro do Núcleo Experimental – Rua Barra Funda, 637, Barra Funda
Ingressos: Mesa – R$ 40 (inteira) e R$20 (meia-entrada) | Plateia – R$ 30 (inteira) e R$15 (meia-entrada)*
*Meia entrada válida para estudantes, artistas, idosos e professores. Pessoas trans não pagam (lista trans está sujeita a esgotar, ingressos garantidos mediantes a reservas via Instagram do @nucleoexp)
Venda online em www.sympla.com.br/nucleoexperimental
Classificação: 12 anos
Duração: 2h20
Foto de capa: divulgação