BLOG

[Entrevista] Silva: “Acho importante quando me colocam como um artista LGBT”

Existem algumas figuras que estão ligadas diretamente com a Casa 1, seja pela relação de amizade com pessoas que trabalham no projeto, seja pela aproximação lá em 2017 quando ela foi fundada ou então pelo alinhamento político ideológico. E foi a partir desses laços que começamos a série de entrevistas aqui pro blog, com os perfis da atriz Renata Carvalho e da mídia ativista Debora Baldin.

Já outras relações vão se construindo a partir do tempo, vindas de diversos lugares e nos momentos mais inesperados possíveis e esse foi o caso do Silva, por meio de uma costura do artista e sua equipe com o Junior Carvalho, responsável pelo Grupo de Empregabilidade e Parcerias da Casa 1.

Definiu-se então que as arrecadações feitas nas lives do vitorense que aconteceram em junho seriam destinadas para o projeto, assim como a da próxima que rola no domingo, 11 de julho, a partir das 19h.

Como em outras lives, como a da Pabllo, da Gloria Groove e da Daniela Mercury fizemos coberturas nas nossas redes, em especial no Twitter e foi uma delícia acompanhar as apresentações do Silva que falou com muito carinho sobre a gente e nosso trabalho.

Foi então que se abriu esse novo espaço para uma entrevista com o cantor, que em meio a uma agenda apertada, conversou com a gente por telefone com uma surpreendente honestidade, algo raro entre artistas geralmente contidos por agentes, produtores e gravadoras, falou sobre a vivência e criações em meio ao isolamento social, família e até uma relação hoje não próxima com o universo gospel.

Assim como em seus cinco álbuns lançados, Silva mantém a constância da serenidade no cotidiano. De voz mansa, é possível perceber o sorriso largo que lhe é tão característico enquanto fala, mesmo sem vê-lo, porém o tom muda ao falar do momento tão inóspito que vivemos: a pandemia do coronavírus.

“Fico me policiando o tempo todo para não reclamar demais, mais de 60 mil mortos, com tanta gente sofrendo, chorando a morte de quem morreu, gente que não pode ficar em casa”, explica antes de falar da realidade individual que vive. “Ao mesmo tempo tem essa solidão, essa sensação de estar preso em casa”.

“Moro em uma cidade que não é um grande centro, (Vitória, no Espírito Santo) não está maravilhoso mas é mais fácil logisticamente resistir nesse momento” afirma contando que usa o momento atual para “conectar com a minha música, ler, estudar o meu piano, olhar para lugares mais profundos, ouvir discos que eu não ouvia há muito tempo, me dedicar pra minha cabeça e minhas ideias”, reflete.

O resultado do autocuidado foi o fim do bloqueio criativo que o acompanhava há alguns meses. “Eu estava preocupado, sem sair nenhuma composição. O processo de quarentena e o contato comigo mesmo acabou me abrindo os canais”, aponta ele que já escreveu cerca de 30 músicas desde o início do isolamento.

“Tive a sorte e o privilégio de ter um bom espaço para me isolar, com estrutura, meus equipamentos e tenho feito o que eu posso para ajudar principalmente os que estão ao meu redor. Acho que antes de tentar salvar o mundo precisamos olhar os nossos lugares, nosso entorno” explica apontando por exemplo os músicos que o acompanha nas turnês. “Sou compositor, ganho meus direitos autorais e com isso consigo me manter, mas a grande maioria dos artistas não tem essa possibilidade, muitos não têm trabalho autoral, dependem de freelas, por isso o que eu ganho a mais eu direciono para os que tão próximos e iniciativas que eu acredito”, diz.

O reconhecimento dos privilégios é algo que permeia toda a entrevista, mas de uma forma que passa longe da culpa, sinal de uma consciência genuína, que faz todo sentido quando Silva fala mais sobre suas vivências e relações familiares.

“Sempre passo por esse ponto, eu tive a oportunidade de ter tido uma educação musical formal, toco piano, violino, eu mesmo produzo e gravo. Gasto todo meu dinheiro com isso, nunca comprei carro, nunca fui de gastar, só com instrumentos, equipamento de áudio”, explica dizendo porque inclusive conseguiu fugir da quase obrigatoriedade de estar em São Paulo ou Rio de Janeiro para seguir uma carreira na indústria musical.

O lugar escolhido para morar é o que nasceu, a cidade de Vitória, no Espírito Santo. “O ritmo do lugar influencia completamente sua obra, sou um ser humano muito sociável, adoro falar, de estar com gente que eu gosto, trocar ideias, sair pra beber. Acho que se morasse em São Paulo eu estaria ferrado. Aqui (em Vitória) tem região das montanhas, uma qualidade de vida muito boa, apesar de pouquíssima gente conhecer. E também tô pertinho de Salvador, Rio, São Paulo. É um lugar que me dá chão”, declara um tanto apaixonado.

