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Rodrigo Kbça: “Pessoas LGBT+ vão poder ver que no skate também tem espaço para elas”

Rodrigo Vargas de Lima, ou simplesmente Kbça, é um dos três embaixadores da campanha da Vans Brasil desse ano que irá doar US$200.000 para 4 iniciativas LGBT+ ao redor do mundo, ao lado de Jup do Bairro e Day Limns. Além disso, ele também é o team manager da Vans Brasil e um nome conhecido entre os skatistas brasileiro.

“Eu comecei a andar de skate e comprar revistas em 87 quando era outra cena, um mundo bem diferente, pré internet, pré informação rápida e uma das coisas que mais me interessava quando eu lia era o nome dos fotógrafos. Comecei a saber quem eram os fotógrafos só vendo as fotos, porque já sabia como eram os estilos deles, mas o doido é que eu comecei a escrever primeiro sobre skate antes de começar a fotografar”. Ele começou sua carreira na comunicação com um estágio em um jornal de notícias em Esteio, Rio Grande do Sul, sua cidade natal. Desse estágio, ele foi para outro trabalho onde aprendeu a fotografar com câmeras digitais. 

“Saindo dessa empresa, eu vim morar em São Paulo e comecei a trabalhar numa revista chamada ‘Tribo Skate’. Era uma câmera com disquete. As primeiras fotos eram bem automáticas, não tinha regulagem e não tinha qualidade. Só que o editor de fotografia dessa revista começou a falar que minhas fotos eram boas e falou pra eu investir em equipamentos, e aí comprei minha primeira câmera reflex em 2004”, relembra. 

Para ele, a fotografia de skate tem um diferencial da fotografia de outros esportes. No skate, o fotógrafo faz a foto da manobra em um só disparo e não em sequência, como acontece com o futebol e o surfe.  “Se faço uma sequência, eu mostro toda a sequência de manobra, mas a foto única que vai para a revista de skate é feita em um tiro só. Só em um disparo. É eternizar o momento em que a pessoa tá no ar, fazendo alguma coisa e superando o limite. A fotografia de skate chama atenção por causa disso.” 

Apesar de ter se mudado de Esteio para São Paulo, primordialmente a trabalho, o outro motivo dessa mudança era a possibilidade de viver um romance.

“Depois que saí da empresa que trabalhava, eu meio que ‘despiroquei’ e tirei um tempo sabático para mim, não podia me dar um luxo de um ano, mas pensei em tirar um tempo pra mim, pra fazer o que eu queria fazer, e vim pra São Paulo, em uma boate chamada Bailão. Conheci um cara que deu liga, bateu e começou essa coisa do ‘vem pra São Paulo, vamos tentar aqui’ e eu morrendo de medo. Os convites de emprego que eu tinha não eram muito certos na cidade. Até que um dia, acho que foi quase no Natal, ele me ligou e falou ‘comprei sua passagem ou você vem amanhã, ou não precisa vir mais’ e eu vim”.

Foram quase 5 ou 6 meses para conseguir um emprego estável, mas na época, ele não contou para quase ninguém que tinha outro motivo para vir a São Paulo além das ofertas de trabalho. 

“Talvez se eu não tivesse recebido esse leve empurrão não teria vindo morar em São Paulo e sei lá o que estaria fazendo em Esteio até hoje, provavelmente estaria lá.”

Ainda que seu círculo de amigos e sua família estarem ciente da sua sexualidade há muito tempo, o fotógrafo se assumiu publicamente há pouco tempo, em um post no Facebook. “Foi no dia 31 de maio de 2020. Eu vou comemorar aniversário disso todo ano”, ri.

 “É importante principalmente para mostrar que no skate a gente também consegue abrir espaço para pessoas LGBT+. O skate reflete muito o que é a nossa sociedade. Quem sabe quantas pessoas eu não teria ajudado se eu não tivesse [me assumido] há mais tempo? Eu não tenho essa ideia, mas acho que aconteceu no momento certo. A gente tá vivendo um momento tão pesado politicamente que talvez esse fosse o momento de eu chutar a porta do armário e falar ‘tudo bem, tem espaço pra caras como eu’ porque eu não tive essa referência”. 

