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Falar sobre HIV/AIDS não pode ser uma exclusividade de quem vive com o vírus

Quando a Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo elegeu o tema HIV/Aids: Ame + Cuide + Viva + eu fiquei especialmente feliz e animado e, junto com a equipe de comunicação da Casa 1, resolvemos criar uma série de conteúdos sobre o tema e finalmente lançar a cartilha do “Precisamos Falar Sobre Sexo” que seria publicada logo quando a pandemia atingiu o Brasil e ficou guardadinha esperando o momento certo para chegar às pessoas.

Aproveitei também e fiz este post com séries e filmes para começar a entender um pouco mais do tema que é, ainda hoje, muito tabu, de diferentes formas.

E mergulhar no assunto me despertou muitos pensamentos que quis compartilhar com quem lê a gente.

Aqui na Casa 1, HIV e Aids não são temas exclusivos do mês de dezembro. Constantemente falamos, aprendemos, produzimos conteúdos para redes e também programações, além, claro, de sermos um espaço que oferta serviços de prevenção, como a PrEP 15-19 . HIV/Aids é realidade pra gente e deveria ser para todo mundo e é ai que eu quero chegar.

Sou um homem gay de 32 anos e duas décadas atrás, quando comecei a me perceber homossexual, além do medo da sociedade, veio o medo de um vírus. Passei anos me reprimindo e fui ter experiências sexuais anos depois, já com 19 anos, e lá se foi mais um bom tempo desinformado e temeroso.

Aos 21, fiz o primeiro teste para saber minha sorologia e passei dias sem dormir até sair o resultado, mesmo não tendo me relacionado com ninguém sem preservativos. Seguindo os caminhos da vida, acabei me aproximando cada vez mais da minha comunidade, produzindo conteúdos sobre ela e conhecendo um multidão de pessoas e pensamentos, chegando assim até o HIV/Aids.

E aí um mundo se abriu: fui absorvendo os discursos, ouvindo as vivências, adquirindo conhecimento e também preocupações, mas agora outras preocupações. Soroconversão deixou de ser um medo para dar lugar à tristeza de ver como muitos dos meus lidam com ela.

Isso me levou a precisar e, principalmente, querer saber mais sobre HIV/AIDS e, consequentemente, a falar sobre o tema e aí começou uma situação recorrente: as pessoas presumirem que vivo com o vírus. Para mim, isso não é problema nenhum, mas me leva a pensar como nossa relação com o vírus é ainda muito estigmatizada e, principalmente, como falar sobre HIV/AIDS é visto como uma exclusividade de profissionais de saúde e pessoas que vivem com o vírus.

Somos uma sociedade quase que obcecada pelo bem-estar, pelo autocuidado. Mesmo sem querer, consumo muito mais conteúdo de skincare do que de qualquer outro assunto que tenho mais interesse. Falamos sobre a importância de fazer atividades físicas, de comer bem, de dormir o necessário e por aí vai, mas ainda não falamos o tanto que precisamos sobre saúde sexual.

Tido como uma sentença de morte por décadas, o resultado de soroconversão passou a ser acompanhado de um discurso bastante apaziguador: existe um tratamento, existe qualidade de vida, está tudo bem. Porém, para estar tudo bem, você precisa estar bem.

Não raro se ouve a frase: “hoje em dia, viver com o vírus é como viver com diabetes, ou então colesterol alto”. E isso é uma realidade sim: a ciência já provou inclusive que com o uso contínuo dos medicamentos, a carga viral é baixíssima e o próprio risco de transmissão é nulo. No entanto, para isso, é preciso existir auto cuidado, é preciso um sistema de saúde acessível e de qualidade, é preciso de todo um sistema que funcione. E por mais que o Brasil tenha um programa de HIV/AIDS referencia, nós sabemos que por aqui a cada passo pra frente em uma luta, somos obrigados à dar três para trás.

Precisamos entender que discursos e posicionamentos não podem ser generalizado, precisamos que pessoas que não vivem com o vírus falem sobre o vírus, que falem sobre cuidado, sobre autocuidado, sobre como se relacionar com pessoas que vivem com o vírus, sobre entender que romper o estigma não significa que você não precisa se cuidar e evitar ter que tomar um remédio a vida toda, que você pode e deve lutar pelas políticas para pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Hoje, no Brasil, as pessoas estão se soroconvergindo cada vez mais jovens e sabemos que jovens têm uma dificuldade maior em se cuidar, em ter responsabilidade, em ir até os serviços de saúde ou então seguir direcionamentos médicos. Por isso, precisamos falar sobre sexo. Por isso, precisamos falar sobre HIV/AIDS. Por isso, precisamos, cada vez mais que esse tema não seja exclusivamente falado por quem vive com o vírus.

E um passo para falarmos cada vez mais sobre o tema é acompanhar pessoas que falaram sobre como é viver com o vírus, saber como funciona nosso sistema de saúde, falar e experimentar o sexo de uma forma livre e saudável, e lutar, sempre, para que todo mundo tenha informação e acesso.

Iran Giusti é formado em Relações Públicas pela FAAP, passou por agências como TVRP e Remix Social Ideias. Como jornalista atuou no Portal iG, BuzzFeed Brasil. Atualmente é repórter no Terra Nós e diretor institucional da Casa 1

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