Além da atual liberdade de criação, estrutura e a educação formal, outro privilégio vem da relação familiar. Filho de uma mãe professora de música e pai da área da economia, “porém que ama música”, Silva sempre teve incentivo, não só na carreira, mas também em relação a sua orientação afetiva sexual.

“Minha família é extremamente religiosa mas que não me afastou, não me diminui. Meus pais são evangélicos mas têm um super respeito por mim, pelas minhas escolhas, pelo que eu sou”, aponta ciente de que essa não é bem a realidade de muitos.  No entanto, nem tudo foram flores nessa relação e Silva confidenciou que o pai não reagiu muito bem ao clipe da música “Feliz e Ponto”, em 2016 onde ele contracenou em cenas românticas com uma mulher e um homem.

“Meu pai ficou sem falar comigo, disse que deixaria de acompanhar o meu trabalho. Expliquei que não foi nada feito para agredir ninguém, muito menos ele ou para me rebelar e deixei o tempo fazer o resto”, conta. O episódio durou apenas três semanas e a relação voltou a ser como antes.Mas mesmo em meio a todos esses conforto, a homofobia foi uma amarga companhia ao longo da vida. “Sofri muito bullying na escola, na igreja, sempre fui mais delicado, escondia que tocava violino para não sofrer mais ataques, fingi que era hétero na adolescência”, relata falando um pouco mais da experiência com a religião.

“Fui o primeiro a sair da igreja por não concordar com o que se falava ali dentro”, diz ele se referindo à congregação Batista, eixo da doutrina cristã evangélica do qual o avô foi pastor. “Porém não posso deixar de contar que quando apresentei meu ex-namorado para minha avó ela disse que ele era melhor do que todas as noras que tinham entrado na família até então”, conta aos risos.

Ao longo da conversa foi possível ainda notar que, além da criação dentro da igreja, a religião se embrenhou ainda em uma área importante da vida de Silva, a música, e aí que ele sente mais desconforto. “Meu irmão foi artista Gospel, concorreu ao Grammy Latino e eu com 14 anos já estava produzindo os discos dele, foi uma puta escola, ali aprendi a fazer muita coisa técnica, mas detesto música Gospel, acho cafoníssima, ainda que tenha respeito pelo trabalho de todo mundo.”, diz, sempre educado.

E se por um lado a igreja e a música Gospel trazia uma proibição do consumo da música secular, nome dado a todas as canções que não são cristãs, quando Silva foi se sentindo mais confortável com a sexualidade também ficou com algumas dúvidas sobre o que poderia produzir. “Já me peguei pensando que não podia cantar músicas no gênero feminino, que tinha um ‘pra ela'”, relata. A fase no entanto foi superada. “Hoje entendo que quero falar sobre amor, independente de qual for, porque amor é algo tão universal, quero que fale de todo mundo. Quando me ouvirem, quero que gostem, que amem. Pra mim o papel da música é sensibilizar”, declara.

Isso não significa, no entanto, que não aceite de bom grado quando sua orientação afetiva sexual é citada no contexto de trabalho. “Acho importante quando me colocam como um artista LGBT, faz com que eu tenha que lutar pela causa, saber mais sobre a causa, me coloca uma responsa que eu acho interessante”, finaliza.

E sobre o futuro, o cantor que lançou seu mais novo álbum durante a pandemia “Ao Vivo em Lisboa”, com o repertório do disco “Brasileiro” já dá o trabalho como concluído. “Já estou com músicas novas, tô doido pra gravar, seguir com Brasileiro depois da pandemia é meio como voltar a assistir uma série que você pausou faz tempo, não faz muito sentido. O que foi foi, mundo novo, planos novos”. E que assim seja!

Iran Giusti é formado em Relações Públicas pela FAAP, passou por agências como TVRP e Remix Social Ideias. Como jornalista atuou no Portal iG, BuzzFeed Brasil. Atualmente é repórter no Terra Nós e diretor institucional da Casa 1

Notícias Relacionadas

Gabriela Loran: “Eu me vejo ganhando um Oscar”

10 podcasts jornalísticos para se informar sem ser barrado no paywall

7 conteúdos da Casa 1 para ouvir enquanto lava a louça

Em “Dotadas”, dupla reflete sobre objetificação, transfobia e episó...

João Luiz: “Eu vejo muitos desafios daqui para a frente”

“Hoje eu falo com orgulho de quem eu sou, de quem é minha família”,...

Jamine Miranda: “Classe social, raça e gênero são todas questões qu...

Vitor diCastro: “No meio da pandemia, que espaço damos para a inter...

Ana Hikari: “Escolher uma carreira artística em um país que n...

Jup do Bairro: “É muito importante a gente saber quem realmen...

“15 livros escritos por mulheres e uma conversa com o Clube L...

Mel: “Eu gosto de ter companhias em lugares seguros”