Mesmo celebrando o acontecimento, ele tem suas dúvidas se isso seria possível em outros tempos.  “Acho que se eu tivesse tomado essa iniciativa vinte anos atrás eu teria que parar de andar de skate ou eu teria que sair desse mercado. Não seria igual. Claro que existe uma coisa bem importante: consegui construir uma reputação no skate que talvez torne a coisa mais leve pra mim. Também trabalhei em várias marcas, trabalhei em mídias. Agora estou em uma marca bem importante e ajuda bastante. Mas se fosse há vinte anos a coisa seria bem diferente”, observa. 

“Até porque há vinte anos eu estava chegando em São Paulo e pouquíssimas pessoas sabiam que eu era gay. Só a minha família e do skate acho que dois, três amigos e olhe lá. São processos, né? E a idade me fez entender várias coisas. Acho que eu tô melhorando como pessoa e cada vez mais entendendo várias questões. A gente tem que ir se desconstruindo. Eu gosto de aprender porque me faz entender melhor todo mundo, e principalmente julgar menos.”

Foto: Bruno Figueiredo

Apesar dos avanços, ele considera o skate um meio ainda preconceituoso, mas diz que está melhorando. “Ainda existem alguns núcleos do skate que têm sim um preconceito, mas muita gente tá aprendendo. Quando fiz o texto eu não recebi muitas negativas, muito pelo contrário, mas sempre tem alguém. A diferença é que hoje eu sei responder. E Acredito que, no meu caso, tô protegido por algumas coisas. A minha posição, o meu cargo, onde eu trabalho, ser branco, não ser efeminado. Eu não posso me comparar a uma vivência como a da Jup, por exemplo”. 

Para Rodrigo, o skate não é só um esporte, mas uma expressão artística de contracultura. “Muito do que eu entendi de cultura punk,  de me posicionar em questões de racismo e outras, eu aprendi através do skate, através de músicas e de vivências que o skate foi me trazendo. É surpreendente para mim pessoas que viveram isso [a prática do skate] muito mais do que eu, pessoas mais antigas, que estão se tornando mais quadradas. Você vê muitos skatistas velhos sendo super conservadores em costumes e politicamente do que pessoas da minha geração e isso pra mim é meio doido. Eu não consigo entender alguém que levou borrachada nas costas porque andava de skate apoiar um governo autoritário ou superconservador”, lamenta.

Por isso, participar de uma campanha em que pode mostrar para outras gerações que o skate também está abrindo suas portas para pessoas LGBTQIA+ é tão importante para o fotógrafo. “Ainda não estamos com todas as portas abertas no skate, mas aos pouquinhos a gente vai conquistando esse espaço. Ter essa vitrine é importante. Muitos moleques, meninas, pessoas LGBT+ vão poder ver que no skate também tem espaço para elas”.

Rodrigo já é um parceiro conhecido da Casa1, neste ano, além de ser o embaixador da campanha, ele fez uma rifa vendendo um shape de skate de edição limitada com verba revertida para o projeto. “Eu conheci [o trabalho da Casa1] através de artigos na internet mesmo, vendo matérias, […] e sempre pensava ‘que trabalho legal’ porque atinge justamente as pessoas que estão mais desamparadas. Quando lancei o shape mandei fazer uns a mais, quem lançou foi uma marca chamada Perfume, e sabia que um eu iria reverter. Iria fazer alguma coisa que pudesse doar uma grana pra Casa 1, porque eu acho que o trabalho que a Casa1 faz é muito importante, pouco visto, e lembrado só em junho. Eu queria colaborar um pouquinho e, para minha surpresa, fiz a rifa e em três dias vendi 100 números. Vendi a rifa inteira em pouquíssimo tempo. Fiz questão de falar que era a Casa1”. 

“A gente [Vans Brasil] juntou um material [sobre a Casa 1] e mandou pra Vans global e quando viram eles toparam na hora. É o que a gente tem falado não é só o arco íris na roupa, não é só botar uma coisa  na vitrine, é como a gente reverte. fiquei muito feliz de saber que uma doação que a Casa 1 vai receber é de uma empresa que se importa cada vez mais com inclusão. A gente sabe que não é uma questão de salvar a Casa1, mas de ajudar ela a se manter viva. O que me deixa mais feliz dessa campanha da vans é estamos ajudando a Casa1, essa é a coisa mais importante de todas”, finaliza.

Saiba mais sobre a campanha da Vans aqui.

Taubateana e Jornalista.

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