Publicados nas redes sociais ou em livros, os conteúdos ensinam sobre diversidade e ajudam a quebrar conceitos sociais
Por Livia Alves
Dos cartazes e jornais alternativos, que circulavam durante a ditadura militar no Brasil, às publicações na internet de uns anos para cá, a comunidade LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais e mais) foi utilizando a arte e a escrita como formas de passar informações e quebrar preconceitos.
Com mais liberdade em relação às décadas passadas, atualmente é possível encontrar esse movimento ativo nas redes sociais, como no Instagram. Moradora do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a quadrinista e ilustradora Lua Mota, 24, viu nos quadrinhos uma forma divertida de trazer informações sobre sexualidade e gênero.
“O ativismo ilustrado é uma forma simples das pessoas entenderem determinados assuntos que, muitas vezes, parecem complicados de compreender”, diz. “Elas têm muita dificuldade de entender o que são sexualidades fora do padrão heteronormativo”.
Lua é ativista pansexual, demissexual e não-binária – conceitos que, segundo ela, ainda levantam muitos questionamentos. Além da representatividade, a artista passou a retratar as próprias vivências nos quadrinhos, criando uma personagem que representa a si mesma.
“Minha personagem é uma persona que criei tentando usar elementos de animais que gosto. No caso, gosto muito de cabras desde a minha primeira infância, [então] ela é uma persona com pouca representação de gênero em que basicamente represento a minha personalidade incluindo chifres nos desenhos”, explica
Existem projetos focados em dar espaço a novos criadores de conteúdo que falam sobre diversidade e abordam diferentes contextos sociais. É o caso do “Narrativas Periféricas”, da Editora Mino, que deu ao quadrinista e ilustrador Eryk Souza, 31, a possibilidade de publicar o quadrinho “Pomo”.
Na história de ficção científica, o autor apresenta o protagonista Joabz, que é um “inverso” – um ser que tem o corpo composto por mais carne do que máquina, o que lhe torna fora dos padrões sociais.
“No universo de Pomo, se você é assim, é considerado um fardo, um pecado e precisa ser consertado e curado para ser uma máquina pura. ‘Inverso’ seria uma nomenclatura religiosa para a homossexualidade”, explica Souza.
O quadrinista também conta que um encontro inusitado com um “demônio lunar” machucado faz com que o personagem passe a repensar a própria necessidade de ser consertado.
“Os demônios lunares são inimigos do povo de Joabz, inimigos de Deus, e seres que geram caos e desejos carnais. Ao invés de fugir dali e reportar aos vigias, ele decide resgatar a entidade lunar. A partir desse contato, vai submergindo a possibilidade de que ele não seja um erro.”
Morador da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, Souza trabalha na área de ilustração e quadrinhos há 10 anos, e foi olhando para a cidade e no amor pela ficção científica que ele encontrou inspiração para os projetos. Lançado em 2020, Pomo foi o primeiro quadrinho em que ele tratou sobre sexualidade.
“Foi um exercício muito interessante de pensar em coisas que gosto de ver, de assistir, influências que fazem parte da minha vida, e ao mesmo tempo criar um paralelo com a minha realidade sendo um artista gay”
Eryk Souza, quadrinista e ilustrador
“Lógico que não preciso me limitar a isso. Ser um ilustrador ou artista gay é só mais uma coisa sobre mim, sobre aquilo que eu sou. Posso falar sobre qualquer coisa, mas abordar isso também é importante”, conclui.
O legado da diversidade
A arte sempre esteve presente nas chamadas “lutas minoritárias” como forma de expor temas que seriam considerados sensíveis à sociedade. Segundo Expedito Leandro, professor doutor em ciências sociais, essas manifestações dentro das mídias sociais podem ser vistas como herdeiras de publicações que se esquivavam da censura durante a ditadura militar (1964-1985).
“Especificamente se referindo à comunidade LGBTQIAP+, ao longo da história do Brasil, a gente pode pensar não apenas no sentido das artes clássicas, mas também nos fanzines e jornais alternativos que sempre estiveram sendo, de uma certa maneira, uma vanguarda”, afirma.
O professor cita veículos como o “Lampião da Esquina”, jornal alternativo que foi publicado entre 1978 e 1981. As edições foram produzidas por comunicadores da comunidade gay e eram focadas em denunciar a violência contra a comunidade Queer e dar espaço para o que chamavam de “vozes do gueto”, abrangendo outras lutas minoritárias.
Expedito também comenta sobre o “Chana Com Chana”, que era um fanzine feito por coletivos de lésbicas feministas. Lançado em 1981, a última edição foi publicada em 1987.
“O Lampião da Esquina teve uma vida muito bonita e louvável que a gente precisa recordar, render homenagens e, ao mesmo tempo, se orgulhar da existência. A comunidade acadêmica se debruçou sobre este veículo. O Chana Com Chana era outro fanzine maravilhoso”, conta.
Ele ressalta que, durante a história, muitos artistas usam os trabalhos para “provocar o imaginário social” de forma direta ou indireta. “Os movimentos sociais e a comunidade LGBTQIAP+ sempre se apropriaram da arte, não apenas como um objeto de resistência, mas como algo de pertencimento”, diz.
“A arte vem para provocar, o artista também utiliza da arte para provocar uma reflexão, uma indignação, uma comoção, clamar por justiça social”, completa.
Foto de capa: Lua no Poc Con, feira LGBTQIAP+ de quadrinhos e artes gráficas@Arquivo pessoal
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